Search
Close this search box.

“Democracia direta” como antipolítica e as jornadas de junho

Compartilhar conteúdo:

Há duas formas de conceber – entre outras possíveis – a reivindicação por “Democracia Direta”. Foi uma demanda bastante presente nos protestos sociais de 2013.

Pelo que pude acompanhar, conversar com militantes e ouvir nas assembleias durante os protestos etc ocorreu uma inversão do que significa, hoje, “democracia direta”.

As chamadas “jornadas de junho” trouxeram uma nova noção diversa que passou a concorrer com uma anterior.

DEMOCRACIA DIRETA COMO PARTICIPAÇÃO SOCIAL

Primeiro, há o discurso mobilizado na forma de “democracia direta” que pede maior participação social.

Não diminui o valor do voto.

Pelo contrário.

Reivindica que a arena pública seja fortalecida por outros canais em seu viés deliberativo, tais como os conselhos gestores, orçamento participativo, audiências públicas, conferências, etc.

Não há aqui o enfraquecimento das instituições, mas o seu alargamento. Este aprofundamento democrático resultou das batalhas dos movimentos sociais, sindicatos, sociedade civil organizada desde a década de 1980.

Mais. Há uma militância próxima de partidos.

Aceita a racionalidade e o senso de proporção próprios da esfera da política.

O poder tem um caráter habilitador.

Lideranças são aceitas, desde que referendadas pelo voto.

O combate democrático é contínuo.

DEMOCRACIA DIRETA COMO AFRONTA ÀS INSTITUIÇÕES

O segundo sentido atribuído à “democracia direta” tem outra perspectiva, que é a de clamar pelo fim da política, das instituições.

Não reconhece a importância do voto e da processual necessidade do confronto de opinião. Daí reclamar da “demora” e do “distanciamento” das Câmaras e Assembleias, como se elas não tivessem regras de disputa que permitem a atuação do governo e da oposição. Fica a impressão de que há consenso – algo irreal – sobre o que deve ser feito para melhorar a vida das pessoas, mas as casas legislativas simplesmente ignoram, pela sua lógica, o desejo dos cidadãos.

Há uma explícita defesa da busca por uma unidade social apartidária – alias, fica até parecendo que ela existe e só “os políticos” não percebem –, desconsiderando que os agentes podem representar interesses sociais diversos e se organizarem em torno das suas especificidades de concepções. Rechaçam, portanto, os partidos.

A “democracia direta” é pensada pela escolha de uma tese numa grande votação direta, que cria caminhos absolutos. A disputa não é renovada. Cria-se uma autocracia.

O jogo da política é visto, depreciativamente, como “politicagem”. Só a convicção importa e não a estratégia.

Lideranças não são toleradas. Na prática, elas não deixam de aparecer, sendo que à revelia do movimento.

O poder é enxergado negativamente.

Enfim, é um pedido por “democracia direta”, que luta pela vitória da antipolítica.

Penso que foi esse segundo sentido de “democracia direta” que esteve em voga durante os protestos. Daí os ataques às câmaras e a violência direcionada contra bandeiras e membros de organizações sindicais e partidárias.

Quem mobilizava a noção de “democracia direta” como incremento da participação social, ao constatar o sentido antpolítico implícito nos protestos de 2013, logo abandonou “às ruas”.

ORÇAMENTO PARTICIPATIVO EM NATAL

Com ampla divulgação, as audiências públicas sobre os destinos do orçamento da cidade estão ocorrendo. Nesses momentos é possível encontrar militantes de partidos, membros de movimentos sociais, lideranças comunitárias e os técnicos da prefeitura. Só. Ninguém ou alguma organização que mobilizou o discurso da “democracia direta” durante os protestos de 2013 se fez presente. O mesmo se deu nas audiências para a discussão sobre a lei de licitação que vai reger o transporte público de Natal.