Search
Close this search box.

Racismo brasileiro: sinuoso, velado e perverso

Compartilhar conteúdo:

debret2Um dos temas mais inquietantes da contemporaneidade é a presença da mentalidade escravocrata nos hábitos cotidianos e a manutenção de um poderoso estigma carregado pelos cidadãos de pele negra. Inquietação alimentada também pela eficácia do mito da democracia racial, pelas camuflagens e estratégias sinuosas do racismo tupiniquim.

Lamentável quando a mídia expõe casos corriqueiros (cidadão confundido com criminoso por ser negro, que tem sua qualificação profissional questionada ou claramente preterido em seleções para cargos que comumente são exercidos por brancos) objetivando apenas a exposição da notícia e não sugerindo a problematização e contextualização do tema. Algo que facilitaria a compreensão do histórico e das particularidades do racismo brasileiro.

Pelo fato das manifestações racistas contemporâneas serem muito sinuosas e camufladas tem-se a impressão de inexistência de racismo em nosso país. Pois o indivíduo de parco raciocínio imagina que se não estamos diante de um regime escravocrata (ou de apartheid) e usufruímos de leis democráticas é porque o racismo não existe.

A prática do cotidiano dos grupos humanos que se referem ao campo do simbólico e da subjetividade não é palpável, ela é sentida e reproduzida. Esta questão faz referência a presença de mentalidade escravocrata nos hábitos da sociedade contemporânea, não precisando de muito esforço para perceber que a prática racista no Brasil não é a mesma de fins do século XIX (que mesmo diante de leis republicanas o racismo explícito ainda era bastante tolerado).

Importante lembrar que a história da sociedade brasileira não começou em 1889 e por mais de 300 anos, cidadãos eram considerados superiores juridicamente pelo fato de terem a pele branca e negro(escravos) oficialmente reconhecidos como subespécie, objetos/mercadoria, sem alma e biologicamente inferiores. O contexto histórico permitia respaldo jurídico, científico e religioso.

A sociedade brasileira, regida pela ética do capital e mentalidade burguesa, não se libertou de hábitos nefastos como o menosprezo pelos que exercem trabalho braçal e por atribuir valor à aparência e o poder de capital dos indivíduos. Observem na prática cotidiana as versões “modernizadas” de preconceito social com imensa conotação racial.

O que causa um engano são os poderosos disfarces e camuflagens, a opressão e a reprodução da intolerância não são percebidas claramente. As ferramentas (indústria midiática) do poder são muito eficazes diante daqueles que tem pouca capacidade de elaboração e reflexão.

O ignaro, mesmo supostamente “esclarecido”, “escolarizado” (mas que facilmente adere a mentalidade burguesa e visão de mundo europeizada), pode acreditar que tal tais resquícios não existem na prática cotidiana, por causa das mudanças estruturais e jurídicas do advento da República. As leis mudaram, a Igreja Católica não diz mais que negro não tem alma e não há mais sustentação para argumentos pretensamente científicos de superioridade biológica de pessoas de pele branca (VERDADES foram desconstruídas). Mas o que prevalece até os dias atuais é algo muito mais poderoso e determinante que é a prática cotidiana, os estigmas construídos e todos os aspectos subjetivos que são difíceis de serem superados.

Tanto a sociedade americana como a sul-africana (veja as novas estratégias dos grupos que se beneficiaram com o apartheid: africâner) carregam em sua prática cotidiana resquícios relacionados aos tempos de apartheid, assim como a sociedade indiana pós regime de castas. As leis segregacionistas não existem mais, porém a prática cotidiana apresenta repetição dos hábitos racistas e da manutenção dos estigmas relacionados a determinados tipos físicos.

O estigma alimentado pela prática cotidiana relaciona pele negra à marginalidade e pobreza. O mesmo pode ser comprovado quando negros saem do “seu lugar” e são constrangidos por reações de espanto quando apresentados como juízes, empresários, médicos ou quando usufruem de posições “privilegiadas” da sociedade de leis democráticas e igualitárias.

Nos recentes debates sobre políticas afirmativas voltadas para negros, vamos observar que uns acreditam que as mesmas significam reparação histórica, pois a Abolição não significou libertação e sim abandono e marginalidade, enquanto outros vão acreditar na meritocracia, com o argumento de que apenas as questões econômicas comprometem o percurso sócio-educacional e não o racismo.

Dentre uma minoria que concentra maior parte da riqueza do país, o número de negros é muito pequeno e dentre a grande maioria que vivência a miséria, subemprego, baixa escolaridade, os brancos não são um número significativo. A miséria brasileira tem conotação racial, não é democratizada como pensam alguns.

É na prática cotidiana que é sentida e reproduzida intolerância e inúmeras mazelas, principalmente por aqueles que são mais vitimados pela opressão social e estética, pois os ditos oprimidos se identificam com as práticas e valores de seus opressores, observem como os “pobres” se rejeitam, se acusam, se agridem com os mesmos argumentos e ferramentas de seus algozes e ainda aplaudem e mantém o mesmo sistema de intolerância que os vitima.

Uma interessante alternativa para sociedade brasileira é assumir suas mazelas, como a existência do racismo. Pois em todos os grupos humanos observamos a dificuldade dos indivíduos em lidar com as diferenças (não apenas raciais), principalmente em dias atuais de acentuada intolerância com aqueles que estão fora dos padrões estéticos, econômicos sociais fomentados pela mentalidade burguesa, através de seus veículos midiáticos.

Muito importante é pensar a sociedade brasileira com a capacidade de contextualização, inserindo as questões históricas, sociais e econômicas. Não apenas com base na abstração das leis (como se estivéssemos na Escócia ou Suécia), pois a aplicação das mesmas é influenciada decisivamente pelas condições econômicas dos indivíduos.