Infelizmente, mais um triste fato nos convida para uma séria reflexão. O recente caso da jornalista potiguar, que numa declaração infeliz, pôs em dúvida a capacidade profissional de médicas cubanas por conta da “cara” (biótipo, tipo físico). Com conotação pejorativa, deixando entender que as mesmas não têm “cara” de médica,mas sim de empregada doméstica, associando competência com aparência.
Ao contrário da grande mídia (que apenas expõe o fato e não estimula o pensar sobre o tema), achamos oportuno produzir algumas reflexões valiosas. O que inclui os valores e os sujeitos inseridos na produção do discurso, no caso, o contexto da declaração infeliz da tal jornalista.
Em nosso país repleto de resquícios escravocratas, infelizmente é muito comum declarações que depreciem o trabalho braçal ou de associação de biótipos (pardos, negros, mulatos, etc) a determinadas ocupações profissionais que historicamente são tratadas de forma indigna e inferiorizadas. Muito comum também são jornalistas que aderem com facilidade o status quo e a mentalidade burguesa, e fazem do seu trabalho apenas um instrumento de ascensão social e visibilidade narcísica.
O jornalismo praticado RN (refém do coronelismo moderno) pelos veículos de massas, sempre foi impregnado de jornalistas subservientes que não poupam esforços para bajular e reproduzir as opiniões de seus patrões (que por coincidência ocupam cargos públicos).Porém, num outro extremo temos corajosos jornalistas quepagam alto preço por serem comprometidos com a reflexão, o debate e a democratização do saber.
Nossa prática cotidiana está repleta de estereótipos clássicos, que fazem parte integrante de uma sociedade cruel. Aprendemos em nosso processo de domesticação quais são as profissões dignas, respeitáveis e admiráveis (médico, arquiteto, engenheiro, advogado, etc), como também as indignas (relacionadas a trabalho braçal e baixa escolaridade).
Outra face cruel é que os “indignos” carregam consigo estigmas, que são determinantes para construção de discursos (e espaços) e tratamento que recebem do restante da sociedade. O pior da mentalidade escravocrata: tipos físicos são associados às determinadas profissões e posições sociais.
Em nossa sociedade (“todos iguais perante a lei”) “democrática” a cor da pele e o tipo físico serão marcas determinantes para as distinções sociais. Os estereótipos e estigmas são reforçados o tempo todo, como mensagens subliminares e simbólicas que associam competência com aparência e embalagem com conteúdo.
Ligue a TV ou vá a uma banca de jornal e revistas e constate nos veículos de massas os tipos físicos dos profissionais “sofisticados” e “admiráveis”. Profissão, cor da pele, competência e aparência…tudo condensado na construção de discursos, espaços, estereótipos e estigmas que são reproduzidos a todos instante na prática cotidiana pela parte da sociedade com pouca condição de reflexão e julgamento.
Demonstração concreta desta realidade é o espanto de muito ao ver sujeitos não brancos em cargos de “destaque” ou de “prestígio social” e logo declararem: “Mas ele não tem cara…”. Por conta do estigma que carregam, tem suas qualificações questionadas e frequentemente são confundidos com trabalhadores de “baixa qualificação” e em inúmeros casos associados à marginalidade.
Então, casos como da citada jornalista potiguar(de triste repercussão nacional) e de Boris Casoy (traído por falha técnica) surpreende apenas ingênuos, alienados e desinformados que são iludidos com fantasias criadas pelos veículos de massa. Espanto (em meio a um dilúvio de subservientes e bajuladores) são os atos de resistência, “marginalidade criativa” daqueles profissionais da comunicação que ousam não dispor suas inteligências para condutas serviçais tão desejadas pelas grandes corporações.
A jornalista da declaração infeliz em uma rede social, profissional visivelmente precária, estava apenas reproduzindo a crueldade de nosso cotidiano, que são as “caras” de determinadas profissões. Cada um no seu lugar: médico (branco, europeizado, chique e “sofisticado”) e empregada doméstica (“feia”, negra, pobre), com a aparência definindo a competência, como bem nos estimula a perversidade presente nos grupos humanos.
Ao invés de simplesmente formular uma resposta agressiva e violenta, optamos por formular algumas importantes sugestões para tal jornalista:
1- Responsabilidade com que se escreve, pois toda mensagem produz resultados;
2- Ao invés de fácil e confortável adesão ao status quo e a mentalidade burguesa, estude mais a sobre a constituição de nossa sociedade (Psicologia Social, História, Antropologia, etc);
3- Neste momento é muito mais digno assumir as consequências de suas opiniões e evitar o constrangedor e contraproducente “Peço desculpas, foi apenas um mal entendido”…pois o estrago já foi feito.