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O autoritarismo de Barbosa, seus fãs e a teoria do agendamento

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Uma das formulações da teoria do agendamento (ou agenda-setting), uma das principais discussões teóricas do jornalismo nos últimos cinquenta anos, diz que a imprensa não apenas é capaz de nos impor sobre o que pensar como também como devemos pensar sobre tal fato.
Aliada à noção de enquadramento (framming), desenvolvida pelo sociólogo Erving Goffman, o agendamento é capaz de nos ajudar a entender muita coisa.
Por exemplo: é capaz de ajudar o pesquisador a entender porque boa parte da opinião pública brasileira considera os agora presos José Genoíno e José Dirceu como “ladrões” ainda que no processo conhecido como Mensalão (a Ação Penal 470) não tenha havido denúncia nem condenação por enriquecimento ilícito.  Ou seja, não houve no julgamento dos dois Josés do PT nenhuma acusação ou condenação por que eles tenham se locupletado, para si, de recursos públicos.
A opinião pública provavelmente acha isso porque a mídia contribuiu para que se construísse neles a imagem de ladrões.
Mesmo que isso me pareça ser um interessante objeto para a análise, a motivação para escrever esse texto se deu a partir do momento em que percebi tantos incautos cidadãos na Internet afirmando ser invenção petista os alertas sobre o autoritarismo do presidente do STF, Joaquim Barbosa.  Os que lustram o orgulho de Barbosa nas redes sociais, sonhando com ele como presidente (ou déspota) do país, ficaram cegos para os sinais suspeitos de sua hipocrisia e espírito anti-democrático.
Esses dias perguntei no Facebook como alguém pode admirar um homem tão desequilibrado como o presidente do STF.  Um amigo me respondeu que a deselegância dele é resultado de sua ira por ver os jogos corruptos que se dão nos bastidores, mesmo do Tribunal, e contra os quais ele se vê lutando sozinho.
Se isso fosse verdade faria de Barbosa alguém contra quem pesaria, antes de tudo, a suspeita de uma grave hipocrisia.  Quem fala isso esquece que Barbosa comprou, utilizando uma empresa de fachada que ele criou com esse fim, um apartamento milionário em Miami, declarando um valor menor para diminuir a mordida do fisco norte-americano.  Muita irregularidade, a começar do fato de ele ter e presidir uma empresa o que é ilegal para os magistrados no Brasil.
Aí o que me espanta é ver que muita gente acredita que isso é invenção de petistas ou lenda da Internet.  O caso, ao contrário, foi amplamente publicizado: mas aí a agenda e o enquadramento não deram continuidade e a opinião pública foi logo levada a esquecer o caso.
Mas você pode relembrar o caso nos links a seguir.  As notícias são de julho passado:

Barbosa criou empresa para comprar apartamento em Miami 

Joaquim Barbosa cria empresa para comprar imóvel nos Estados Unidos

Barbosa cria empresa para comprar imóvel em Miami

E os incautos também teimam em não ver o espírito autoritário de Barbosa, manifesto tantas vezes nas sessões televisadas no tribunal que preside.  Mas a imprensa, em particular o jornal O Estado de S. Paulo, já experimentou da fúria anti-democrática do presidente do STF.
Em março deste ano, o repórter Felipe Recondo havia solicitado, com base na Lei de Acesso à Informação, dados sobre os gastos de Barbosa (lembra do banheiro reformado por R$ 90 mil?).
Ao se proximar do ministro em 06 de março passado, o “repórter iniciou o diálogo perguntando: “presidente, como o senhor está vendo…”. Antes de terminar a pergunta, veio a resposta de Barbosa, com o tom de voz alto: ‘Não estou vendo nada. Me deixa em paz, rapaz. Me deixa em paz. Vá chafurdar no lixo, como você faz sempre'”, segundo relato publicado pelo Blog do Noblat.
Outros veículos, como a revista Exame, noticiaram o fato, que foi registrado no vídeo que você assiste aqui.  O repórter também foi chamado de palhaço pelo presidente do STF.

Como se não bastasse, no último mês de outubro o presidente do STF solicitou ao colega Ricardo Lewandovsky que devolvesse ao seu tribunal de origem (o TJ-DF) a servidora Adriana Leineker Costa.  Adriana é esposa do repórter Felipe Recondo.

O episódio que fecha com chave de ouro o destempero e autoritarismo, especialmente com a imprensa, se deu na Universidade de Yale, nos Estados Unidos.  A correspondente do Estado de S. Paulo, Claudia Trevisan, foi presa depois de tentar entrevistar Joaquim Barbosa, que faria uma palestra na instituição.  Os guardas do campus tinham seu nome e sua fotografia e a ordem expressa de detê-la, caso aparecesse.

A única explicação plausível para tantos fãs do autoritarismo joaquiniano me parece ser, além do conservadorismo da sociedade brasileira, o bom trabalho de agenda feito pela mídia brasileira.  Não apenas nos instruiu sobre os assuntos sobre os quais pensar como também o que deveríamos pensar sobre eles.  No caso, a construção de Barbosa, o autoritário, como herói da democracia.

Se analisássemos a imagem do “Batman” que impingiram no presidente do STF, talvez pudéssemos entender melhor o cenário.  Aliás, o Batman é o Cavaleiro das Trevas, o Vingador que pode sujar as mãos para manter Gotham limpa além da justiça do Estado.  Não à toa o Robin de “O cavaleiro das trevas ressurge”termina abandonando a polícia para herdar a máscara do morcego.
Tudo a ver com o espírito de uma sociedade que não quer justiça, mas vingança contra seus criminosos.  Que os tortura para que eles se reconheçam culpados e os lincha antes de qualquer investigação, processo ou julgamento.
Exatamente como fez o agendamento midiático durante oito anos contra os dois Josés que ontem foram presos.