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Sobre a(s) Radicalidade(s) Libertária(s) [parte 3]

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 DA ESTRATÉGIA DE DESMOBILIZAÇÃO, PASSANDO PELA DE PACIFICAÇÃO E DOMESTICAÇÃO E CULMINANDO NA CONCILIAÇÃO NACIONAL REFORMISTA:

UMA ANÁLISE DAS RESPOSTAS DO STATUS QUO À RECENTE ONDA DE PROTESTOS NO BRASIL.

Prof. Vantiê Clínio Carvalho de Oliveira – Doutor em Ciências Sociais.

2.45.

Mas, e os “radicais”, o que querem…? Esta questão não foi colocada em pauta, pois estaria pressuposto que a violência que praticam contra a propriedade capitalista/estatal configuraria, por si só, elemento suficiente para lhes desqualificar/alijar do debate público! Também: não foi a partir deste momento – em que surge uma nova configuração de jovens manifestantes nos protestos – que se viu alguns coros de manifestantes entoarem o mantra “sem/violência”, não para a polícia, mas para os “radicais”, isolando-os? E, enfim, esta democracia não é o regime da legitimação pela – a(s) radicalidade(s) libertária(s) diria(m): da ditadura da – suposta “maioria”…?!

Claro que, apesar da coincidência de ações naqueles momentos, cada um desses grupos adere às práticas em causa por motivos e objetivos distintos: os marginalizados das periferias aproveitam o momento para tomar para si os bens de consumo – inclusive os de alto consumo – tão oferecidos pelo marketing publicitário e tão inacessíveis devido à sua condição (gerada pela desigualdade social) de cidadãos de segunda classe; os jovens “bem vestidos” de classe média descarregam sua testosterona de consumidores de U.F.C. e os prováveis conservadores/reacionários almejam desestabilizar as instituições com vistas a viabilizar a instauração de ditaduras (exatamente o oposto dos objetivos libertários).

bancoPorém, as demandas dos “radicais” seriam forçosamente colocadas em pauta – mesmo que apenas pela voz unilateral dos discursos midiáticos/oficiais, que a partir de agora repetem contra eles, invariável e raivosamente, o vitupério de “vândalos” -, quando, no apoteótico dia vinte, as cifras do número de manifestantes saltou da casa das centenas de milhares para a casa dos milhões! Então, de dezenas na primeira semana, centenas na segunda, milhares na terceira, o número de envolvidos em ações radicais contra a propriedade capitalista/estatal também saltou: por alto, para as centenas de milhares, se levarmos em consideração o país como um todo! É este montante que será classificado, o tempo todo, pelos média/oficiais, de minoria (quanta minoria!)!

Em que pese o razoável sucesso da estratégia de pacificação e domesticação dos protestos – pela via do isolamento e estigmatização das atitudes antipropriedade capitalista/estatal, bem como de direcionamento daqueles para uma orientação mais patriótica/nacionalista/ufanista (o que, diga-se de passagem, não foi uma missão muito difícil, visto que a grande maioria é educada dentro destes moldes) – o pesadelo antevisto por setores do Status Quo saltou para a realidade (mesmo que, talvez, em um cenário com possibilidades mais restritas do que teria, caso as táticas de esconjuro supracitadas não tivessem sido implementadas)!

Como parecem concordar nisto todos os ficcionistas que anteviram o advento de sociedades altamente controladas, como as que caracterizam nossa época, as tentativas de domesticação absoluta das vidas humanas parecem estar fadadas a nunca serem plenamente realizáveis

Mas, e os “radicais”, o que querem…? Esta questão não foi colocada em pauta, pois estaria pressuposto que a violência que praticam contra a propriedade capitalista/estatal configuraria, por si só, elemento suficiente para lhes desqualificar/alijar do debate público!

Mas, que demandas são estas, que temas são estes que os “radicais” insistem em trazer à tona (e o Status Quo insiste em reprimir ou distorcer), com as suas investidas raivosas contra propriedades do capital (tais como viaturas e equipamentos de grandes empresas de comunicação, fachadas de bancos, de grandes lojas, de shoppings, igrejas etc.) e contra propriedades estatais (tais como sedes dos três poderes e equipamentos de monitoração eletrônica de vias públicas e, segundo uma única TV, até contra o prédio de uma escola)?

Mais ainda: que visão tem a respeito destes temas? Com relação à primeira destas questões, pensamos que os temas aqui demandados já estão estampados, bem “figurados”, nos próprios objetos contra os quais se investe. Então, procederemos adiante a uma abordagem, tema a tema, da segunda questão. Porém, antes, se faz necessário um esclarecimento.

JAHAAAPassamos, nestes últimos parágrafos, a grafar entre aspas o termo “radicais”, com o fito de chamarmos a atenção para o aspecto problemático da adoção de um único termo/categoria – como a grande mídia procede – para fazer referência a grupos compostos por frações com perfis sociopolítico e econômicos tão distintos como é o caso daqueles que passaram, a partir desta terceira semana de protestos, a praticar atos de investidas físicas contra propriedades capitalista/estatais. A partir dali, é possível distinguir – na série de atos desta natureza que se desenrolará organicamente à série de manifestações que “pipocarão” por praticamente toda a extensão do território nacional –, no seio das ondas aparentemente amorfas de “radicais”, além de grupos que adotam estéticas e símbolos libertários (tais como máscaras negras, camisetas com mensagens anticapitalistas e o símbolo do(s) anarquismo(s)), também, grupos de pessoas paupérrimas (com rostos encobertos por camisas, ao modo de delinquentes marginalizados das periferias), grupos de jovens “bem vestidos” de classe média e até grupos apresentando sinais de filiação a orientações políticas conservadoras e/ou reacionárias (tais como uma estética “masculinista asséptica”).

Claro que, apesar da coincidência de ações naqueles momentos, cada um desses grupos adere às práticas em causa por motivos e objetivos distintos: os marginalizados das periferias aproveitam o momento para tomar para si os bens de consumo – inclusive os de alto consumo – tão oferecidos pelo marketing publicitário e tão inacessíveis devido à sua condição (gerada pela desigualdade social) de cidadãos de segunda classe; os jovens “bem vestidos” de classe média descarregam sua testosterona de consumidores de U.F.C. e os prováveis conservadores/reacionários almejam desestabilizar as instituições com vistas a viabilizar a instauração de ditaduras (exatamente o oposto dos objetivos libertários). Portanto, coincidência de ações que não pode ser confundida com coincidência de orientações políticas – muito menos com colaboração orgânica entre os diversos grupos aí envolvidos – sob o risco de obliterar a boa compreensão do fenômeno.

As investidas contra propriedades de bancos apontam para um caráter criminoso destes. Como justificativa desta visão, pode-se elencar uma série de atividades escusas com as quais se sabe que os grandes bancos estão envolvidos, tais como a associação com indústrias de fabricação e tráfico internacional de armas e o consequente financiamento de guerras em países periféricos, a associação com indústrias de extração de diamantes que se servem de mão de obra escrava em países africanos, a associação com o tráfico internacional de drogas etc.

Retomemos então o trabalho de responder às questões acima delineadas, (re)definindo, inicialmente – e desse modo distinguindo -, a radicalidade libertária: trata-se aí de uma abordagem política que se propõe a ir à raiz dos problemas da dominação e exploração do homem pelo homem e, neste movimento reflexivo identifica no instituto da propriedade privada dos meios de produção, bem como nas (suas correlatas) estruturas sociais hierárquicas formais, o cerne destes problemas. Propõe-se, então, uma luta pela instauração de uma sociedade autogerida (sem propriedade privada dos meios de produção e não hierarquizada), que se faça de forma direta – o método da ação direta , sem que “os de baixo” dependam de supostos representantes seus para construir a sua autonomia (o que seria contraditório), o que é sintetizado na célebre frase de Proudhon: “a emancipação dos trabalhadores há de ser obra dos próprios trabalhadores”.

NOAMAMADaí a rejeição aos partidos políticos e a adoção de formas de luta (no âmbito dos locais de – exploração do – trabalho) como as greves, os boicotes e as sabotagens. E a propósito, bem entendido, o que se pratica nas investidas libertárias em pauta é sabotagem (que equivale a impedir o funcionamento) e não depredação (que equivale a roubar), contra propriedades (e não contra vidas) capitalistas/estatais. Quais as demandas e visões para as quais estas sabotagens apontam? Tema a tema:

– As investidas contra propriedades de grandes empresas de comunicação (rádios, jornais, tevês) apontam para uma função – destes – de meros organismos legitimadores dos interesses dos dominantes, ao invés de órgãos de informação que visam servir à sociedade em geral. Como justificativa desta visão, pode-se citar – entre miríades de outros exemplos que se poderia elencar, como o já aludido silenciamento midiático com relação ao caso brasileiro de Belo Monte -, uma pesquisa realizada pelo linguista e professor do M.I.T. dos E.U.A., Noam Chomsky, a respeitos da cobertura da grande mídia internacional acerca do período em que o Timor Leste ficou sob o domínio da Indonésia (ocupação esta que se relacionava a interesses escusos de grandes grupos capitalistas), durante as décadas de oitenta a noventa. Segundo Chomsky, apesar do genocídio sistemático que foi praticado contra os timorenses, as grandes corporações de comunicação adotaram uma política de silenciamento quase total a respeito da situação, sendo que, as poucas reportagens sobre o tema que ainda conseguiam vazar do filtro ali estabelecido, ao passarem pelo gargalo (re)distribuidor de notícias internacionais – as famosas agências de comunicação -, recebiam um tratamento cirúrgico na edição de seus textos, de forma que se excluía ou modificava palavras chaves, para imprimir-lhes um sentido mais apropriado aos interesses de manutenção da “Ordem” Internacional.

– As investidas contra propriedades de bancos apontam para um caráter criminoso destes. Como justificativa desta visão, pode-se elencar uma série de atividades escusas com as quais se sabe que os grandes bancos estão envolvidos, tais como a associação com indústrias de fabricação e tráfico internacional de armas e o consequente financiamento de guerras em países periféricos, a associação com indústrias de extração de diamantes que se servem de mão de obra escrava em países africanos, a associação com o tráfico internacional de drogas etc. Tudo isto sem falar na “escravidão pela dívida” a que vêm submetendo a maioria dos cidadãos – e muitos países, com seus mecanismos de multiplicação dos valores em débito através da aplicação de juros.

– As investidas contra grandes lojas e shoppings apontam para uma prática imoral e comum – da parte destas – de engodo e espoliação da sua clientela. Como justificativa desta visão, pode-se lembrar que quase todo cidadão tem conhecimento de casos em que grandes empresas comerciais praticaram fraudes na venda de seus produtos (tais como os recentes casos, no Brasil, de adições de água sanitária e ureia ao leite) e/ou elevaram a níveis altíssimos o valor de dívidas atrasadas de seus clientes (vide os cartões de crédito). Isto sem falar nos regimes de trabalho férreos que impõem a seus funcionários – caracterizados por uma exploração exaustiva da mão de obra -, bem como em sua atuação enquanto promotores do consumismo, um estilo de vida vicioso que está levando as populações humanas a exaurirem futilmente os recursos do planeta.

– As investidas contra prédios de Igrejas apontam para uma ação mistificadora da parte de muitos líderes religiosos, caracterizada pela manipulação da boa fé das pessoas, com a finalidade de auferir ganhos de todos os tipos (vide os escândalos financeiros e sexuais em que se veem envolvidos, frequentemente, padres e pastores). Isto sem falar na função domesticadora que a maioria delas exerce, tornando dóceis seus adeptos, “mansos”, para serem explorados pelo capital e o Estado.(7)

nas sabotagens libertárias, as propriedades alvos de suas investidas convergem, em sua totalidade, para a configuração de um sistema instituído de práticas e valores imorais de dominação dos “de cima” sobre os “de baixo”, com vistas à mais desimpedida manipulação e exploração daqueles sobre estes, numa escala MUNDIAL(…)

– As investidas contra equipamentos de monitoração eletrônica de vias públicas apontam para uma função destes – para além daquelas oficialmente declaradas de colaborar na segurança pública e no controle do tráfego – de intensificação das ações de esquadrinhamento virtualmente absoluto (por parte do Estado) das vidas dos cidadãos, bem como de auferir cada vez mais dinheiro (para grupos de interesses do Estado) pela possibilidade de aplicar multas em praticamente todo e qualquer recanto das cidades.

2.8764– A suposta investida contra o prédio de uma Escola (dissemos “suposta” porque a TV noticiou mas não mostrou imagens), sé é que houve e, caso tenha acontecido, se é que foi um ato praticado com motivações libertárias (visto que este tipo de ação não faz parte do perfil das ações libertárias), poderia apontar para a compreensão de que o sistema escolar vigente exerce, muito mais – ao contrário do que se declara oficialmente e se pensa comumente -, para além de uma função de promover o ensino e aprendizado, uma função de promover o disciplinamento e enquadramento dos estudantes em moldes comportamentais mais adequados às posturas de assujeitamento necessárias para que os futuros trabalhadores possam ser melhor controlados pelos seus superiores no mundo do trabalho. Para demonstrar isto, basta colocar, para qualquer um que tenha feito o percurso completo da escolarização – da alfabetização à universidade – a questão a respeito dos conteúdos de que se lembra, entre todas as matérias que estudou na sua vida escolar: a resposta, quase invariavelmente, será: “muito pouco”!

Porém, por outro lado, não deve ser à toa que, por exemplo, empresas de limpeza preferem, para realizar suas atividades fins – serviços de limpeza -, funcionários com diplomas, de preferência, de ensino médio: não será porque os conteúdos estudados neste nível escolar são indispensáveis para a realização destas atividades, mas sim porque, quanto mais escolarizadas são as pessoas, provavelmente, maior facilidade têm para se adequarem às cadeias de comando, ou seja, às relações de mando/obediência.(8) 

Conforme se pode ver a partir do painel assim composto pelos temas apontados – e pelas respectivas visões sobre estes, ali (in)contidas – nas sabotagens libertárias, as propriedades alvos de suas investidas convergem, em sua totalidade, para a configuração de um sistema instituído de práticas e valores imorais(9) de dominação dos “de cima” sobre os “de baixo”(10), com vistas à mais desimpedida manipulação e exploração daqueles sobre estes, numa escala MUNDIAL(11). Isto nos leva a alguns temas contidos na pauta libertária de sabotagens e que ainda não abordamos: os três poderes estatais, os partidos e as polícias(12). Basta dizer que, nesta perspectiva, todas estas instituições – por integrarem o referido sistema – exercem, em um grau variável, a função precípua de legitimar e preservar o mesmo (13).

obs: Notas de rodapé do artigo integral (todas as suas partes que já foram e serão publicadas)