Search
Close this search box.

Violência obstétrica: aconteceu comigo!

Compartilhar conteúdo:

violencia obstetrica capaFinal de semana passado eu e minha família fomos visitar um casal amigo, pois o bebê deles havia nascido. O que era pra ser uma simples visita, acabou em muito conversa sobre violência obstétrica. A nova mãe estava visivelmente abalada, depois de contar 15 horas de terror que viveu  durante trabalho de parto. À medida que ela nos contava o que lhe fizeram, eu ia me recordando do que se passou comigo. Pela primeira vez, me senti forte o suficiente para realizar denúncia na maternidade e partilhar publicamente o que aconteceu. Sempre que alguém, amigo ou familiar me perguntava se tinha ido tudo bem, eu respondia: “não, deu tudo errado” e logo eu era cortada com: “Mas tá tudo bem agora, seu filho é lindo e saudável!” e eu me calava, porque, de fato, nada é mais importante que o bem-estar de meu filho. Porém, eu ficava com uma sensação estranha, ruim. Claro! Trauma se cura, pondo-o pra fora e não recalcando, calando…  por isso conto:

Cheguei há pouco mais de um ano em São Paulo e quanto eu tinha apenas quatro meses aqui, descobri que estava grávida. Eu tinha a opção de voltar para Natal, minha cidade, e ser atendida por minha médica, por quem sou acompanhada há anos. Todavia, essa opção iria me custar uma demissão. Comecei a pesquisar sobre maternidades públicas com atendimento humanizado… e encontrei uma. Realizamos visita guiada e fomos atendidos por uma doula, o que me impressionou positivamente. Lá também fizemos curso de gestante. Enfim, tudo parecia ir de acordo com nossos objetivos, me deixando mais segura para continuar em São Paulo e não perder meu emprego.

Minha gravidez ocorreu de forma saudável com indicação clínica para parto normal, o que era desejo meu e de meu marido. Perto de completar 41 semanas de gestação, e com 15 dias já com 2 cm de dilatação e perda do tampão, mas sem apresentar franco trabalho de parto, por orientação do médico do posto de saúde, fui à maternidade no dia que fecharia as 41 semanas, para exame cardiofetal (ouvir os batimentos do coração do bebê). Cheguei à maternidade, no dia 29 de maio de 2012, por voltar das 12 horas, onde fui atendida na urgência uma hora depois. Realizaram o exame no bebê e o toque. Fui encaminhada para fazer o exame do meu filho, fiz e pediram que aguardasse. Pouco mais de 3 horas, fui chamada novamente. Para minha surpresa, havia duas outras médicas, nenhuma era a que havia me atendido. Uma disse que teria de fazer novamente o toque, eu questionei a repetição dele. Pronto, foi o suficiente para a médica começar com “faça se quiser”, e outras grosserias. Outra médica, que hoje penso ser residente ou obstetra, conversou calmamente comigo tentando me convencer a fazer o exame, assim deitei-me na maca. Enquanto a residente fazia o toque, a outra continuava a se queixar de meu comportamento…  Lembro das feições da residente com um olhar de “isso não é necessário”, mas em nenhum momento partiu para minha defesa e se retirou da sala. E eu pedi ajuda para levantar-me da mesa e ouvi a seguinte delicadeza: “vire-se e levante-se sozinha”. Bom, entrei em pânico, porque com dor e com a barriga gigante, era quase impossível sair dali sem cair. Em casa, meu marido me ajudava a me levantar… Enfim, com grande esforço, consegui. Mas esperem porque vem o ápice: no momento em que tentava me levantar, a brilhante profissional da saúde me perguntava com tom de ironia e raiva: “E então, já decidiu o que você vai fazer; vai querer ficar internada ou ir embora?” E eu aos prantos tentava defender minha vida e de meu filho: “olha só, eu não posso sair daqui sem você me dar uma margem de segurança de quantos dias mais posso esperar”. Ela: “De acordo com a primeira ultra, faltam dois dias para você completar 41 semanas. Vamos, decida!” falando com o papel da internação e caneta na mão. Eu já descontrolada, cheia de medo e dúvida, decidi: “não fico”. E saí chorando. Uma enfermeira correu atrás de mim, tentando me acalmar e saber o que havia acontecido. Lá fora, com minha família, ela visivelmente chateada com o comportamento da médica, tentou nos convencer de que era melhor eu ficar. Lembro de ter perguntado quando o plantão da inquestionável doutora terminaria e a enfermeira disse que em duas horas. Assim voltei e outra médica fez minha internação. Os médicos são inquestionáveis, não foi esse meu erro? Nem enfermeira, nem obstetra, tampouco pacientes podem questionar esses semideuses na terra.

Reconheço que não há outro caminho para exame obstétrico/ginecológico. Mas também sei que não é necessário, quando não se está em trabalho de parto… Para quem se interessa por atendimento humanizado, recomendo a leitura desses textos http://vilamamifera.com/mamiferas/por-que-nao-fazer-exame-de-toque/ ehttp://criaminha.wordpress.com/2013/06/03/toque-da-srie-rotinas-do-parto-normal-o-que-eles-fazem-por-voc-que-mais-atrapalha-do-que-ajuda/

Com esse clima, por volta das 17 horas, deu-se início a indução de meu trabalho de parto. Às 7 horas do dia seguinte, entrou a terceira equipe de enfermagem. Sim, eu conheci 3 equipes nessa maternidade. Foi quando duas delas entraram no quarto e me fizeram um toque, elas sempre conversando entre elas, sem que me explicassem o que estavam fazendo, uma rompeu minha bolsa. Eu chorava muito e só pedia para ela parar. É… daí em diante, entrei em um estado de tristeza profunda, recusei água, comida, banho e a me levantar. Meu marido tentava me ajudar com palavras… O duro é que mês passado ainda tive que ver foto da dita cuja em uma matéria sobre humanização no parto!

Pedi para falar com o médico. Ele veio e eu disse: “Olha, nós queríamos parto natural, etc, se fosse para ser assim, eu preferiria cesárea”, ele respondeu: “As coisas não são assim, você está na instituição do país em primeiro lugar na realização de parto normal”. Mas juro que na minha cabeça se passava: “tudo bem, vocês podem bater o recorde em número de parto normal, mas daí ser humanizado, a distância beira o infinito!”. Enfim, completei 18 horas de ocitocina e cheguei a apenas a 6 cm de dilatação, como meu colo não dilatou o suficiente, o médico me informou que não haveria mais como seguir, que eu estava sendo encaminhada para uma cirurgia e disse: “É uma pena, você não era para ter sido internada, tinha tudo para ser normal”. Essa frase ecoa até hoje em minha cabeça.

Acredito que se eu não tivesse ficado amedrontada e tivesse recebido orientação devida, tivesse sido acalmada… eu  teria tido meu primeiro filho por vias normais em vez de uma cirurgia. Eu não teria tido reações na cicatriz, complicando minha recuperação. E por esse mesmo motivo, voltei lá e fui informada que era um processo alérgico, uma reação do meu corpo ao laser que me cortaram. Porém, paguei uma consulta privada e a médica me disse que naquela maternidade não tem laser! Enfim, o meu sentimento depois de tudo é de que fui traída e enganada. Eu tinha informação, não escolhi aquela maternidade à toa…Custa-me relatar o que me ocorreu. Mas não dá para suportar mais os profissionais da saúde que não têm a mínima qualificação para trabalhar com humanos – e agora entendo o porquê da luta por HUMANIZAÇÃO. Ou alguém aí acha estanho uma mulher grávida pela primeira vez ficar nervosa, se angustiar e não querer realizar o toque, que dói – vale a pena divulgar isso e tomara que outros médicos leiam e se informem – não é frescura!

Um médico capacitado deveria saber acolher uma mulher gestante e não entrar na mesma onda de nervosismo que a paciente, chegando ao ponto de grosseria e da irresponsabilidade de jogar a decisão da internação para a paciente. Chega! Estou farta de ouvir as torturas que as mulheres vêm sofrendo nos hospitais públicos e privados deste país. Chega! Nossos filhos não são prêmios de gincana, que quanto mais difícil for a tarefa, maior os pontos. Chega! Nunca mais me calarei. Nunca mais.