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Marcados Para Morrer: Homicídios Comuns e Execuções no RN

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Sobre a prática criminosa letal, o aumento da violência homicida e as execuções sumárias no RN

Por Ivenio Hermes

(Publicado em parceria com Cezar Alves via Jornal De Fato/Retratos do Oeste)

CVLI e Crimes de Execução

Com a diversificação das motivações para cometimento de assassinatos, tratar esses crimes como mero homicídio dificultou o mapeamento de tendências criminosas e de violência. Por isso, os crimes que culminavam em morte e que excetuam uma ação culposa, ou seja, homicídios dolosos, latrocínios ou lesão corporal seguida de morte, foram reunidos num novo grupo conhecido como CVLI, os crimes violentos letais e intencionais.

Essa nova classificação abrange uma outra tendência que nem sempre é facilmente identificada e a relação entre os homicídios baseados na mesma conduta costumam passar despercebidos, são os crimes de execução sumária.

No Rio Grande do Norte esse tipo de crime vem se tornando cada vez mais endêmico, e suas raízes remontam desavenças históricas entre famílias rivais, beirando o desaparecimento de seus membros. Essa prática recorrente assume outras proporções quando assassinos de aluguel e agentes da lei corrompidos são contratados, numa terceirização da violência que por sua vez pode adquirir características mercantilistas e atrair criminosos de outros lugares.

Como são as evidências implícitas (aquelas que o olhar investigativo precisa discernir) e explicitas (aquelas que são visivelmente perceptíveis ou obtidas através de análise forense) que norteiam investigadores e/ou estudiosos a determinação dessa conduta, nem sempre é fácil estabelecer um liame entre os crimes contra a vida comuns e os crimes de execução, comumente praticados por grupos de pessoas, mas a repetição destes deve ser considerada um alerta para os gestores de segurança em razão da sua gravidade.

É nesse subconjunto dos CVLI que estão situados os grupos de extermínio, os crimes de tocaia e vingança. Alguns pesquisadores adotam como critério de classificação o modus operandi (armamento empregados, a quantidade de disparos, de vítimas, ou seja, o método da ação) como meio de consubstanciar evidências, algo muito coerente, mas que não deve ser usado como forma de consolidar a ação de grupos de extermínio a fim de separar um grupo “a” de um grupo “b”, haja vista que dentro de um grupo pode ser adotado diferentes métodos que derivam dos instrumentos e dos meios disponíveis para o resultado.

A prévia intenção de eliminar a vítima está presente naquele que comete uma execução, e esse crime não pode se originar de balas perdidas ou tiros acidentais, tampouco pode ser oriundo de brigas, discussões ou qualquer indício de que não havia o intento anterior. Sua trajetória deriva de uma vontade que por sua vez teve início em um desacordo anterior para culminar num acerto de contas, numa vingança e outros onde fique demonstrada que houve um preparo mínimo a intenção de produzir a morte da vítima.

Segundo o Núcleo de Estudos da Violência da Universidade de São Paulo, um determinado modus operandi e a falta de oportunidade da vítima esboçar reação física ou jurídica permite qualificar a ação como execução sumária.

Facilitadores da Prática Criminosa

Facilitado pela impunidade inerente em locais cuja capacidade de investigação da Polícia Civil é inexpressiva e onde a ostensividade da Polícia Militar a torna uma mera polícia de reação, o crime de execução se prolifera e torna o homem quase incapaz de sentir arrependimento ou remorso. O valor da vida humana é rebaixada ao nível da barganha por dinheiro, bens materiais e status, e em alguns casos a palavra “honra” surge como valor imaterial, mas tratado com um senso valorativo exacerbado.

Motivacao em 2014.01.08O gráfico acima se refere aos primeiros 7 dias de janeiro de 2014, onde cerca de 37 crimes violentos letais e intencionais foram cometidos, dentre os quais, pelo menos 25 possuem características de terem sido execuções sumárias (22 assassinados com múltiplos disparos e 3 por vingança), sendo dois cometidos contra mulheres.

O crescimento das execuções sumárias e os outros crimes violentos letais e intencionais deveria preocupar os gestores encarregados de promover a segurança pública no Rio Grande do Norte, pois o crescimento da incidência de crimes no estado assustam os cidadãos potiguares que estão à mercê da sorte de nunca estarem próximos ao local onde esteja havendo um crime desse tipo, se tornando vítimas potenciais de balas perdidas, de violência psicológica pelo temor de falar o que testemunharam ou ainda pelo medo de serem mortos para não falarem qualquer coisa que ponha em risco a impunidade dos assassinos.

O número de homicídios registrados em 2013 corresponde a 480% dos homicídios ocorridos em 2004, isto é, nos últimos 10 anos o número de assassinatos no Rio Grande do Norte aumentou quase 5 vezes, um número totalmente desproporcional ao crescimento populacional no mesmo período, que era 2.590.541 habitantes em 2004 e em 2013 foi estimado em 3.373.959, a taxa de crescimento demográfico ficou em 30% segundo a tabela acima consolidada com os dados oficiais do IBGE dentro do mesmo período em questão.

Evolucao_Homicida_x_Populacao_RN_em_2000-2013

O aumento da criminalidade decorre de vários fatores, mas talvez o principal deles esteja intimamente ligado com a maneira pela qual o gestor público lida com a segurança pública. A fragilidade, desorganização e ineficiência dos órgãos de segurança pública não apenas resultam na impunidade, que é um fator multiplicador da violência, como também facilita o desvirtuamento dos seus próprios policiais, que diante do abandono, falta de treinamento, desestímulo profissional, falta de motivação, ambientes de trabalho totalmente inadequados, baixos salários e uma corregedoria ineficaz, acabam se tornando mais suscetíveis a corrupção, que é uma tentação constante a que são submetidos. Daí porque muitos crimes de execução são praticados por policiais.

Além disso, os fatores desencadeadores dos homicídios comuns e nos crimes de execução sumária são conflitos não resolvidos nas relações humanas, preponderantes em lugares onde o acesso à justiça, à polícia, enfim, ao poder do interventor do Estado, é pequeno e fragilizado. Nessa margem de conflitos, que podem ser de ordem econômica, interpessoal, passional, litígios rurais, políticos e outros, a insuficiência da capacidade gestora do Estado impulsiona e legitima o impulso criminoso.

O crescimento da violência é alarmante: enquanto nos últimos 10 anos o índice de homicídios cresceu quase 400%, o crescimento populacional no mesmo período foi de apenas 30%. O percentual crescimento da morte e da violência consubstanciado nos homicídios é quase 13 vezes maior que o crescimento da vida consubstanciado na diferença entre aqueles que nascem e aqueles que morrem. A seriedade desses dados é mais do que evidente e ameaça gravemente o futuro da sociedade, caso esse crescimento vertiginoso da morte e da violência não sejam contidos com urgência.

Exortação

A violência homicida e a prática de crimes de execução sumária vem sendo tratados com tanta futilidade que as pessoas estão se habituando a encarar a morte violenta como algo natural. “As famílias em conflito se tornaram tão habituadas ao morticínio que fazem seguros de vida e planos funerários, para quando chegar à sua vez, tenham como deixar os familiares amparados” relata o jornalista Cezar Alves.

Diante dessa banalização da vida humana e da certeza que crimes graves sairão impunes, cresce a “vingança privada”, prática já a muito ultrapassada, mas que vem se reafirmando diante da omissão do Estado em cumprir seus deveres mais importantes a fim de salvaguardar direitos fundamentais e básicos dos cidadãos.

Urge que a segurança pública no RN seja tratada com a seriedade que necessita, sem discursos populistas, sem adiar problemas que há muito tempo são inadiáveis, sem promessas vazias, com mais políticas de Estado e menos de governo, com menos imediatismo, sem esconder ou minimizar os problemas e fragilidades do sistema com intenções eleitoreiras, com a prioridade necessária e profissionalismo. Caso contrário, os crimes de execução não só crescerão, como se tornarão cada vez mais socialmente aceitos e a cultura da violência e da morte estará instalada, culminando numa grave regressão civilizatória.

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REFERÊNCIAS:

ADORNO, Sérgio; CARDIA, Nancy. Dilemas do controle democrático da violência: execuções sumárias e grupos de extermínio. In: SANTOS, José Vicente Tavares dos (Org.). Violências em tempo de globalização. São Paulo: Hucitec, 1988. Cap. 24. p. 66-90.

LIMA, Renato Sérgio de Lima (Org). Fórum Brasileiro de Segurança Pública. Anuário Brasileiro de Segurança Pública. 7. ed. São Paulo: Open Society Foundations e Fundação Ford, 2013. 138 p.

WAISEL­SZ, Julio Jacobo. Mapa da Violência 2012: A Cor dos Homicídios no Brasil. Brasília DF: CEBELA – Centro Brasileiro de Estudos Latino-Americanos, FLACSO Brasil – Faculdade Latino-Americana de Ciências Sociais, 2012. 41 p. SEPPIR/PR. Disponível em: < http://db.tt/SJjGBiRE >. Publicado em: 12 nov. 2012.

NUNES, Eduardo Pereira Nunes (Org.). Sinopse do Censo Demográfico 2010. Rio de Janeiro: Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE, 2011. Disponível em: < http://www.ibge.gov.br/home/estatistica/populacao/censo2010/sinopse.pdf >. Acesso em: 05 jan. 2014.

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SOBRE O AUTOR:

Ivenio Hermes é Escritor Especialista em Políticas e Gestão em Segurança Pública e Ganhador de prêmio literário Tancredo Neves. Colaborador e Associado Pleno do Fórum Brasileiro de Segurança Pública. Consultor de Segurança Pública da OAB/RN Mossoró. Integrante do Conselho Editorial e Colunista da Carta Potiguar. Pesquisador nas áreas de Criminologia, Direitos Humanos, Direito e Ensino Policial.