Por Thadeu de Sousa Brandão
Somos um povo pacífico e ordeiro. Uma nação cordial e bonita por natureza. Somos um país de pessoas que amam o carnaval e futebol.
Todas as frases acima, ditas sem aspas, já foram ditas por alguém em algum contexto dado nas últimas seis décadas, pelo menos. Se estamos diante de uma inverdade histórica, já que as várias rebeliões, motins, crises, golpes e guerras civis localizadas, além do fato das guerras oficiais já travadas, nos apontam como um povo belicoso e com um gradiente de violência sempre presente. Não quer história? Acha que é passado? Basta mostrar nossas altas taxas de violência, homicida, de trânsito, contra as mulheres… Estamos, juntamente com nações em guerra civil, entre os primeiros colocados em mortes violentas e estupros. Somos realmente pacíficos.
O futebol, nosso esporte-mor, nossa glória e orgulho sem par, vem se tornando, ao menos na última década, uma dos espaços onde a ferocidade urbana brasileira, a barbárie sem par de parte de nossos jovens é expressada. Na forma de torcidas organizadas, gangues de jovens, som status social negativo, criados em ambientes de violência e desigualdade, reproduzem verdadeiras arenas romanas, com o trágico desfecho da morte de outros jovens, iguaizinhos aos algozes.
Violência sem ideologia política, sem radicalismo religioso, sem fundamentalismo algum que o apoie, senão o do “time” amado, gerido por entes privados e com absolutos fins lucrativos. O amor ao time é expresso coletivamente no grupo, onde a identidade juvenil se pauta na violência, onde os ritos de passagem (Bourdieu chamaria de “ritos de instituição”) baseiam-se em praticar violência, sair ferido, com a marca do “guerreiro da torcida”, fiel, urubu, ou qualquer coisa do tipo.
Trata-se, sim de uma estrondosa minoria, mas, sua capacidade aglutinadora, principalmente nas periferias e nos espaços marginalizados é salutar. Violência e ódio aglutinam sim. A história nos mostrou que os movimentos fascistas e nazistas eram compostos de jovens sem muita esperança no futuro. A diferença é que esse ódio, na época, era voltado para os fins políticos dos movimentos totalitários. O ódio agora é irracional. Não tem finalidade e, por isso, atinge qualquer um.
Como respondemos? Não respondemos. Nos manifestamos na hora, vociferando contra o Estado ou contra as autoridades do momento. Depois esquecemos. Vamos assistir nosso MMA, nossa luta noturna higienizada e globalizada. Viva a porrada! Afinal, é só um esporte!!! Ninguém morre ou se machuca.
Não é preciso ser psicólogo ou neurocientista para saber o que causa ao caráter individual tanta exposição de violência. Já vemos isso nos nossos estádios. Estou pondo a culpa no MMA? Não tolinho. Apenas aponto que nossa cultura de ode à violência não é gratuita e nem mesmo inocente.
Não apontarei culpados momentâneos ou mesmo os de sempre. Sabemos como fazer. Mas, nossos monstros da violência no futebol não são exceções. São parte da regra. No trânsito, nas ruas, nos lares, nas escolas, nas instituições, em todos os lugares, remedo-nos à barbárie da violência. Precisamos de uma profunda e radical mudança em nosso processo civilizador. Antes que seja muito tarde para mudar.
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REFERÊNCIA:
BRANDÃO, Thadeu de Sousa. Acerca da violência nos estádios de futebol e algumas digressões. Blog do GEDEV – Grupo de Estudos Desenvolvimento e Violência – UFERSA. Disponível em: < http://bit.ly/1fct3ay >. Publicado em: 08 dez. 2013.
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SOBRE O AUTOR:
Thadeu de Sousa Brandão é Sociólogo, Doutor em Ciências Sociais, Professor de Sociologia da UFERSA (Universidade Federal Rural do Semi-Árido) e Consultor de Segurança Pública da OAB/RN-Mossoró