O Supremo Tribunal Federal iniciou julgamento nesta semana de Ação Direta de Inconstitucionalidade movida pelo Conselho Federal da OAB contra os dispositivos da lei eleitoral que autorizam doações de empresas a candidatos nas campanhas eleitorais.
Os argumentos contrários à possibilidade de doações de pessoas jurídicas a candidatos são amplos e evidentes. Primeiro e mais óbvio: as empresas não tem direitos políticos. Não votam e não são votadas. Segundo: estatisticamente, as empresas que mais doam são justamente as que mais contratam com o governo. Terceiro: a possibilidade de doação de empresas encarece as campanhas, colocando em evidente desvantagem os candidatos com menor poder aquisitivo.
Mas os argumentos contra a doação de pessoas jurídicas são evidentes, como eu já explanei. O que quero destacar são os argumentos a favor, sintetizados em especial pelas figuras de direita, como o Ministro Gilmar Mendes e o colunista da Folha de São Paulo e Veja Reinaldo Azevedo.
O primeiro argumento favorável é o de que a doação de empresas é a única forma de colocar os candidatos de oposição no mesmo patamar dos candidatos de situação. É que os candidatos de situação têm a seu favor a máquina do Estado e a propaganda institucional desenfreada.
Ora, esse argumento não condiz com a realidade. Nas audiências públicas realizadas no STF sobre financiamento de campanha, e isso foi ressaltado no voto do Ministro Luiz Fux, o partido que mais recebeu doações de empresas nas eleições de 2010 foi justamente o PT, então ocupante da Presidência da República. Inclusive, também não justifica o argumento de que as empresas contribuem ao candidato que lhes ofereça melhor “ambiente de negócios”. Também foi demonstrado nas audiências públicas que os maiores doadores de campanha doaram tanto para o PT quanto para o PSDB. A mim isso parece mais um “fundo hedge”.
Se o problema é a contraposição à publicidade institucional, basta vedá-la. Já fizemos isso aqui no Rio Grande do Norte. A reforma da legislação eleitoral para aumentar o valor das multas e as punições ao uso da máquina pública em campanha, inclusive com inelegibilidade, já é uma realidade em virtude da Lei da Ficha Limpa.
Outro argumento a favor das doações é que sua vedação não resolverá o problema do “caixa 2”. Trata-se de argumento, a meu ver, falacioso em si mesmo. Ora, com a possibilidade de doações já temos caixa 2! A vedação de doações de pessoas jurídicas diminuirá a circulação lícita de recursos, tornando mais fácil a detecção de sinais exteriores do caixa 2 e do trânsito ilegal de recursos vultuosos.
Não foi uma nem duas vezes que falei em artigos e palestras que a solução do caixa 2 é uma só: controle financeiro de campanha. O formato atual das prestações de contas eleitorais é uma piada cruel. O Congresso não se interessa em formular uma legislação que confira aos juízes e promotores eleitorais verdadeiro poder de fiscalização do trânsito de recursos financeiros. As “reformas eleitorais” do Congresso versam, no mais, sobre a largura da árvore em que se pode pregar cartaz. A meu ver, o Congresso obriga o juiz eleitoral a trabalhar como mero pintor de muros, correndo de boteco em boteco arrancando cartazes de candidatos. Um apequenamento cruel do papel constitucional do juiz eleitoral.
O controle financeiro importa em integrar ao processo eleitoral a expertise de órgãos que já atuam na fiscalização de trâmites financeiros: Receita Federal, Tribunais de Contas e o Conselho de Controle de Atividades Financeiras.
Outra questão a ser analisada é a de que a possibilidade ou não de financiamento de campanha por empresas é matéria de índole essencialmente política, cabendo ao Congresso Nacional decidir sobre tal, não ao STF. Segundo a tese, atitude desse jaez importa em tutela indevida do processo democrático pelo Judiciário. Como é óbvio, não se trata realmente de um argumento a favor do financiamento de campanha por pessoa jurídica, mas sim contra a atuação do STF. Foi veiculado esse argumento pela Advocacia-Geral da União no momento do julgamento. Nosso colega de Carta, Daniel Menezes, também é firme nesse ponto de vista.
O debate jurídico sobre a questão é interminável e infrutífero em um espaço como este. A favor da eventual decisão do STF, uso de um argumento pragmático: mudanças no sistema de financiamento e controle de campanhas nunca partirão do Congresso, uma vez que os parlamentares que lá estão chegaram justamente devido ao sistema perverso. Pensando bem, melhor seria uma reforma político-eleitoral decorrente de iniciativa popular ou plebiscito. Basta, contudo, lembrar que o Congresso enterrou a proposta de plebiscito da reforma política ainda em 2013, sendo que a comissão de reforma política do Parlamento perverteu a coisa em mais uma minirreforma eleitoral sem sentido algum.
Como disse um ouvinte da CBN: esperar que o Congresso vote a favor de uma reforma política é esperar que os perus votem a favor do Natal.