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O internacional global é local

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Em 2001, quando minha ambição em ser diplomata levou-me a fazer o trajeto de volta ao Rio de Janeiro, achava que política internacional era algo de gabinetes e que ocorria bem longe do pequeno elefante esquecido na esquina do continente. Felizmente, nesses doze anos, aprendi que sofria de miopia teórica e política e que, contanto gabinetes sejam parte da corrente produtora que conhecemos como “política internacional”, eles estão muito longe de ser a parte mais interessante, pertinente ou capaz de gerar mudanças qualitativas em nossa experiência humana.

Em uma época em que a insatisfação e o esgotamento políticos multiplicam-se tanto em países da periferia quanto do centro do poder mundial, o dever mais urgente do crítico é que el@ entenda a história como história global e as diversas realidades vividas em contextos específicos como subjetividades diferentes (mas não necessariamente divergentes) dentro de um mesmo sistema capitalista altamente excludente. Um bom exercício para aperceber-nos da veracidade desses fatos é exatamente procurar saber do que acontece em outras terras. Não há nada que me lembre mais da Era FHC do que ler sobre a situação precária dos jovens em Portugal, Espanha, Itália e Grécia. Ontem mesmo, uma correspondente egípcia parecia descrever os meus sentimentos acerca da envergada à direita que os protestos no Brasil tomaram na semana passada. Detalhe: ela estava explicando a situação em seu país ao comentar sobre como parte do movimento tinha ares autoritários. Um amiga na Bulgária falou-me outro dia sobre a mídia em seu país e em como a narração dos protestos pela televisão para o resto do mundo mascarava o que realmente estava acontecendo nas ruas.

Cada vez mais estou certa de que não há maior deserviço público do que chamar política internacional de internacional. Nacionalidades são convenções excludentes por natureza. Fazem-nos supor que, por exemplo, Sérgio cabral tenha mais em comum com uma das vítimas da Chacina da Maré do que com Rudolph Giuliani – o prefeito que aplicou a política de tolerância zero nas ruas de Nova Iorque na década de 1990. Sérgio Cabral e Rudolph Giuliani não tem o mesmo idioma materno mas, nem por isso, deixam de falar a mesma língua. São proficientes na língua da manutenção do medo, da criminalização da pobreza, e da exclusão social. Independente do que assinalam seus registros de nascimento, um e outro político são não só agentes de uma mesma ordem mundial como também sobrevivem dela.

O problema é que o que acontece nos guetos de Nova Iorque ou com as minorias étnicas na Turquia é ‘internacional’ enquanto que a sede que se passa em Santo Antônio do Salto da Onça é local – quando muito, regional. Tal mentalidade nega que a fome arde no estômago do mesmo jeito em Bruxelas ou em Brasília, que a dor de perder um filho para doenças que seriam facilmente curáveis é a mesma em português ou swahili, e que não ter o direito à cidadania é tão denigrente para os ciganos na Europa quanto para os Haitianos no Acre.

Enquanto nossas análises insistirem que o sofrimento humano tem nacionalidade, nossos diagnósticos terão caráter paleativo e nunca transformador. E esse é o cerne da questão quando aplicamos o rótulo ‘assunto internacional’ ao que acontece fora do país – passamos a perceber qualquer tema como algo distante e que tem pouca relação com o nosso dia-a-dia. Diante disso, precisamos nos desfazer da idéia de política internacional e repensá-la enquanto política global de alcance local e pessoal.

Não vejo, portanto, hora mais propícia para integrar o time da Carta Potiguar – que vem fortalecendo o debate crítico no nosso estado – o qual acompanho desde o seu lançamento virtual. Seguindo a linha crítica da revista, tentarei discutir as interações entre o global e o local e, possivelmente, mais próximo das ruas do que dos gabinetes.