Sobre a insegurança e a inversão dos direitos humanos, as forças tarefas/operações improvisadas e a proliferação da mortandade
Por Ivenio Hermes e Marcos Dionisio Medeiros Caldas
(Publicado em parceria com Cezar Alves via Jornal De Fato/Retratos do Oeste)
A Insegurança e a Inversão dos Direitos
Os enfeites de Natal são retirados tradicionalmente em 06 de janeiro, data em que as luzes cintilantes dão lugar à normalidade dos outros dias do ano até que cheguem as próximas festividades de fim de ano. Para muitas famílias do Rio Grande do Norte esse fim de ano não está sendo fácil de ser comemorado, inclusive as 7 delas que tiveram seu número de membros subtraído somente na noite do Natal em Natal, a cantada praieira de Otoniel Menezes e Eduardo Medeiros convertida numa zona de guerra onde as agressões das periferias dão sequência ao sofrimento comunitário no templo de sacrifícios, dores e horrores do Walfredo Gurgel, onde técnicos da saúde que só queriam promover a festa da saúde recobrada e da vida, ver seus nervos se esgarçarem por um contínuo sofrimento mental imposto pelo descaso do Governo Estadual.
A insegurança instalada no Rio Grande do Norte está imersa no caos da ausência do respeito às vidas potiguares consubstanciadas em operações policiais sem efetividade, de políticas de segurança de efeito apenas midiático e da falta de vontade da Administração de Rosalba Ciarlini em investir na prevenção e combate ao crime, objetivamente no combate à prática de crimes violentos letais e intencionais que atingiram 1617 assassinatos ocorridos em 2013 até o presente momento, segundo dados da Pesquisa da Violência Homicida Potiguar realizada pelo Conselho Estadual de Direitos Humanos e Cidadania/RN.
É triste inclusive observar que dentro do grupo gestor da segurança pública no RN ainda hajam tórridos defensores dessa política de improvisação utilizando veículos sem manutenção, canibalizados, sucateados e em desobediência ao Código de Trânsito Brasileiro, tendo inclusive a coragem de impor o uso desses veículos aos seus subordinados, legitimando a desobediência à lei. Essa afirmação pode ser comprovada no documento disponível pelo link https://db.tt/z8ZYEYQ5 onde são relatadas as infrações de trânsito e disciplinares decorrentes do uso de uma viatura sem condições e o despacho de um comandante dizendo que reconhece os problemas e que adotará as medidas cabíveis, dando em seguida a ordem: “determinando que o signatário a fazer uso da presente viatura, com as devidas cautelas”.
Um caso clássico de inversão do direito do trabalhador, de violação dos direitos fundamentais de um policial que é obrigado a se expor mais ainda do que a profissão exige quando trabalha numa viatura cometendo infrações que ele supostamente deveria coibir.
As forças tarefas/operações improvisadas
Nessa onda de inversão moral, o trabalho de policiamento ostensivo segue em decadência, descaracterizado, maculado e mesmo diante de alguns bons gestores não obtém os resultados para o qual foi planejado. E nesse quadro se apresenta a Força Tarefa de Macaíba, criado pela governadora Rosalba Ciarlini com o objetivo de reduzir os índices de violência naquele município, que começou a funcionar no dia 11/10/2013 após uma reunião na noite anterior, sob os holofotes da imprensa e a presença do secretário da Segurança Pública, Aldair da Rocha, o comandante geral da Polícia Militar, coronel Francisco Canindé Araújo, e mais o prefeito, seu vice, vereadores e comerciantes do município.
Na época fora determinada que um relatório fosse elaborado após 30 dias apresentando o quadro da evolução do trabalho de redução dos índices de violência homicida que na época haviam atingido 79 assassinatos, ou seja, uma taxa absoluta de 0,28 mortes para os 283 dias já decorridos do ano de 2013.
Mas a Força Tarefa de Macaíba não foi capaz de deter e nem de frear a violência naquele município que após 76 dias sob a vigência de suas atividades atingiu 103 mortes, inclusive de crianças, doentes mentais, travestis e mulheres.
Foram 24 CVLI, crimes violentos letais e intencionais, após iniciados os trabalhos da Força Tarefa, ou seja, em 76 dias de atuação o índice de mortandade aumentou para 0,32 (resultado do número de mortes dividido pelos dias de atividade), mais do que os 0,28 do período sem a operação policial. Isso quer dizer que se a taxa obtida pela força tarefa fosse aplicada no mesmo período sem ela, isto é, 283 dias, teríamos um total de 90 homicídios e não os 79, 11 mortes a mais.
A ineficiência desse tipo de trabalho é fruto de um improviso praticado por policiais, que mesmo treinados e preparados, não possuem equipamento e nem acompanhamento de suas atividades para coordenar o fluxo de ações, direcionando o aparato policial para onde ele realmente teria que estar.
A indefensável política de segurança pública da Administração Ciarlini é responsável pelo alarmante índice de homicídios e impunidade, não há sequer um vislumbre de soluções faltando apenas cinco dias para terminar o ano de 2013. A violência homicida não se detém nem pelo espírito natalino quando o Estado ineficiente deixa de contratar o número adequado de policiais, quando faz alarde de ações como a vistoria do ITEP e depois deixa o assunto esquecido, quando não dá condições de trabalho, de salário e de segurança para policiais que precisam mendigar pelas suas diárias operacionais e por uma promoção protelada há dez anos. E Diárias Operacionais, cujo atraso no pagamento, datam ainda do primeiro trimestre de 2013, obrigando o desacreditado Governo a uma nova gambiarra de ter que depositar antecipadamente os recursos que garantiriam as diárias da Operação Verão.
Um Estado que não cumpre aquilo que acorda com seus policiais, que os desvia de suas atribuições precípuas para compor o trabalho que nega a outros, que negocia com policiais para humilhá-los, que não dá sequer uma satisfação pelo não cumprimento de suas obrigações e que está à beira de uma fenda mais profunda num caos em que se encontra ao correr o risco de perder mais de 50 milhões de reais em investimentos através do Programa Brasil Mais Seguro.
A proliferação da mortandade
Macaíba é apenas um exemplo da realidade que se acerca em 2014, pois a tendência migratória do crime buscará locais de maior suscetibilidade dentro desse imenso Rio Grande de impunidade. Em breve o RN terá turistas vindos de todas as partes do mundo e o crime se deslocará para os polos atrativos de acordo com seu público alvo e o grande imã que será o aeroporto em São Gonçalo do Amarante que ensejará mais violência atraída pelo comércio, fluxo de veículos, pessoas e riquezas, trânsito financeiro e de cargas, e consequentemente um aumento dos crimes de extermínio e mortes registradas nos autos de resistência.
A insegurança tende a se proliferar tendo apenas um ligeiro hiato em decorrência da COPA que contará com o auxílio do Governo Federal para evitar repercussões negativas em nível mundial. Em seguida a inversão dos direitos humanos proferida e praticada por gestores que não sabem que deveriam ser guardiões dos direitos fundamentais, mas que ainda ficam saudosos de aulas no leito de cartilhas insculpidas sob o manto autoritário da Doutrina de Segurança Nacional com ranço de violências e de torturas, reproduzidas em práticas e nas anedotas sem graça que continuarão a tornar escarlate as águas do Rio Grande do Norte, cuja esperança prosseguirá desbotada pelas forças tarefas/operações improvisadas, limitadas e que não dão resolutividade ao problema que se tencionaria aplacar e que , a despeito do esforço de policiais que atuam na ponta, pouco servem para impedir a ampliação e a proliferação da mortandade dos humilhados e desumanizados vitimados das periferias.
O ano 2014 está chegando, e muitas luzes da esperança estão se apagando pela estupidez administrativa de um governo sem diretrizes, e a continuar assim, teremos mais luzes de vida que não permanecerão brilhando, tristemente, parece que com as sete mortes verificadas na noite de Natal em Natal, um tempo de festa e congraçamento vai sendo enodoado pela Nau da Insensatez gerencial do Rio Grande de Morte que parece ter alcançado seus desideratos mais que secretos em oposto ao que apregoaram em praça pública.
E o Rio Grande de Morte continuará nesta sangria desatada a imitar a tragédia que arrasou Natal e que só foi desautorizada ao apagar das luzes?
Os que amam o Rio Grande do Norte ao contrário dos investidores do Rio Grande de Morte, em suas múltiplas funções, precisam trazer nos ombros a responsabilidade pelos destinos da Terra de Poti, pois o que ocorre em Macaíba é apenas uma faceta da noite de sofrimentos e mediocridade que pôs em trevas a alegria de ser potiguar.
Alguns operadores reagem a nossas críticas pela luneta do corporativismo e não entendem que como numa Síndrome de Estocolmo não debatem mas dobram-se às violações de seus direitos humanos por seus algozes governamentais.
Considerações Finais
Calha mesmo ao final, resgatar anedota advinda de uma crônica de Carlos Heitor Cony, que nos relata que num cruzeiro fora convidado para jantar à mesa com o Comandante do Navio, ele e os demais comensais foram surpreendidos com um brusco tremor. Então, elegantemente, o Comandante pediu licença e saiu em diligência para averiguar o ocorrido, voltando um tanto depois, tranquilizando a todos dizendo que a embarcação havia se chocado com um pequeno iceberg, choque que não deixara avarias e que o jantar continuasse em paz, pois ele já trocara o Imediato.
Cony e demais convidados tornaram à ceia, mas o cronista ficou o resto da viagem ensimesmado, pois a despeito da troca do imediato, o comandante da nau cuja viagem continuaria, era o mesmo.
O Governo à deriva quer uma sobrevida improvisando, dê-se ao improviso o nome que se queira, pois o português é uma língua rica. Já os Operadores de Segurança Pública e militantes pelos Direitos Humanos, como o Operário em Construção, da poesia de Vinícius de Morais, precisam dizer NÃO ao menosprezo à vida humana no RN.
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SOBRE OS AUTORES:
Ivenio Hermes é Escritor Especialista em Políticas e Gestão em Segurança Pública e Ganhador de prêmio literário Tancredo Neves. Colaborador e Associado Pleno do Fórum Brasileiro de Segurança Pública. Consultor de Segurança Pública da OAB/RN Mossoró. Integrante do Conselho Editorial e Colunista da Carta Potiguar. Pesquisador nas áreas de Criminologia, Direitos Humanos, Direito e Ensino Policial.
Marcos Dionísio Medeiros Caldas, advogado e militante dos Direitos Humanos, Presidente do Conselho Estadual de Direitos Humanos/RN e Coordenador do Comitê Popular da Copa – Natal 2014, com efetiva participação em uma infinidade de grupos promotores dos direitos fundamentais, além de ser mediador em situações de conflito entre polícia e criminosos e em situações de crise de uma forma geral.