Por Geraldo Margela,
Professor do Depto de Ciências Sociais da UFRN
“Vamo cola tumultando a ‘porra’ toda, curtindo uns funk e pegando geral!”
Diz o convite feito na Rede Social por Vinícius Cassiano, 18 anos, vendedor, residente na Vila Tiberio, em Ribeirão Preto, publicado sexta-feira, (17/01/2014), convidando para um Relézinho no Shopping de Ribeirão Preto. Vale dizer que o Shopping fechou suas portas, a polícia se mobilizou, os promotores públicos entraram em ação e a classe média de Ribeirão em pânico.
Neste texto debatemos algumas questão relacionadas a este fenômeno, presente no Brasil que se moderniza.
O combate a pobreza e a desigualdade social, a principal estratégia política dos governos do PT nos últimos 10 anos, produziu um fato sócio-político relevante: A ascensão social dos pobres. 40 milhões deles, aproximadamente, saíram da linha de pobreza e conquistaram as condições de acesso a outro patamar, em suas vidas. Esse movimento tem relação com as políticas sociais afirmativas mais recentes: O emprego de carteira assinada, foram criados mais de 10 milhões de empregos nessa categoria, a elevação dos salários dos trabalhadores e, consequentemente, o aumento do seu poder aquisitivo, além do baixo indice de desemprego, 5,4% da população economicamente ativa, em 2013. Acrescente-se a isto, os programas sociais desenvolvidos no Brasil pelos governos comandados por esse bloco político: Um sistema de ensino mais democratizado, as cotas em universidades, o PROUNI, o PRONATEC, os Institutos Federais de Educação e o aumento significativo de vagas nas universidades públicas. Este conjunto de ações promoveu a integração de parcelas importantes dos pobres ao mundo do consumo, a lógica do capital. Deve-se considerar, também, que o avanço do capitalismo ocorrido nas últimas décadas concorreu, pela expansão econômica, pela propaganda e pela instituição do cartão de crédito para a criação e atendimento do desejo de consumo das frações menos aquinhoadas da nossa população.
Esse conjunto de fatores impôs uma nova forma de organização dos mercados de oferta de bens de consumo. Os Shoppings Centers e os Hiper e Super Mercados expandem-se nesse contexto. Reportando-se ao caso específico de Natal, destaca-se a construção do Midwey Moll. Quando este foi criado no início do século XXI, seus proprietários ao instalarem as lojas de Departamento para atenderem as classes populares, teriam pensado em atrair compradores que ascendiam socialmente, naturalmente, pretendiam que seus novos clientes se comportassem como consumidores passivos. Que fossem atendidos em suas necessidades de consumo e silenciosamente se retirassem. Ao executar essa estratégia as Lojas Riachuelo e a C. & A, mais populares, assim como a praça da alimentação, foram instaladas no térreo e no primeiro andar, respectivamente, daquele empreendimento. O propósito era restringir o acesso dos moradores das periferias aos andares superiores do Shopping, onde foram instaladas as lojas de grife e os restaurantes mais requintados.
Assim, o planejamento estratégico do uso do espaço físico daquele estabelecimento definia, então, o lugar dos jovens de periferias que adquiriram as condições de acesso aquele centro comercial. Seguindo esse raciocínio eles não deveriam circular em espaços destinados as classes médias. Aceito essa premissa estaria expressa a lógica e a força de uma cultura de segregação, firmada e reafirmada pela história cultural das elites dominantes, que deita raízes na escravidão: Pobres, negros e ralé devem se reconhecer em lugares diferenciados, nos porões dos Shoppings Centers, distantes dos grafinos. Então, o conflito se instala quando os jovens do Rolézinho, da periferia, pobres e em grande parte, negros, querem ser reconhecidos no templo do capital: os Shopping Centers, sem restrições de acesso. Não ocorre o mesmo nos aeroportos, com a reação das classes médias altas, com a presença das frações sociais diferentes que passaram a freqüentar os aeroportos? Espaços, estes, antes, exclusivos das faixas sociais ditas superiores, de elite?
Dificultar o acesso desses grupos sociais, ( os adeptos dos Relézinhos) a determinados espaços públicos, no caso aos Shoppings Centers e aos Aeroportos é cercear o direito conquistado por determinadas frações sociais da nossa população nos últimos tempos, como sujeito de direito e como cidadaos Ações desse tipo afrontam os valores democráticos consagrados pelas sociedades capitalistas modernas. Que afirmo ser a maior conquista do PT, hoje: A redução das desigualdades, o acesso de maiores contigentes do povo brasileiro a educação, ao consumo e ao bem-estar.
Penso que esses movimentos promovidos pelos jovens de periferias, que possuem um novo tipo de organização, sem líderes identificados, sem um projeto alternativo delineado, não serão contidos por meio da força e da violência. Os movimentos de junho de 2013 e os Relézinhos de hoje, com suas diferenças, demandam ao Estado e a sociedade em geral a prestação de serviços de melhor qualidade, além do cumprimento e do respeito as conquistas obtidas. Nessa linha, o Estado e seus gestores deverão expandir as políticas públicas existentes, e criar novas, e que possivelmente, acirrarão as lutas entre as classes sociais pelo controle dos bens materiais e culturais resultantes do desenvolvimento econômico e do progresso social.