Sobre como o conjunto de ações para a conquista gradual de um poder ilimitado pode enfraquecer um órgão de polícia.
(Publicado originalmente no Jornal De Fato, Coluna Retratos do Oeste)
Por Ivenio Hermes
“A ânsia de poder não é originada da força, mas da fraqueza.” Erich Fromm
Poder Superior
As carreiras de polícia no Brasil precisam passar por uma lapidação urgente, o modelo nacional privilegia a segmentação, estabelece uma hierarquia sem propósito e achata a perspectiva de crescimento profissional de algumas carreiras em detrimento de outras.
Um exemplo que a cada dia vocifera para muitos ouvidos surdos é a estrutura de polícia judiciária/investigativa predominante na Polícia Federal, cujas ações idolatradas e glamourizadas pela mídia e pelo imaginário popular oculta uma busca de poder que coloca o Delegado de Polícia Federal em posição elevada sendo que, não retirando os méritos do cargo, na sua maioria são figuras descartadas do processo investigativo.
O modelo de investigação policial brasileiro se materializado através do procedimento do inquérito policial, algo ultrapassado, pois a fase inquisitorial é apenas uma das que constituem a investigação como um todo. Esse modelo está esquecido das ações modernizadoras e reformativas da segurança pública nacional. A maioria dos ocupantes do cargo de delegado tornaram-se figuras de escritório e não participam de ações basilares na produção de dados concretos pertinentes a solução da cadeia criminal como: coleta de informações em campo, recrutamento e fidelização de informantes, análises, barreiras policiais, vigilâncias veladas e outras.
Talvez por isso, a conquista do mero reconhecimento da atividade do delegado como sendo de natureza jurídica, não promova e nem contribua com reformulações na estrutura policial.
Como afirmou Erich Fromm, em sua obra O Medo à Liberdade, é a fraqueza que provoca a ânsia pelo poder. Destarte, talvez antevendo o enfraquecimento da atividade do delegado, a busca pelo reconhecimento da carreira jurídica tenha sido um pleito egoísta da parte de muitos dos ocupantes daquela categoria, cujo o objetivo disfarçado seria a equiparação dos vencimentos com o dos membros do Ministério Público e da Magistratura, além da conquista de mais poder.
Tentativas Legislativas
Nesse intuito, se percebe uma enxurrada de Propostas de Emendas à Constituição (PEC´s) e Projetos de Lei claramente inseridos na pauta legislativa por associações de delegados e seus colaboradores. Esses imbróglios que tramitam no Congresso Nacional, se aprovadas, potencializarão a falência da segurança pública em grande parte dos estados brasileiros, que já sucumbem lentamente sem políticas públicas de segurança voltadas para a realidade regional e provavelmente aumentarão o desequilíbrio ao já combalido sistema processual penal brasileiro.
Observe a tabela abaixo:
O número de intentos legislativos acha eco quase sempre nos mesmos legisladores, Contudo, nem sempre esses legisladores possuem argumentos sustentáveis para fundamentar suas teses jurídicas, abundando teses contrárias e combativas.
Nesse campo se desenha o rotograma oculto na tese inserida no bojo da PEC 37, presumivelmente oriunda das mesmas associações de delegados que defendem o conjunto da tabela acima. Na referida e tão famosa PEC 37, partindo de uma premissa verdadeira, havia o induzimento a uma conclusão falsa: a de que somente o delegado de polícia poderia instaurar e promover investigação criminal, e desta forma aprovada, todos os órgãos que realizam outros tipos de investigação seriam excluídos, como o MP, o COAF, o IBAMA, o TCU, a CGU, as Receitas Federal e Estadual, e outros tantos.
O inquérito policial é uma das grandes mazelas da investigação penal, sendo conhecido como o “elefante branco”, embora seja o único instrumento idôneo para os mais variados tipos de investigação. Mas o povo brasileiro foi alertado por outros interessados na Emenda Constitucional e adotou uma forte postura para desmotivar alguns congressistas. Aqueles que antes eram vorazes entusiastas, foram constrangidos pelos holofotes que a situação trouxe, e votaram contra a PEC 37, sepultando-a de vez.
Enfraquecimento Institucional
A Polícia Federal, mesmo com problemas estruturais sérios e que precisam de urgente atenção, ainda é um dos poucos oásis de integridade em se tratando de serviço policial e fiscalização.
Embora seja o senso comum de que a Polícia Federal seja estritamente uma polícia judiciária, essa ideia é equivocada. As Polícia Civil (com atribuições exclusivamente judiciárias) e a Polícia Militar (somente ostensiva), no âmbito dos Estados, não realizam separadamente o ciclo completo de polícia, enquanto a Polícia Federal, no âmbito da União, executa todo esse trabalho.
Assim, os agentes federais realizam ações tanto de polícia ostensiva como judiciária, trabalhando nas funções preventiva, investigativa e repressiva como se observa no serviço de imigração, nas atividades de polícia marítima e de fronteiras, além de outras onde a figura do Delegado é de um gestor, cujo diploma de bacharel em Direito não gera grandes contribuições.
Somando as atividades de natureza regulatória como o Controle de Segurança Privada, do Sistema Nacional de Armas e o Controle de Produtos Químicos, ainda existe a prevenção aos crimes contra os povos indígenas, a segurança institucional e a segurança pessoal dos chefes de Estados estrangeiros quando em visita ao Brasil.
O bacharel em direito é preparado para a argumentação jurídica e não para a atividade fim da polícia, e a investigação, que é feita tanto por agentes, escrivães, papiloscopistas, peritos e delegados em suas competências específicas, é essencialmente baseada em fatos, cuja tipificação penal atribuída ou adotada inicialmente como hipótese, pode ser revista e até modificada pelo Ministério Público e/ou pelo Juiz.
Ao investir em um conjunto de ações para a conquista gradual de um poder ilimitado, qualquer categoria dentro da Polícia Federal está promovendo o enfraquecimento institucional com base numa elevação hierárquica e financeira, atributiva e de regalias exageradas.
A busca pela integração entre os cargos com vistas ao equilíbrio deve ser pautada para o engrandecimento e fortalecimento e qualquer tentativa de privilegiar mais um grupo em detrimento de outro ou de outros, como no caso dos agentes, escrivães e papiloscopistas que representam 80% do efetivo da PF, deve ser repudiada de imediato a priori nas Casas Legislativas.
A Seguir
No próximo texto abordaremos o histórico do “inquérito policial” e como ele contribui para o sistema investigativo, além de verificarmos como a atitude isolada do Superintendente da Polícia Federal no Estado de São Paulo, Delegado Roberto Troncon Filho, ampliou o desgaste existente entre agentes e delegados.
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REFERÊNCIA:
FROMM, Erich. O Medo à Liberdade. Tradução de Octávio Alves Velho. 14ª Ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 1983.
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SOBRE O AUTOR:
Ivenio Hermes é Escritor Especialista em Políticas e Gestão em Segurança Pública. Consultor de Segurança Pública da OAB/RN Mossoró, Conselheiro Editorial e Colunista da Carta Potiguar, Colaborador e Associado do Fórum Brasileiro de Segurança Pública.
Publicado em parceria com o Fotojornalista Cezar Alves, Editor do Jornal De Fato e da Coluna Retratos do Oeste.