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Tentáculos do Crime: A Insegurança dos Gabinetes

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Cezar Alves mostra o cartaz do irmão desaparecido

Sobre a consolidação do crime no Rio Grande do Norte, que saindo das periferias chegou aos gabinetes dos magistrados

(Publicado originalmente no Jornal De Fato, Coluna Retratos do Oeste)

Por Ivenio Hermes, Marcos Dionisio e Cezar Alves

Habitat Propício

Na sua essência, o combate ao crime deixou de ser praticado no Rio Grande do Norte dentro da relevância social à qual esse trabalho pertine. O convívio com as ações criminosas foi se tornando corriqueiro e os criminosos foram se transformando em figuras quase lendárias, despertando o temor e a admiração causada por uma Síndrome de Estocolmo na população refém da falta de segurança.

Bolha de Sangue
A violência virou rotina

À guisa de exemplo, o assaltante de banco Valdetário Carneiro, morto em confronto com a Polícia Civil na zona rural do município de Lucrécia em dezembro de 2003, foi ovacionado durante seu velório e sepultamento na cidade de Caraúbas, distante 70 km de Mossoró.

A matança foi iniciada pela periferia, onde somente grupos ligados aos direitos humanos se importavam, enquanto o poder público fingiu não perceber, afinal de contas, eram pobres, prostitutas, minorias marginalizadas que estavam sendo vitimizadas, e em alguns casos pela própria polícia ou por maus policiais em práticas de extermínio.

Com o crime sendo banalizado a sensação de insegurança pareceu diminuir, afinal, as pessoas se habituaram. A sociedade absorveu a ideia de conviver num cenário de violência passando a andar com uma venda nos olhos, afinal, o problema não era na elite e sim da população periférica, Entretanto, quando a onda de crimes foi se transformando num tsunami e se projetando na direção das áreas nobres, o assunto voltou a demandar um posicionamento do poder executivo.

Em 2013 o RN já registrou 1.232 homicídios até terça-feira, 15 de outubro, ou seja, o dobro do número registrado em 2010.
Em 2013 o RN já registrou 1.232 homicídios até terça-feira, 15 de outubro, ou seja, o dobro do número registrado em 2010.

A partir do ano de 2011, enquanto os Estados vizinhos buscavam soluções para violência, no Rio Grande do Norte a propaganda governamental tentava disfarçar a realidade. A divisão de um batalhão de Polícia Militar em dois para aparentar uma presença maior do policiamento ostensivo, a falsa interiorização da Polícia Civil foi usada para dissimular que delegacias estavam deixando de existir para outra nascer, e nenhuma contração substancial foi feita.

A sensação de impunidade aumentou à medida que a polícia não possuía condições de enfrentamento, e o crime que começou a ser combatido nos estados vizinhos encontrou no Rio Grande do Norte o habitat perfeito dado a vulnerabilidade evidente, o amadorismo no tocante a gestão e no engessamento político do restante do governo obscuro e dependente da Síndrome da Avestruz. Sempre que o estado foi chamado a encarar a fera da violência e da explosão das mortes matadas, como a avestruz enterrou pescoço para não ver a realidade e a fera da violência que não tinha nada com isso fez do RIO GRANDE DE MORTE seu habitat preferido.

O retrato desta realidade foi constatado nesta terça-feira, 15 de outubro de 2013, quando a Polícia Federal, com ordem de prisão de expedido pela justiça federal de Mato Grosso, prendeu em Apodi um ex vereador de nome Ailton Deusimar de Souza acusado de tráfico internacional de drogas. A intenção da rede internacional de tráfico, conforme ficou configurado na Operação Touro Branco, era construir uma pista de pouso para aviões de médio porte em Apodi para embarque e desembarque de drogas. No caso, o RN iria servir de ponte interligando os estados do sul com os países europeus e africanos.

Crimes Obsequiados

O crime quando não combatido de forma correta, enseja crimes maiores sustentados pela liberdade de ação que os criminosos possuem garantidos pela certeza da impunidade.

Mapa da ViolênciaA impunidade generalizada desencadeia comportamentos e atitudes que não poupam ninguém, os poderosos querem mais poder, quem tem muito quer ter ainda mais… Agora todos se dão conta de que tudo morre, não somente a morte pela extinção da vida, mas a morte pela perda do status e do poder ou mesmo pela corrosão da qualidade de vida promovida pelo medo.

Os Chefes do Crime, aqueles que financiam o tráfico de drogas e armas, foram ficando endinheirados, poderosos, influentes no seio social. Os grupos de extermínio passaram a agir em seu favor, sem nenhuma barreira para obstaculizar seu avanço, até que chegou aos gabinetes com parentes ou apaniguados próximos ao poder.

O crime obsequiado pelo poder executivo através de sua falta de planejamento e políticas públicas de segurança perceptíveis encontrou solo fértil no chão norte-rio-grandense, aquilo que antes era praticado principalmente nas camadas menos privilegiadas da população, passou para as camadas mais abastadas, não respeitando mais nem policiais e, mais recentemente, nem promotores e juízes. Uma radiografia do poder pode demonstrar cabalmente que o crime organizado potiguar é mais perverso que o PCC, vampiriza a saúde, chupa merenda escolar, protege nossos narizes e pulmões por revisões de cargos…

Tentáculos Perceptíveis

O crime organizado que antes tinha sua existência tão negada até pelo Secretário Estadual de Segurança Pública e Defesa Social, Aldair da Rocha, e pelo Comandante Geral da PMRN, Francisco Araújo, agora dá sinais de que está enraizando em terras potiguares.

Aldair da Rocha
Aldair da Rocha

A demora em admitir mesmo uma presença inorgânica atrasou o seu combate e a adoção de providências, e os tentáculos perceptíveis do crime deram sinais de sua existência na forma de ameaças.

Na Operação Elefante Branco deflagrada em três etapas em 29, 30 e 31 de maio de 2013, foram expostos mega esquemas de tráfico cujos perpetradores baseavam-se em Pau dos Ferros-RN, Doutor Severiano-RN e Aquiraz-CE. No Ceará foram 8 chefões do crime presos e indiciados e no Rio Grande do Norte outros 8, somando ainda mais 22 tenentes do crime presos e 4 que conseguiram fugir.

As repercussões desse caso atingiram o Juiz Rivaldo Pereira Neto, de Pau dos Ferros, através de ameaças à sua vida e integridade física. O magistrado ameaçado por articuladores do PCC no RN perdeu o sossego e agora precisa de escolta armada permanente, e percebendo que poder de fogo do inimigo é maior do que o poder de resposta da polícia, ele solicitou um carro blindado ao Tribunal de Justiça do RN no dia 8 de agosto passado…

A Operação Malassombro (Mal Assombro) também trouxe a insegurança das ruas para o gabinete da magistratura. Foi dela que se apresentou a figura do presidente da Câmara Municipal de Assú, o vereador Odelmo de Moura Rodrigues, como suspeito de envolvimento em vários homicídios, um verdadeiro grupo de extermínio que atuou na região do Vale do Açu nos últimos 20 anos, tendo sua prisão decretada em 30 de agosto de 2012 por ainda ameaçar outro parlamentar até então com seu nome omitido.

Rivaldo Pereira Neto Foto: Frankin Leite
Rivaldo Pereira Neto
Foto: Frankin Leite

O diretor da Divisão de Polícia do Oeste (Divipoe), com sede em Mossoró, delegado Odilon Teodósio, antecipou que Odelmo é o mentor intelectual do grupo que aterrorizava a região e antes era chefiado pelo próprio pai, conhecido como Zé Rodrigues, já falecido.

Um bando com essas origens familiares não poderia extinguir suas forças tão facilmente, ainda mais num Estado onde a impunidade encontra uma polícia civil mal estruturada, mesmo diante dos esforços dos policiais da região.

Uma evidência da força que continua ativa é que juíza de Assú está sendo ameaçada devido sua atuação na persecução penal resultante da Operação Malassombro. Neste caso, além da própria magistrada, os promotores também foram ameaçados e há indícios de que o Deputado Estadual Nelter Queiroz também estaria na mira do grupo.

Com a Operação Hecatombe houve um verdadeiro golpe na carne da Polícia Militar quando policiais militares foram presos por envolvimento em grupo de extermínio na Grande Natal, cuja ação atinge pelo menos 22 pessoas.

A ação desse grupo que na época foi descoberto pelo Ministério Público Estadual e pela Polícia Federal, sobrariam ameaças a outras autoridades sediadas em Natal.

Os tentáculos desse bando continuam agindo, de tal forma que parte de seus membros presos foram transferidos no dia 12 de outubro para o Presídio Federal de Mossoró, numa ação autorizada pelo sábio juiz corregedor Walter Nunes, atendendo pedido do colegiado de juízas (o colegiado é um mecanismo de defesa) composto por Denise Léa Sacramento, Giselle Cortez e Suzana Correa, da comarca de São Gonçalo do Amarante, por razões óbvias.

Comparações Inevitáveis

O crime só tende a crescer se não for combatido, e se for combatido num lugar e em outro não, ele migrará para onde puder subsistir protegido pela impunidade.

Promotor Tiago Magalhães e a nova Shiyreve Ferrão teve seu caso solucionado em menos de 24 horas
Promotor Tiago Magalhães e a nova Shiyreve Ferrão teve seu caso solucionado em menos de 24 horas

Daí porque o desamparo a que está submetido a população de Macaíba obteve um pequeno lenitivo com o esforço de uma improvisada Força Tarefa presente desde o final de semana naquela localidade, cuja presença ostensiva e preparada apenas pelo Executivo sem uma interlocução intersetorial e interinstitucional seja com a sociedade civil e com o Judiciário e o Ministério Público, está fadada ao fracasso no médio prazo posto que o esforço é mais um exercício de otimização de um cobertor curto numa noite de frio.

No Estado do Pernambuco, o Governo destinou mais de 50 policiais para investigar e prender quem matou e/ou mandou matar o promotor Thiago Magalhães, executado na manhã desta segunda-feira, 14, quando se dirigia ao trabalho. Entre comissões do Ministério Público Estadual, Federal, deputados entre outras entidades, mais de 100 pessoas estão diretamente envolvidas na caçada aos assassinos.

No Rio Grande do Norte, o técnico e estudante do Instituto Federal de Educação Tecnológica Marcos Maciel Alves da Silva, à época com 22 anos, foi raptado, torturado e morto (versão contada por telefone com número restrito aos familiares) no dia 7 de julho de 2010. Até hoje sequer o corpo apareceu para que a família pudesse ter seu momento de despedida e esse luto traumático e prolongado, também se estende às famílias das crianças sequestradas há 15 anos no bairro do Planalto. Vítimas “sem parentes importantes e sem dinheiro no banco”, reféns de uma dor continuada pela falta dos entes queridos e pela seletiva impunidade a que foram relegadas pelo governo do RIO GRANDE DOS FORTES.

Cézar Alves aguarda há mais de 3 anos por notícia que possa localizar corpo do irmão Foto: Canindé Soares
Cézar Alves aguarda há mais de 3 anos por notícia que possa localizar corpo do irmão
Foto: Canindé Soares

No primeiro caso, as investigações, apesar da repercussão, nos primeiros dez dias, quando é crucial para a elucidação do crime, foi conduzida apenas por dois Policiais Civis que não possuíam viatura, apoio da inteligência, suporte pericial, ou seja, como se diz no popular: com uma mão atrás e outra na frente.

No segundo caso, só acontece alguma investigação por pressão das CPIs do Senado e da Câmara e os policiais devotados à elucidação também padecem da Síndrome do Cobertor Curto, raramente podendo se dedicar ao caso com afinco e a acuidade necessária, sempre deslocados para elucidar casos que tenham amigos do poder interessados.

O que sobra de empenho no Pernambuco para elucidar crimes e combater a violência, não só no caso do promotor como em ações de formação de novos policiais que eram suplentes do último concurso da Polícia Civil e da Militar, como também na imediata contratação desses homens, tem em dobro no sentido contrário no Rio Grande do Norte. É o descaso.

No Estado Elefante a segurança pública é olvidada para um plano secundário, onde ações nesse sentido só passaram a surgir há pouco tempo graças ao Programa Brasil Mais Seguro, e ainda assim em passos lentos e procrastinados.

É como se no Estado do Pernambuco, como também no Ceará, Paraíba e até nas Alagoas, começasse a existir um olhar prioritário voltado pelo Poder Público para tentar superar ou deter o crime, seja ele organizado ou não, e no Rio Grande do Norte, se descortine um cenário bem diferente no governo de Rosalba Ciarlini, gerando, ao longo dos meses/anos, uma bolha crescente de sangue e dor, só em 2013 já foram registrados, pelo menos, 1.332 homicídios no RN, até esta terça-feira, 15 de Outubro.

A notícia da presença do PCC no Estado vem apenas reforçar uma situação de vulnerabilidade a que toda a população está entregue. Outros grupos mais perversos, espertos e organizados existem e se locupletam na terra de Poti numa desenvoltura capaz de fazer inveja na ousadia e nos resultados alcançados ao personagem Corleone do Poderoso Chefão III, filme menos famoso da série, mas onde ficou registrado o esforço do crime em querer se legitimar pela política.

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MATÉRIAS DE REFERÊNCIA:

JORNAL DE FATO (Brasil RN Natal). Redação Mossoró (Comp.). ‘Elefante Branco’ desarticula quadrilha interestadual de traficantes. Disponível em: < https://db.tt/uq56Hity > ou < http://bit.ly/GXdEyK >. Publicado em: 31 maio 2013.

ALVES, Cezar (Comp.). Juiz Rivaldo Pereira Neto, de Pau dos Ferros, está sendo ameaçado de morte pelo PCC. Jornal De Fato. Disponível em: < https://db.tt/JeX7F9hi > ou < http://bit.ly/1hULoIu >. Publicado em: 18 set. 2013.

FIGUEREDO, Marksuel (Comp.). Deputado estadual estaria na mira do presidente da Câmara de Assu. Jornal De Fato. Disponível em: < https://db.tt/GJqZD1dT > ou < http://bit.ly/1aKuEAN >. Publicado em: 31 ago. 2013.

JORNAL DE FATO. Redação Mossoró (Comp.). Presídio Federal recebe cinco PMs acusados de extermino na região da Grande Natal. Disponível em: < https://db.tt/ccxScPGQ > ou < http://bit.ly/1giGOYN >. Publicado em: 12 out. 2013.

JORNAL DE FATO. Redação Mossoró (Comp.). Promotor é morto em emboscada no agreste do Pernambuco. Disponível em: < https://db.tt/DDNS0ZwO > ou < http://bit.ly/18jE5sd >. Publicado em: 14 out. 2013.

VALE, Fábio. Ex-vereador de Apodi é preso pela PF por tráfico internacional. Jornal De Fato. Disponível em: < https://db.tt/leVAupgb > ou < http://bit.ly/19U3v26 >. Publicado em: 16 out. 2013.

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SOBRE OS AUTORES:

Ivenio Hermes é Escritor Especialista em Políticas e Gestão em Segurança Pública. Consultor de Segurança Pública da OAB/RN Mossoró, Conselheiro Editorial e Colunista da Carta Potiguar, Colaborador e Associado do Fórum Brasileiro de Segurança Pública.

Marcos Dionísio Medeiros Caldas é Presidente do Conselho Estadual de Direitos Humanos (RN) e da Coordenação do Comitê Popular Copa 2014 – Natal.

Cezar Alves é jornalista, Editor do portal do Jornal De Fato e da Coluna Retratos do Oeste, militante na busca por soluções nas áreas de segurança e saúde pública.