Sobre o novo polo atrativo de crimes, a violência homicida e as promessas para a segurança pública em 2014
Por Ivenio Hermes e Marcos Dionisio Medeiros Caldas
(Publicado em parceria com Cezar Alves via Jornal De Fato/Retratos do Oeste)
O ano de 2013 está a pouco menos de 36 horas de seu fim e se imagina quantos ainda pagarão com suas vidas pela ineficaz e desleixada política de segurança pública do Governo do RN. Até às 10hs do dia 30 de dezembro de 2013 já foram contabilizados pelos menos 1632 vítimas de crimes violentos letais e intencionais. E notem que o termo “pelo menos” tem sido sempre usado, pois além da cifra obscura que infelizmente existe nesse tipo de crime, ainda existem dados para ser consubstanciados oriundos de diversas fontes, e somente em Janeiro de 2014 um número mais preciso será divulgado, mantendo a tendência ascendente dos números. Esses números então deveriam ser fechados junto com o ano, na própria página digital do governo. E mais, além dos números em si, a aludida página traria também a informação do andamento da apuração de cada uma das ocorrências, pressuposto basilar do Estado Democrático de Direito em que pretendemos viver.
O Governo do Estado não dá atenção aos alertas que vem lhe sendo enviados desde 2011, encara os pesquisadores e especialistas em segurança pública como críticos e não como colaboradores que fornecem informações, que se fossem bem utilizadas, não haveria um número tão grande de mortos no estado.
Dentre os alertas já fornecidos, a falência da pactuação do Brasil Mais Seguro foi dada desde julho, e agora o Governo do Estado tem que lidar com a possível perda de cerca de 40 milhões de investimentos em segurança pública oriundos do Governo Federal, assim como já perdeu 2 milhões em outra ocasião previamente avisada.
O Aeroporto de São Gonçalo do Amarante está entre os avisos, devido a ser um potencial polo atrativo de empreendimentos, riqueza, crimes e meios de facilitação de ilícitos que ocorrerão bem fora de suas instalações, porém no entorno do circular de riquezas que o empreendimento movimentará. Como não podemos ser vítimas dos nossos fracassos, também não devemos sê-lo do desenvolvimento. Não forem adotadas medidas urgentes, Macaíba terá seu palco de horrores migrado parcialmente para São Gonçalo do Amarante.
Atualmente, a InterFort, empresa do consórcio responsável pela segurança da obra do aeroporto, tem dificuldade de lidar com o desvio de material de dentro do canteiro de obra, mesmo com a presença do Batalhão de Engenharia, responsável pela construção de pistas de pouso/decolagem e taxiamento de aeronaves, que auxilia na segurança. O material desviado, em si já consiste em uma prévia dos crimes em que podem ser utilizados. Cobre, caixas de ferramenta de grandes obras e furadeiras de alto impacto e uso industrial, são tesouros nas mãos de mentes criminosas que sabem como empregar esse material em assaltos, arrombamentos de caixas eletrônicos e futuramente até explosões de carros de transporte de valores, a exemplo do que já ocorre nos estados do sul e sudeste. Um crime menor impune pode ensejar outros de maior gravidade e até letais, trágicos, macabros como só uma sociedade em crise imensa de valores pode parir.
Se as equipes de inteligência tivessem recebido meios e técnicas de atuação adequados, um trabalho já poderia ter sido iniciado no sentido de mapear esse material e fiscalizar o fluxo de empregados e trabalhadores eventuais que atuam na complexa obra. Não se trata da construção de um Shopping Center e sim de uma gigantesca porta de entrada e saída do Estado do Rio Grande do Norte, com data de inauguração confirmada e sem que haja nem preocupação do Governo do RN em montar um arremedo de Força Tarefa para pelo menos, tentar controlar a situação e providenciar a convocação dos remanescentes do último concurso da PM para planejar a necessária nova presença policial ostensiva na nova São Gonçalo do Amarante, que pode aflorar do megaempreendimento.
Claro que São Gonçalo do Amarante precisa ser repensada em sua inteireza, em face do novo status que assumirá a partir da inauguração do novo aeroporto. Como a parte principal da segurança, cabe ao estado do Rio Grande do Norte, todavia, convém a reflexão de que pelo andar da carruagem, o que se sinaliza de possibilidades podem ser limitadas ou neutralizadas por uma violência descomunal que pode aflorar em paralelo ao desenvolvimento econômico. Algo semelhante ao que se passa no Brasil onde a maior inclusão socioeconômica e a menor taxa de desemprego da nossa história são mitigadas pelo custo econômico e humano da violência.
São Gonçalo do Amarante precisa se inserir altaneiramente no novo contexto, desenvolvendo-se, distribuindo renda e qualificando-se em termos de serviços públicos. Ou faz isso com ousadia e exigindo que o Estado do Rio Grande do Norte cumpra sua parte, ou corre-se o risco de o município ficar encalacrado entre a pretensa mundialização e uma a modernização perversa para esgrimir duas expressões caras ao pensador geógrafo Milton Santos.
Planejar uma política de segurança social para uma cidade que receberá tantos incrementos em tão concentrado período, não é só assegurar recursos humanos e materiais no tocante ao policiamento ostensivo e investigativo. É preciso desenhar um fiel papel a ser desempenhado pelo município, no tocante a prevenção, empreendedorismo e mobilização social, e dotar a cidade de um núcleo pensante interdisciplinar e Inter setorial capaz de deixar de olhar a criminalidade pelo simples olhar que percebe os assaltantes e agressores como os sofridos pela empresa e pelos concidadãos de São Gonçalo do Amarante, mas que passe a se qualificar para lidar com a nova realidade, neutralizando não só a criminalidade papa jerimum mas apetrechar-se com os olhos de águia para discernir quem manipula os cordéis da criminalidade organizada, através do sistema financeiro e bancário, movimentando extraordinárias cifras cujos agressores da nossa periferia só tem acesso a migalhas. Pobreza não gera violência, desigualdade e consumismo, sim. A miséria inviabiliza a felicidade para o ser humano. Mas riqueza e desenvolvimento não estribados em fortalecimentos de Instituições e do controle social, cidadão e comunitário pode lançar uma pá de cal em sonhos de desenvolvimento e justiça social.
Voltando suas atenções para o resgate da credibilidade política e não para a concretização de ações de segurança pública, o Governo do RN divulga dois novos concursos para o setor, um para o ITEP e outro para o Corpo de Bombeiros, sem ainda ter resolvido o problema dos concursados da Polícia Civil e dos 824 aptos do Concurso da Polícia Militar. Os concursos são necessários, mais seus aprovados serão outros futuros frustrados que não conseguirão ser convocados para sua efetivação no serviço público porque estarão de frente para o já tão utilizado limite prudencial da Lei de Responsabilidade Fiscal, como desculpa para não convocar os concursados.
Mais uma vez é evidente que não existe planejamento estratégico nas esperanças dadas ao povo potiguar, e ainda são citadas associações, sindicatos e membros da sociedade para dar força ao argumento e credibilidade nessa propaganda governamental. Mas a crua realidade é que não há credibilidade nas promessas, e como evidência pode ser citada a possibilidade dos plantões dos fins de semana serem suspensos a partir de 1º de janeiro de 2014, em função da inadimplência no pagamento de diárias que já são devidas aos policiais desde outubro, último mês pago aos policiais que trabalharam além de seu expediente normal.
Se não há dinheiro nem para pagar 100 reais por plantão para um agente/escrivão, não há dinheiro para diárias operacionais dos policiais militares cujo valor gira em torno de 80 reais, não há meios de contratar os já concursados, como crer na exequibilidade de um novo concurso. Se eles ocorrerem será mais uma bomba relógio a ser colocada nas mãos do futuro governador do Estado, ou, um meio de se manter no poder, pois somente quem der corda no cronômetro dessa bomba, poderá surgir com o código de desativação antes de sua explosão.
Em recente entrevista dada ao programa Patrulha da Cidade, o Secretário Aldair da Rocha cita pessoas com se elas fizessem parte de um projeto basilar, enquanto na realidade, algumas delas tiveram sua ação subutilizada ou desvirtuada em função de suas contribuições terem sido usadas como o mesmo fomento político que as atuais promessas.
O Brasil Mais Seguro virou apenas uma esperança, a Divisão de Homicídios outra expectativa frustrada, e assim foram os investimentos em inteligência policial, em viaturas novas que se sucatearam em menos de um ano, em reforço policial, em interiorização da polícia judiciária e fortalecimento da polícia preventiva/ostensiva.
Enquanto Rosalba Ciarlini promove seu habitual evento de final de ano nos moldes dos antigos impérios e monarquias, recebendo visitantes ilustres e até um ministro asiático, a pompa utilizada disfarça e desvia os olhares dos graves e atuais problemas que não serão solucionados com promessas de ano novo, promessas para a segurança pública em 2014, que mais parecem àqueles votos que nunca se cumprirão, mas que todos se fazem para minimizar a frustração daquilo que deixou de ser alcançado no ano que terminou.
Natal, Macaíba, São José de Mipibu, Ceará-mirim, São Gonçalo do Amarante, Parnamirim já vivem taxas de guerras civis ou de conflitos como o Sírio ou o do Iraque. Referimo-nos a Macaíba e São Gonçalo do Amarante pela proximidade de duas tragédias que poderiam ser evitadas, instigando o papel dos municípios no tocante a segurança pública e defesa social que se encontrasse com um Plano de Segurança Pública e Defesa Social para a Região Metropolitana de Natal coordenado por um Gabinete de Gestão Integrada que beberia reflexões, diretrizes e ações insculpidas por um Conselho Estadual de Segurança Pública e Defesa Social constituído por gestores, operadores na segurança pública e representações da sociedade civil.
O Conselho Estadual de Segurança Pública e Defesa Social não é instituído por inúmeras desculpas. Não querendo a corresponsabilidade da segurança, o governo a inviabilizou. Depois não vá tardiamente, querer dialogar para granjear parcerias para o fracasso cotejado. A barbárie materializada nos homicídios e crimes violentos letais intencionais avança destruindo lares na faixa periféricas das cidades, mas também atingindo a sociedade através da dilapidação do patrimônio através de assaltos, roubos e furtos.
Promessas antigas são esquecidas e novas são criadas. A Nau da Insegurança no Rio Grande do Norte vaga ao lado da Nau da Insensatez, à deriva nas águas escarlates do Rio Grande de Morte. Até quando?
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SOBRE OS AUTORES:
Ivenio Hermes é Escritor Especialista em Políticas e Gestão em Segurança Pública e Ganhador de prêmio literário Tancredo Neves. Colaborador e Associado Pleno do Fórum Brasileiro de Segurança Pública. Consultor de Segurança Pública da OAB/RN Mossoró. Integrante do Conselho Editorial e Colunista da Carta Potiguar. Pesquisador nas áreas de Criminologia, Direitos Humanos, Direito e Ensino Policial.
Marcos Dionísio Medeiros Caldas, advogado e militante dos Direitos Humanos, Presidente do Conselho Estadual de Direitos Humanos/RN e Coordenador do Comitê Popular da Copa – Natal 2014, com efetiva participação em uma infinidade de grupos promotores dos direitos fundamentais, além de ser mediador em situações de conflito entre polícia e criminosos e em situações de crise de uma forma geral.