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Sobre a(s) Radicalidade(s) Libertária(s) [parte 6]

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Prof. Vantiê Clínio Carvalho de Oliveira – Doutor em Ciências Sociais.

[continuando a análise do discurso da Presidente, iniciada na parte 4…]

2.2 – Reforma Política:

1069179_692227584126348_441808822_n2.2.1 – Introdução e Conceitualização da Ideia de que “O Povo quer Mais”:

Esta opção pela democracia representativa, com sua dicotomia (abolida nas democracias diretas/autogeridas) entre poderes do Estado e poder dos cidadãos – com uma tendência generalizada ao predomínio daqueles sobre este, conforme já apontamos –- implica, necessariamente, na necessidade inescapável de se “fazer um esforço para que o cidadão tenha mecanismos de controle (…) sobre seus representantes”, esforço este que, diante dos crescentes níveis de corrupção verificados em boa parte dos países “democráticos”, parece, assim como o trabalho de Sísifo, estar fadado ao fracasso!

Sou a presidenta, de todos os brasileiros, dos que se manifestam e dos que não se manifestam.”[aqui, cabe uma ponderação: é claro que os atos administrativos de Dilma Rousseff podem atingir a maior parte da população que habita o território do Estado brasileiro, porém, nem todos os que habitam este território admitem a legitimidade desta forma de organização política – como é ocaso da(s) radicalidade(s) libertária(s) que, inclusive, votam nulo em todas as eleições -, podendo-se afirmar, portanto, que, moralmente, a presidente não é a líder de todos.

Reside aí, nesta desconsideração com as culturas política refratárias ao Estado e consequente imposição do seu modelo de organização política a estas, uma das facetas do autoritarismo próprio aos Estados nacionais e às democracias representativas.] “A mensagem, direta das ruas, é pacífica e democrática.”[aqui, a presidente, mais uma vez, opera com a figura mistificadora e excludente da uníssona “voz das ruas”: conforme sabemos, a pluralidade de vozes presente nas manifestações em pauta verificou-se muito ampla, o que inclui, obviamente, até os “radicais” sabotadores. Conforme já vimos, o objetivo deste expediente discursivo/sofisma, é fazer passar, com alguma facilidade, a interpretação institucionalizada e institucionalizante – dos anseios e demandas dos manifestantes – que a presidente passará a desenvolver em seguida.]

“Ela reivindica, um combate sistemático à corrupção e ao desvio de recursos públicos.”[aqui a presidente – a partir do ato anterior de prestidigitação que transformou protestos de caráter  eminentemente plural em uma mítica “uníssona voz das ruas” – passa a interpretar – de forma reducionista – o amplo leque de demandas verificadas nas manifestações, como sendo traduzíveis em uma restrita pauta de melhorias institucionais.] “Todos me conhecem, disso eu não abro mão.”[aqui, mais uma vez, a presidente utiliza um recurso discursivo/sofisma que visa estabelecer uma empatia – falaciosa – com o público: é óbvio que, nem todos a conhecem, ao menos, não a pessoa de fato, para além da sua imagem pública! O objetivo do estabelecimento desta empatia falaciosa seria, como parece evidente, demonstrar afinidade com os anseios do “uníssono povo brasileiro”, para, desse modo, criar mais condições para promover uma fácil aceitação do público à sua proposição.]

images“Essa mensagem, exige serviços públicos de mais qualidade, ela quer escolas de qualidade, ela quer atendimento de saúde de qualidade, ela quer um transporte público melhor e a preço justo, ela quer mais segurança, ela, quer mais. E para dar mais, as instituições e os governos, devem mudar.”[aqui, a presidente encampa, com toda a clareza, o slogan – já antecipado durante o dia por grandes empresas de comunicação, conforme vimos – “O Povo Brasileiro quer Mais”.

Esse discurso do “mais”, além de visar canalizar as energias sociais para os estr(e)itos marcos das lutas institucionais – como já sabemos -, cumpre uma outra função: excluir do campo de visão o(s) questionamento(s) à necessidade e à natureza das instituições – impostos ao debate público pela via das investidas dos “radicais” contra a propriedade capitalista/estatal -, obscurecendo-o(s) pelo expediente de lançar, para o primeiro plano, a suposta demanda “uníssona” por “mais” (institucionalidade), associando-a a ideia da “qualidade”.

Então, impõe-se, dessa forma, a suposta unanimidade da reivindicação por mais – e melhores – instituições, num claro esforço para lançar ao ostracismo o(s) questionamento(s) da(s) radicalidade(s) libertária(s) sobre a necessidade e a natureza – autoritária e exploradora – das próprias instituições.]

2.2.2 – Anúncio de Medidas Imediatas (pacto entre diversos setores do Status Quo, emergencialmente, o poder executivo) Para a Melhoria dos Serviços Públicos:

“Irei conversar nos próximos dias, com os chefes dos outros poderes, para somarmos esforços. Vou convidar governadores e os prefeitos, das principais cidades do país, para um grande pacto, em torno da melhoria dos serviços públicos. O foco será: primeiro, a elaboração do plano nacional de mobilidade urbana, que privilegie e o transporte coletivo; segundo, a destinação de cem por cento dos recursos do petróleo para a educação; terceiro, trazer, de imediato, milhares de médicos do exterior, para ampliar, o atendimento, do Sistema Único de Saúde, o S.U.S.”[eis aqui a proposição do grande pacto, consubstanciação do instrumento de realização da grande visão estratégica de união do Status Quo em torno do objetivo comum e maior que todas as suas diferenças: a manutenção da crença nas instituições. Tal pacto, obviamente, demanda o envolvimento de diversos setores do Status Quo, desde os poderes estatais, passando pelo empresariado – é claro que, quando se propõe um plano nacional de mobilidade urbana, se está interpelando, entre outras, a indústria automobilística -, e se estendendo até às “novas elites” (18) formadas pelos dirigentes de movimentos sociais institucionalizados, conforme veremos adiante.

nusol8728267222Podemos verificar aqui, ainda, algumas contradições inerentes à omissão e tentativa de escamotear – pelo destaque ao paradigma aparentemente imparcial e unânime da “qualidade” – as questões relativas à necessidade e natureza das instituições vigentes, levantadas pela pauta da(s) crítica(s) libertária(s) radicai(s).

Primeiro, a contradição entre a proposta de investimento privilegiado em transporte coletivo e, por outro lado, a de justificativa da manutenção – e, certamente, incremento – das atividades de extração de petróleo, pela via do investimento dos seus respectivos royalties no setor da educação: ora, para o quê serão destinados os montantes cada vez maiores de massas de óleo extraídos das novas grandes reservas como o Pré-Sal?

Obviamente, tais montantes terão que ser consumidos, para garantir a reprodução do capital empregado na sua extração, e tal consumo deverá passar, provavelmente, pela queima, no maior número possível de motores automotivos – o que implica em um incremento do uso de automóveis individuais -, visto o aporte cada vez maior de óleo para o mercado.

Segundo, a proposição de destinar cem por cento dos recursos do petróleo para a educação contradiz a tão propalada necessidade de conscientização para a preservação do meio ambiente, visto que visa legitimar – pela via deste pretenso benefício social – as atividades de uma das mais poluentes indústrias extrativistas, cujos impactos para o meio ambiente são altamente danosos, e ainda mais, tal proposição escamoteia – pela adoção da lógica simplista e majoritariamente admitida segundo a qual mais recursos equivalem a “mais qualidade”, enfim, pela discussão concernente aos meios – a questão fundamental relativa aos fins do(s) sistema(s) de educação – o “para quê” e “para quem” se educa -: conforme podemos depreender do contexto das propostas da presidente, as respostas a tais questões, no âmbito da visão política em que se inserem, permanecem sendo , como não poderia deixar de ser, educar para formar cidadãos adaptáveis e conformados às demandas de produção do capitalismo, bem como, correspondentemente, educar para os grandes interesses do mercado.

Então, impõe-se, dessa forma, a suposta unanimidade da reivindicação por mais – e melhores – instituições, num claro esforço para lançar ao ostracismo o(s) questionamento(s) da(s) radicalidade(s) libertária(s) sobre a necessidade e a natureza – autoritária e exploradora – das próprias instituições.]

 

Terceiro, a proposta de trazer de imediato milhares de médicos do exterior para ampliar o atendimento do S.U.S. escamoteia – pela via da aparência de um esforço concentrado para promover a melhoria da saúde da população -, além do debate premente sobre os problemas estruturais e de valorização de pessoal do sistema de saúde pública, também, a discussão indispensável a respeito dos impactos negativos sobre a saúde das populações urbanas, causados pelo seu modo de vida contemporâneo, configurado em uma esfera tecnológica produtiva-consumista que lhes submete a todo tipo de envenenamentos (pela via da ingestão de aditivos químicos dos produtos alimentícios industrializados; de bombardeamentos por raios eletromagnéticos produzidos por toda sorte de aparelhos eletrônicos indiscriminadamente onipresentes; da inalação de gases tóxicos profusamente emanados para a atmosfera por processos tecnoprodutivos diversos, tais como o gás carbônico proveniente da queima de combustíveis fósseis; da geração intensa e contínua de estresse devido aos ritmos de trabalho impostos pelas dinâmicas produtivas cada vez mais intensas e concorrenciais do mercado capitalista, bem como às incertezas próprias à sua natureza instável e predatória etc.).

GREVE_GERAL_34Tudo isto, sem falarmos na necessária crítica ao modelo dominante da medicina “industrializada”, estreitamente vinculada aos interesses da indústria farmacêutica, com suas terapêuticas padronizadas que, como é do conhecimento de muitos, devido à potencialização de princípios ativos e homogeneização de dosagens dos medicamentos – com vistas à viabilização de processos de produção e consumo em massa de medicamentos, para potencializar lucros -, “cura por um lado, e mina por outro”. Há, aí, uma flagrante e incontornável contradição entre a proposta de ampliação da oferta de médicos à população o escamoteamento deste debate sobre a condição de vida doentia no sistema tecnoprodutivo contemporâneo, bem como sobre o caráter predatório da indústria farmacêutica.]  

2.2.3 – Anúncio de Medidas que, Bem Entendido, Visam Reconduzir as Energias das Mobilizações Sociais para o Campo da Institucionalidade:

MPL6“Anuncio, que vou receber os líderes das manifestações pacíficas.(19) Os representantes das organizações de jovens, das entidades sindicais, dos movimentos de trabalhadores, das associações populares. Precisamos de suas contribuições, reflexões e experiências, de sua energia e criatividade,…”[aqui, anuncia-se claramente a disposição para arregimentar as energias das mobilizações sociais – até à mobilização do nível mais pulverizado do Status Quo, aquele integrado pelas “novas elites” a que já fizemos alusão -, com o fito de conduzi-las ao estr(e)ito campo da institucionalidade. Ainda: note-se, que o início do trecho, constitui-se em um aceno para a entrada dos “líderes das manifestações pacíficas” – bem como dos “representantes das organizações de jovens” -, na condição formal de integrantes das novas elites, com todos os privilégios e possibilidades de corrupção que isto implica.(20) Tal expediente, além de visar promover uma acomodação das novas “lideranças” contestatárias aos marcos das instituições, vem reforçar, ainda, a tática de isolamento dos belicosos “radicais”.] 

2.2.4 – Proposição Genérica de uma Reforma Política que Aponte para um Aumento do Controle e da Participação dos Cidadãos nas Instituições:

“(…): precisamos oxigenar o nosso sistema político, encontrar mecanismos que tornem nossas instituições mais transparentes, mais resistentes aos maus feitos e acima de tudo, mais permeáveis à influência da sociedade. É a cidadania e não o poder econômico quem deve, ser ouvido em primeiro lugar.”[aqui, faz-se um reconhecimento do lócus onde radicam as causas de muitos dos problemas colocados em pauta pelos manifestantes: as ingerências do “poder econômico” – diga-se claramente: o grande Capital – sobre a vida coletiva. Porém, esse reconhecimento é falacioso, pois no contexto deste discurso, exerce apenas a função de contribuir para a formação de uma imagem de independência crítica da oradora, sem maiores aprofundamentos desta suposta crítica, conforme pensamos estar demonstrando aqui.]

“Quero contribuir, para a construção de uma ampla e profunda reforma política, que emplie (sic) a participação popular.”[aqui, passa-se a anunciar claramente a proposição do expediente que deverá servir como o instrumento e objeto da reconciliação das massas com o Estado nacional: a grande reforma política que promete uma redução da distância entre os cidadãos e as instituições, a instauração de um Estád(i)o no qual o jogo político, além dos jogadores privilegiados integrantes das agremiações partidárias e dos árbitros por excelência do poder judiciário, admita também a colaboração dos cidadãosauxiliarestécnicos, numa aproximação daquilo que se convencionou chamar de democracia participativa.

Ante esta metáfora do futebol, o leitor atento poderá questionar: e os “técnicos titulares”, onde estão? Diante de todo o contexto do discurso em questão, que – conforme viemos apontando -, exerce uma função de estigmatizar, isolar, obscurecer e contornar as visões e práticas dos críticos “radicais” da propriedade capitalista/estatal, podemos afirmar que a resposta está aí, implícita: Os técnicos por excelência deste jogo permanecerão sendo os grandes grupos econômicos!].                                

lula2.2.5 – Negação da Possibilidade de Uma Democracia sem Partidos:

“É um equívoco, achar, que qualquer país possa prescindir de partidos e sobretudo do voto popular, base de qualquer processo democrático. Temos de fazer um esforço, para que o cidadão, tenha mecanismos de controle, mais abrangentes sobre os seus representantes.”[aqui, a presidente vem reforçar o coro – entoado naquele dia por vários segmentos do Status Quo, este sim, uníssono -, segundo o qual não existe democracia sem partidos. Ora, já tratamos disto, deixando claro que, ao desconsiderarem, perante a sociedade, as propostas teóricas e experiências práticas históricas de democracia direta/autogestão, estes segmentos do Status Quo cometem um ato que incorre, ou em uma demonstração pública de ignorância política ou – o que é mais provável -, em uma demonstração de má fé para com a sociedade!

É óbvio que este trecho vem somar-se ao esforço – que constitui um dos principais objetivos deste discurso – para direcionar as energias dos manifestantes no sentido da luta nas – e pelas – instituições vigentes, demovendo-os de possíveis tendências à crítica radical do sistema político vigente, pela proposição de uma – já tão conhecida quanto falaciosa – inescapável opção entre democracia representativa ou ditadura (21) (no trecho em pauta a presidente, inclusive, estabelece uma também falaciosa associação exclusiva entre voto “popular” – as elites não votam nas democracias representativas?! – e partidos: ora, nas democracias diretas também há o instituto do voto!)(22).

Esta opção pela democracia representativa, com sua dicotomia (abolida nas democracias diretas/autogeridas) entre poderes do Estado e poder dos cidadãos – com uma tendência generalizada ao predomínio daqueles sobre este, conforme já apontamos –- implica, necessariamente, na necessidade inescapável de se “fazer um esforço para que o cidadão tenha mecanismos de controle (…) sobre seus representantes”, esforço este que, diante dos crescentes níveis de corrupção verificados em boa parte dos países “democráticos”, parece, assim como o trabalho de Sísifo, estar fadado ao fracasso!(23)]