Por Ivenio Hermes
As políticas de segurança pública estão na maioria das vezes em rota de colisão com os anseios da sociedade, que não é pesquisada antes das ações de policiamento e nem levada em consideração quanto às rotinas de vida que serão desestabilizadas. Contudo, dentro da polícia cidadã, que se almeja como sendo a ideal, alguns comportamentos não podem ser mais tolerados.
Há um limite, uma diretriz comportamental, um norte moral que deve permear as ações de um policial, um ser humano a quem a sociedade confiou sua segurança e a salvaguarda de valores que não devem ser lançados por terra diante da primeira corrente contrária, e nesses quesitos, Wilson Damázio, que ocupou o cargo de Secretário de Defesa Social de Pernambuco desde abril de 2010, apresentou-se possuidor de conceitos deploráveis.
Ontem, 19/12/2013, Damázio foi afastado do cargo ao expor publicamente ao Jornal do Comércio pensamentos que revelam preconceito, machismo e homofobia. Ao ser questionado por causa de algumas acusações de violência policial contra mulheres no Recife, que pairavam justamente sobre estupros praticados por policiais, ele simplesmente respondeu que “mulher gosta de farda”.
“O policial exerce fascínio no dito sexo frágil. Eu não sei por que mulher gosta tanto de farda. […] Para ela é o máximo, tá [sic], dando pra um policial. Dentro da viatura, então, o fetiche vai lá em cima, é coisa de doido”. Wilson Damázio
No lugar de combater a prática ilegal e abusiva, o atual ex-secretário deixou de adotar o uso câmeras escondidas em veículos policiais para deter essas e outras irregularidades, pois “agora tudo é garantia e direitos individuais”, disse ele em tom jocoso, acrescentando que as mulheres possuem “fascínio” por policiais.
A afirmação desse gestor não merece a menor credibilidade a despeito de existir ou não, uma atração por pessoas de uniforme ou detentoras de certa autoridade, que aliás, não é comum apenas ao sexo feminino, e nunca justificará a atitude abusiva de agentes encarregados de aplicar a lei de se aproveitarem da suscetibilidade e fraqueza de outras pessoas. Pelo contrário, promovem o quadro deprimente de um grupo de polícia que se diz cidadã, pois as denúncias pesam também sobre grupos que atuavam no policiamento de aproximação que recebeu naquele estado o nome de “Patrulha do Bairro”, dentro de um programa estabelecido para reduzir os índices de homicídios. Ao invés de agirem no sentido de combater toda forma de crimes, os policiais obrigavam adolescentes a mostrarem os seios ou praticarem sexo oral, durante abordagens de rotina quando tinham algum indício de ilicitude que nem elas sabiam que existia.
Os valores invertidos contidos nas falas desse gestor que possui mais de 30 anos de carreira na Polícia Federal, dão exemplo e incentivo aos comportamentos errados dos policiais. O ex-secretário ainda afirmou que ele próprio era assediado por mulheres quando viajava para o sertão a trabalho, induzindo ao pensamento de que as mulheres sertanejas estariam mais suscetíveis ao “charme policial”.
Seguindo a lógica controversa desse pensamento, estaria justificado que policiais recebam propina, pois eles são alvos desse tipo de ação criminosa, também estaria a matança, afinal os policiais lidam diariamente com situações de possíveis embates, o uso de drogas ilegais e o consumo de álcool por policiais que não recebem o acompanhamento psicológico que deveria ser obrigação do Estado. Enfim, tudo agora se justificaria pela lógica inversa, onde a vítima será culpada pela violência que sofre. E os policiais estarão justificados em conformidade com o grau de demanda do público, que deveria ser alvo de seus serviços de proteção e mudança de atitudes.
Damázio é um exemplo do que ocorre em muitas mentes que deveriam trabalhar em prol da construção de uma sociedade mais igualitária. Seu discurso busca a inversão da polaridade da culpa, ao invés de culpar o policial pelo estupro e abuso, culpou as mulheres que “gostam de homens de farda”, transformando o fetiche em modelo e ainda comparou homossexualidade com desvios comportamentais. O machismo velado é extrapolado para o ambiente institucional e comportamentos homofóbicos, misóginos e preconceituosos são incentivados a impregnar as entidades policiais.
Mais uma vez a meritocracia invertida dentro do serviço público premia maus gestores e maus policiais, pois o ex-secretário saiu aquinhoado “pelos bons serviços prestados”. Caso fosse um policial qualquer, teria um processo administrativo acompanhando sua exoneração do cargo, além de outras repercussões sociais.
Em sua defesa, Damázio ainda disse que falara em tom de brincadeira, em conversas informais no intervalo de uma entrevista. Entretanto, é na informalidade e nas piadas de cunho homofóbico, machista e preconceituoso, que se revelaram o que pensa o gestor público e que sutilmente o motivaram dentro de seu trabalho, influenciando seus subordinados e contribuindo para a continuidade de comportamentos que deveriam ser combatidos.
O machismo institucional não deve ser incentivado e nossa sociedade não pode mais tolerar comportamentos preconceituosos e nem pensamentos desvirtuados de policiais e gestores, sob a pena de destruir totalmente a credibilidade que ainda resta nos órgãos de polícia e nas entidades fiscalizadoras e gestoras das atividades policiais.
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REFERÊNCIA:
FOLHA DE SÃO PAULO (São Paulo). Redação. Secretário de Campos culpa mulheres por estupros e é afastado. 2013. Disponível em: < https://db.tt/iu3IBah3 >. Publicado em: 19 dez. 2013.
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SOBRE O AUTOR:
Ivenio Hermes é Escritor Especialista em Políticas e Gestão em Segurança Pública e Ganhador de prêmio literário Tancredo Neves. Colaborador e Associado Pleno do Fórum Brasileiro de Segurança Pública. Consultor de Segurança Pública da OAB/RN Mossoró. Integrante do Conselho Editorial e Colunista da Carta Potiguar. Pesquisador nas áreas de Criminologia, Direitos Humanos, Direito e Ensino Policial.