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A Busca Pelo Poder Absoluto na Polícia Federal (Interlúdio)

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Sobre como o tratamento desigual provoca uma bipartição de vontades e aumenta o processo de enfraquecimento de um órgão de polícia.

APFs Cross Armed

(Publicado originalmente no Jornal De Fato, Coluna Retratos do Oeste)

Por Ivenio Hermes

Na medida em que aumentam seus poderes,

o homem se torna cada vez mais pobre.

Erich Fromm

Diferença Corporativa

Nos tempos em que urge a necessidade de mudanças nas carreiras de polícia no Brasil, um dos pontos que se deve levar em consideração é o corporativismo, não aquele que busca a união e promove o cuidado com a saúde, mas o que visa proteger ações e comportamentos desviantes.

APFs CrossesNesse mister, a prática da segunda forma de corporativismo, ou seja, ter consciência de que certos erros estão sendo cometidos e não buscar corrigi-los, pelo contrário, buscar proteger a quem comete tal conduta, configura o crime de prevaricação cometido pelo servidor público, pois ao invés de agir contra o erro ele incentiva a continuidade.

Na busca pela excelência na prestação de serviços no que concerne à segurança pública, as polícias federais tem tido nota exemplar e digna de serem tomadas como exemplo por outras instituições até fora do setor da segurança. Infelizmente, dentro das herméticas portas do serviço público, ainda existem situações que fogem do conceito de excelência, buscando mais poder e autonomia para uns em detrimento de outros.

Análise de Situações

Para o entendimento do processo de tratamento desigual dado aos servidores da Polícia Federal, cercando os delegados de polícia de uma certa proteção e expondo os agentes em situações análogas, após análise e estudo de caso, alguns foram trazidos ao conhecimento público.

Caso I: Apoio à PEC 37

Na efervescência da PEC 37 muitos agentes policiais, independente da unidade da federação ou da corporação a que pertenciam, somados às pessoas sem ligação com a segurança pública, manifestaram seu apoio ou não à aprovação do referido projeto de emenda constitucional, numa demonstração da liberdade de opinião perfeitamente condizente com o exercício da democracia vigente em nosso país.

Francisco Leodécio Neves
Francisco Leodécio Neves

Dentre os defensores da não aprovação da PEC estava o Agente de Polícia Federal Francisco Leodécio Neves, que como todo cidadão, utilizou dos recursos que dispunha para fazer valer sua opinião.

Pela utilização da insígnia, Décio Neves, como é conhecido, foi levado à interrogatório sendo em seguida indiciado nos autos do Processo Administrativo Disciplinar nº 010/2013-SR/DPF/PB, pois a 2ª Comissão de Disciplina da Superintendência Regional do DPF da Paraíba, concluiu que o servidor utilizara o emblema e o nome da Polícia Federal, inclusive na sua página pessoal do facebook, para fazer propaganda contra a PEC 37, implicando na transgressão disciplinar incursa no inciso XX, do Artigo 43, da Lei nº 4878/65.

“Deixar de cumprir ou de fazer cumprir, na esfera de suas atribuições, as leis e os regulamentos;”

Em situação análoga, embora mais grave, pois possivelmente estiveram utilizando o emblema do Departamento de Polícia Federal não para defenderam uma opinião, mas para fazerem propaganda pessoal em proveito próprio do seu cargo, em suas respectivas páginas no Facebook, os Delegados de Polícia Federal Derly Pereira Brasileiro, Carol Patriota Martins, Luciana Paiva e Cid Saboia Soares, cometeram a mesma infração administrativa e nenhum procedimento foi aberto contra eles.

Derly Pereira Brasileiro
Derly Pereira Brasileiro

Nessa situação ainda vale registrar que a decisão pelo indiciamento do APF Francisco Leodécio Neves não teve sustentação unânime por parte dos membros da 2ª Comissão de Disciplina da SR/DPF/PB. Os favoráveis ao indiciamento de Décio Neves foram os Delegados de Polícia Federal Derly Pereira Brasileiro – presidente da comissão, e que, como foi citado, em situação semelhante também utilizou o emblema do DPF para fazer propaganda do seu cargo na rede social – e Fábio Maia de Faria – 1º membro da comissão. O Perito Ricardo de Araújo Simões – 2º membro da comissão – foi desfavorável ao indiciamento, pois entendeu que postagens na internet de opiniões pessoais a respeito da PEC 37 e a insígnia do Departamento de Polícia Federal, feitas em caráter privado, não causam lesão ou perigo de lesão à Administração Pública.

Nessa situação clara, não houve respeito aos princípios constitucionais de igualdade e de isonomia de tratamento, aparentando mais uma forma de corporativismo negativo para proteger delegados em detrimento de agentes, sendo que de forma escabrosa tendo em vista que o próprio presidente da comissão Derly Pereira Brasileiro que decide punir Décio Neves já incorrera no mesmo erro, nada lhe foi imputado e ainda foi colocado como julgador do mérito do comportamento do outro.

A desigualdade ainda se consubstancia pela própria formação da Comissão, que segundo os princípios éticos deveria ser formada por pares de Décio Neves, sendo que não havia nenhum Agente de Polícia nela.

Caso II: Apoio ao Pleito da Polícia Civil de SP

Em franca manifestação de apoio ao reconhecimento do cargo de delegado como carreira jurídica, algo que deve ter seu estudo ressalvando as características das duas corporações, haja vista as diferenças de atuação e necessidade de proteção, o Superintendente da Polícia Federal em São Paulo, Roberto Troncon Filho, utilizando-se do Ofício 203/2013 GAB/SR/DPF/SP, um documento oficial daquela superintendência, com o Brasão da Justiça e Identificação da Corporação, inicia seu argumento com a frase “em nome da polícia federal”.

Roberto Ciciliati Troncon Filho
Roberto Ciciliati Troncon Filho

Nos termos do art. 144 da CF/88, a Polícia Federal é um órgão permanente estruturado em carreira única composta de cinco cargos, destes, mais de 15 mil são policiais federais, totalizando mais de 80% do efetivo, cuja representação não está nas mãos do Superintendente Roberto Troncon Filho. Eles são representados por suas entidades de classe. Ademais, a própria Polícia Federal não pode reconhecer que um superintendente fale em nome do órgão quando existe um Diretor Geral para isso e além disso, as entidades representativas repudiam o teor do ofício e nunca, em hipótese alguma, autorizaram que aquele servidor falasse em nome dos policiais federais.

Na mais aceitável das teses, o Superintendente poderia falar tão somente pelo cargo ao qual pertence, sem, é claro, a utilização de documento oficial. Sua conduta careceria de uma análise mais profunda, pois parece estar na capitulada na transgressão disciplinar incursa no inciso XXXIV, do Artigo 43, da Lei nº 4878/65.

“Atribuir-se a qualidade de representante de qualquer repartição do Departamento Federal de Segurança Pública e da Polícia do Distrito Federal, ou de seus dirigentes, sem estar expressamente autorizado;”

A pauta comentada no ofício do Superintendente enaltece a promulgação da Lei nº 12.830/2013, dando a essa lei um teor definitivo como instrumento para pacificar o ordenamento jurídico, argumento que está dissociado da verdade. A lei mencionada foi sancionada com veto parcial em 20/06/2013, mesmo diante de inúmeras notas técnicas que recomendavam seu veto total por inconstitucionalidade e já possui uma ADI (Ação Direta de Inconstitucionalidade) em seu desfavor proposta pelo Procurador Geral da República (ADI 5043/2013–DF).

Numa polícia de conduta exemplar e modelo nacional, a ação do Superintendente Roberto Troncon Filho mereceria um tratamento uniforme e consoante ao dado a outros da mesma corporação, afinal de contas, foi um documento público e de representação institucional que fora usado para manifestar uma opinião pessoal, generalizando-a como se fosse a de todos, para evidenciar um apoio à uma classe em detrimento de toda uma instituição.

Igualdade Dissociativa de Direitos

A ação do Agente de Polícia Federal Francisco Leodécio Neves desencadeou a legitimação do inquérito policial na corregedoria como forma de punir uma conduta que não é punida quando praticada por ocupantes de outras classe. A atitude isolada do Superintendente da Polícia Federal no Estado de São Paulo, Roberto Troncon Filho, mostra ações passíveis de uma análise do ponto de vista da correição, e que no mínimo, ampliou o desgaste existente entre agentes e delegados.

APFs StopsOs dois casos demonstram o tratamento desigual que está sendo praticado em algumas situações dentro da Polícia Federal. Existe uma bipartição de vontades conflitantes dentro do mesmo órgão que agrega cinco classes de policiais, polarizando-as em confrontos que saíram da esfera argumentativa passando para a esfera punitiva.

Nesse aporte de ações, a classe dos delegados se destaca num aparente corporativismo onde prevalece o culto à desigualdade como forma de perseguição, onde pela mesma conduta os mais fracos são indiciados e os detentores de maior poder são mantidos na carapaça da impunidade.

Em sua obra O Medo à Liberdade de 1983, Erich Fromm já temia o empobrecimento do homem em escala proporcional ao seu aumento de poder. E nessa mesma equação emocional, moral e psicológica, o aumento superlativo de poder para uma classe em detrimento de outra provoca o status pindérico que pode levar um órgão tão conceituado à um processo de enfraquecimento.

A Seguir

Na parte final desse estudo, o “inquérito policial” será revisto em seu contexto histórico e alguns argumentos serão referendados para evitar que a busca pelo poder absoluto dos delegados, um poder de absolutismo atitudinal, venha a tornar a Polícia Federal em mais uma consorte de práticas enfraquecedoras da Segurança Pública Nacional.

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REFERÊNCIA:

FROMM, Erich. O Medo à Liberdade. Tradução de Octávio Alves Velho. 14ª Ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 1983.

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SOBRE O AUTOR:

Ivenio Hermes é Escritor Especialista em Políticas e Gestão em Segurança Pública. Consultor de Segurança Pública da OAB/RN Mossoró, Conselheiro Editorial e Colunista da Carta Potiguar, Colaborador e Associado do Fórum Brasileiro de Segurança Pública.

Publicado em parceria com o Fotojornalista Cezar Alves, Editor do Jornal De Fato e da Coluna Retratos do Oeste.