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Não precisamos rotular nossa Cultura

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O conceito de cultura está intimamente ligado às expressões da autenticidade, da integridade e da liberdade. Ela é uma manifestação coletiva que reúne heranças do passado, modos de ser do presente e aspirações, isto é, o delineamento do futuro desejado. Por isso mesmo, tem de ser genuína, isto é, resultar das relações profundas dos homens com o seu meio, sendo por isso o grande cimento que defende as sociedades locais, regionais e nacionais contra as ameaças de deformação ou dissolução de que podem ser vítimas. Deformar uma cultura é uma maneira de abrir a porta para o enraizamento de novas necessidades e a criação de novos gostos e hábitos, subrepticiamente instalados na alma dos povos com o resultado final de corrompê-los, isto é, de fazer com que reneguem a sua autenticidade, deixando de ser eles próprios.

Milton Santos – Geógrafo brasileiro

As discussões sobre a responsabilidade do Estado para com a Cultura do seu povo nunca foram tão fervorosas. Os artistas que outrora se resumiam a “captadores de recursos” em balcões de políticos e empresários, agora vivem uma nova fase, a de formação política e institucional. Nos últimos 10 anos, tivemos uma verdadeira transformação no pensar e no fazer das políticas públicas para a Cultura do Brasil. A tentativa de criação e implementação de um Sistema e de um Plano Nacionais de Cultura, por meio das ações do Ministério da Cultura e das Conferências Nacionais, levaram a sociedade a mobilizar-se em prol desse legado que está transformando as políticas públicas desse setor em política de Estado, e não somente de Governo.Folhetim

Em nível nacional avançamos muito, mas ainda há muito pra se conquistar. As Leis de Incentivo à Cultura por meio da Isenção fiscal estão caducando, e ainda assim, levam a maior parte da “fatia do bolo” dos investimentos para a Cultura, concentrando suas execuções em Megaeventos, Grandes eixos urbanos e nas mãos de artistas já consagrados e que muitas vezes já não mais necessitam do apoio estatal. O Fundo Nacional de Cultura precisa ser fortalecido ainda mais, tornando os processos de distribuição de verba mais transparentes, democráticos, acessíveis e universalizados. Estamos caminhando a passos largos e somente com a sociedade mobilizada é que teremos nossas conquistas efetivadas.

No Rio grande do Norte, ainda vivemos de maneira muito forte as heranças do coronelismo. Gestores que assumem após indicações políticas, sentem-se donos das pastas de Presidentes de Fundações de Cultura, ou Secretários. Mandam e desmandam. Pautam-se na política de eventos, no “Pão e Circo”. Há quem diga que a atual gestão da Prefeitura de Natal retomou os rumos da administração pública para a Cultura, pois os eventos voltaram a acontecer com grande força. Mas eles continuam com os mesmos formatos: supervalorização do artista nacional de renome e eventos centralizados em espaços já carimbados. Não é que tenhamos que renegar o que “vem de fora”, ao contrário, precisamos nos alimentar de coisas boas e de aumentar nosso repertório cultural. Mas acredito que exista um problema de conceito muito forte e que adentrarei nesse assunto mais à frente.

Há quem serve a Política de Cultura no nosso estado?

Ela deve ser uma via de mão dupla, que valoriza a produção artística que é feito em nosso território, mas que também faça com que o povo tenha acesso a mais ações culturais. Como fazer com que uma coisa se complemente com a outra? Quais ações estão sendo pensadas para que as políticas públicas para o setor em questão sejam contínuas e que aconteçam dentro de um plano bem definido, com metas, ações, responsáveis e prazos estabelecidos?

Em nível da administração estadual, temos um Fundo de Cultura que de quase nada serve a população, nem aos artistas. Sua aplicação é falha, pois não dialoga com os anseios da Sociedade. Lançam editais com excesso de burocracia, atrasos nos repasses, e com pouca adesão da sociedade. A política de editais, até hoje nos aparece como o modelo mais acertado para o repasse de verba para a Cultura, apesar das falhas e da eterna adaptação (tanto por parte dos artistas como do poder público) às burocracias necessárias, não nos foi apresentado nenhum modelo que possa atingir com mais precisão os pontos já citados por mim no segundo parágrafo desse texto (transparência, democracia, acessibilidade e universalização). Parece que esta atitude da atual administração do Governo do Estado, vem no sentido de desmoralizar esse modelo, mas esse modelo é irreversível, talvez aí resida o grande fracasso dessa gestão. Não conseguiu implementar nenhum edital com frequência e continuidade, não conseguiu aumentar os investimentos do Fundo Estadual, ganhou a antipatia e o descrédito dos mais diversos setores artísticos, produziu um megaevento (o Agosto da Alegria) que esvaiu-se na sua própria essência (um evento que se reproduz anualmente e que não apoia o surgimento de novos repertórios culturais no seu território já nasce fadado ao fracasso),  sem contabilizar os inúmeros cachês que foram pagos com atraso. Apesar de existir um esforço desprendido por parte dessa gestão da adesão ao Sistema Nacional de Cultura, inclusive com o Plano Estadual prestes a ser aprovado na Assembleia Legislativa, digo-lhe que dessa administração não esperamos mais nada além de seu término.

Em nível municipal temos um Presidente/Secretário, Dácio Galvão, que retoma o posto que já ocupara em gestões passadas. Nada mais comum do que achar que o que deve ser feito é o que já havia sido feito. A política de eventos foi retomada com muita força, pois o mesmo é um Gestor irretocável no tocante a Produção Cultural, pagamento de cachês com prazos definidos e com um calendário organizado. Mas existe um movimento nos bastidores da FUNCARTE que pode modificar o modus operandi da atual gestão (haja vista ela está em seu primeiro ano de ação e trabalhando com um orçamento definido na gestão passada), pois uma equipe muito bem preparada vem trabalhando para dar início à criação do Plano e do Sistema Municipais de Cultura, e que pode nos deixar um legado importante e que levará a administração pública de Natal a executar ações definidas pela Sociedade Civil. Artistas, apreciadores, produtores, críticos, pesquisadores e demais atores sociais deverão estar envolvidos em um processo democrático de elaboração desses documentos e dessas ações. Por isso não posso dizer que dessa gestão há de se esperar coisas boas, mas posso dizer que há de se cobrar coisas boas.

No tocante ao financiamento precisamos avançar muito, tanto no aumento do repasse das verbas, como nos modelos de distribuição das mesmas, em níveis federal, estadual e municipais.

Fonte: http://issuu.com/evilasiojunior/docs/revista_folhetim_-_edi____o_n___0_-

O referido texto foi escrito para a Revista Folhetim, que foi fruto do trabalho de conclusão de curso de Evilásio Júnior e Kamila Álvares, âmbos do Curso de Comunicação Social – Jornalismo da UFRN em dezembro de 2013.