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Onanismo legislativo

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Todos os dias vemos manchetes nos jornais sobre a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) ou o Projeto de Lei (PL) do deputado fulano. Normalmente, o deputado fulano é patrocinador ou protegido do jornal. Mais normalmente ainda a PEC ou o PL não tem qualquer conteúdo ou utilidade.

Não me entendam mal. Temos exemplos em terras potiguares de legislação relevante. Exemplo recente são os arroubos legislativos do deputado Kelps Lima (SDD/RN) na Assembleia Legislativa. De uma tacada, proibiu o governo estadual de gastar dinheiro da publicidade institucional em logomarcas pessoais. Proibiu também a aposição de fotos de agentes públicos em repartições. Essas medidas muito óbvias e simples acabaram, sem muito drama, com duas práticas imorais que se perpetuavam no Brasil do Império até hoje.

Mas a esmagadora maioria dos PL e PEC são meras firulas para ganhar manchete. Deputado fulano criou PEC para obrigar a destinação de um tanto de recursos para determinada área (saúde, segurança, educação, desporto). Novidade: a lei não cria dinheiro. Mais poeticamente: os lírios não nascem da lei. A PEC só vai limitar a atuação do Executivo e Legislativo na formulação do orçamento. A arrecadação amadora e o emprego sofrível de recursos vai continuar sangrando o Erário da viúva. Considerando que a Constituição já traz repasses obrigatórios para o Parlamento, o Ministério Público, o Poder Judiciário, o Tribunal de Contas, educação e saúde, e que a Lei de Responsabilidade Fiscal limita o endividamento e os gastos com pessoal, a progressão das “PEC de porcentagem” vai nos levar a acabar com essa “besteira” de “Orçamento Anual” ou “Orçamento Participativo.

Vamos só alocar nos pontos que já estão aí. E vocês economistas que falam de eficiência alocativa que tomem seus ansiolíticos. Para quê discutir democraticamente com a sociedade para onde vai seu dinheiro anualmente se deputado fulano já resolveu isso há anos atrás?

Aí vem a Câmara dos Deputados e aprova uma PEC que cria o “direito fundamental ao transporte público”. Ora… Essa emenda vai acabar com os cartéis das empresas de transporte em todo o Brasil? Vai fazer magicamente nascerem as licitações para a área? Vai trocar os esculhambados e arrebentados ônibus que vemos e usamos dia a dia? Não. Vai apenas deixar a Carta bonitinha. E, claro, ter assunto para colocar na mídia na próxima Revolta do Busão.

Deputada federal recentemente propôs PL limitando o peso das mochilas escolares. Concurseiros, se preparem: em breve será aberto concurso para Agente Fiscal Federal de Equipamento Escolar.

Nem falo da euforia dos senhores parlamentares quando, ante uma tragédia repercutida amplamente pela mídia, cospem projetos de lei aos quatro ventos criminalizando tudo que se imagina e aumentando estratosfericamente a pena para tudo. Um sujeito inventou de querer criminalizar o bullying! Considerando que o bullying é praticado normalmente por crianças e adolescentes em ambiente escolar, um parlamentar criou uma categoria jurídica bastante específica: legislação penal só para as crianças.

Já projetos relevantes, como o novo Código de Processo Penal e a Lei do Imposto sobre Grandes Fortunas, ficam batendo nas paredes do Congresso inutilmente, sem jamais sair e conhecer o mundo. O adicional de penosidade, direito do trabalhador previsto na Constituição desde 1988, até hoje não foi regulamentado. Por esse tipo de demora é que a maioria das leis relevantes já nasce obsoleta. Por esses impasses também o Supremo Tribunal Federal tem tomado decisões que, a rigor, caberiam ao Congresso, como no caso da união estável homoafetiva e do direito de greve dos servidores públicos.

O Brasil não precisa de mais lei. O Brasil tem lei demais. Tem tanta lei quanto tem advogado. O que falta no Brasil é quem cumpra a lei. Não adianta criminalizar um comportamento ou aumentar a pena de um crime se o processo penal não acaba nunca. Não adianta dar direito disso e daquilo sem que haja dinheiro para pagar a conta.

Não adianta legislar só para o seu colunista favorito. Muito menos legislar para si próprio, no que me parece, para evitar termos mais rudes, um verdadeiro onanismo legislativo.