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Globo contra a corrupção e contra a reforma política

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Artigo originalmente publicado no www.observatoriodaimprensa.com.br

 

É verdade que imprensa boa é imprensa livre, não imprensa imparcial, até pelo fato de neutralidade jornalística ser um mito dos mais idílicos. Não é novidade, entretanto, que os grandes meios hegemônicos [embora essa hegemonia venha já há alguns anos cedendo ao entusiasta contraponto da internet, foro interminável de discussões livres e desembaraçadas graças, sobretudo, à blogosfera] de comunicação social, tanto impressos quanto televisivos, comportem-se como autênticos e descarados militantes em temas de grande relevância nacional onde o clamor social se erige como um “gigante” até então adormecido, em referência a determinada peça publicitária de afamada marca de uísque que, preenchendo o vácuo de referências culturais dos jovens manifestantes, tornou-se símbolo maior das manifestações ao lado de um jingle musical oriundo de uma propaganda de automóveis.

O que surpreende desta vez em particular, todavia, é a solidez das opiniões dos veículos mainstream, tão consistentes quanto uma gelatina exposta ao sol do meio-dia: quando as manifestações ainda engatinhavam, por assim dizer, ganharam a sua categórica reprovação; o vandalismo, hoje obra de ínfimos grupelhos de vândalos arruaceiros que destoam do retumbante coro da maioria pacífica e ordeira, foi o rótulo inicial conferido aos protestos, atacados duramente por certo comentarista porta-voz de um macartismo démodé que, tão somente, tachou os manifestantes de “revoltosos de classe-média” além de tê-los alçado à condição de arautos de uma “caricatura violenta do socialismo dos anos 50 que a velha esquerda ainda defende”. Seu valor, por sua vez, seria menor que os fatídicos vinte centavos que acabaram por matar o arquiduque Francisco Ferdinando.

Ao vislumbrar o potencial e até então imprevisível crescimento do “gigante”, a mea-culpa veio rápida e solene, muito embora tenham se “esquecido” de veiculá-la em horário nobre, a exemplo dos ataques iniciais, limitando-a a uma discreta e breve nota radiofônica, amplamente compartilhada nas redes sociais.

Contra a PEC 37

Quem pensa, porém, que a bipolaridade das Organizações Globo se conteve na abrupta e suspeita mudança na abordagem feita com as manifestações – agora legítimas e ordeiras, tal qual uma marcha da família com Deus pela liberdade – e das não menos suspeitas desculpas de última hora do seu guru neoconservador, enganou-se profunda e peremptoriamente.

A apropriação/distorção das bandeiras iniciais das manifestações por causas difusas, conservadoras, despolitizadas e demasiadamente abstratas, como o genérico combate à corrupção (somada à lamentável hostilização feita contra as agremiações políticas participantes), recebeu o beneplácito e o incentivo dos grandes conglomerados, efusivos incentivadores da inclusão dessa nova pauta das manifestações.

O resultado veio rápido: nos últimos atos pulularam cartazes anticorrupção e contrários à PEC 37. O combate institucional à corrupção é, óbvia e naturalmente, salutar, embora o debate acerca da sua instrumentalização seja completamente esquecido da agenda dos meios de comunicação comercial e também da população que, com entusiasmo, encampa esse combate nas ruas, apesar de não problematizá-lo e de ter pouca ideia de como executá-lo na prática.

Preocupações do editorial do OGlobo

De profundas raízes históricas e institucionais que bebem direto da fonte de um sistema político, eleitoral e administrativo cuja dinâmica favorece toda sorte de promiscuidade entre o público e o privado, a corrupção tem como seu maior e temeroso adversário a famigerada reforma política, meio a qual, dentre suas proposições, se inclui o combate/regulamentação/diminuição do financiamento privado de campanhas, pedra angular dos atos de malversação do erário.

Tão logo a presidente Dilma assumiu em rede nacional o compromisso em pautar a agenda pública com a efetivação da reforma política enquanto instrumento cardeal no sistemático e efetivo combate à corrupção, as Organizações Globo saíram, mais uma vez, à carga: chamada do Globo News atestava em redondas letras garrafais que a reforma política não fazia parte da pauta das manifestações, ilegítima, portanto, visto não haver registros de cartazes que a pugnassem.

Ainda, editorial de O Globo publicado na quinta-feira (27/6) – “A manipulação do plebiscito” – observou que “a presidente Dilma Rousseff tenta responder à agenda das manifestações criando uma outra, a da reforma política”, uma “manobra astuta”, segundo o jornal do clã dos Marinho. Não suficientemente, observou, de forma inacreditável, que “pesquisas feitas entre manifestantes, antes da reunião de segunda, não detectaram o desejo por uma reforma política. No centro das reivindicações, encontravam-se a corrupção dos políticos, a oposição à PEC-37 –tema correlato –(…)”. Um pouco mais à frente, aduziu: “Apenas um exercício de contorcionismo intelectual relacionaria palavras de ordem gritadas nas ruas a uma reforma política.” Concluiu, por fim, que “a verdadeira agenda das ruas irá sendo deixada de lado”.

O aval das Organizações Globo

Com tal editorial, resta claro que não apenas desinteressa, mas preocupa a Vênus Platinada que haja o aprofundamento do debate acerca da instrumentalização das formas de combate à corrupção, chaga que deve permanecer sendo tratada como mazela de ordem puramente individual e moral, tal qual se tratasse de problema restrito a determinadas pessoas e partidos, e não decorrente da própria lógica de funcionamento do sistema político e eleitoral brasileiro que, por sua vez, cria terreno fértil para a deflagração de toda sorte de condutas indecorosas.

O enfrentamento à corrupção deve, assim, permanecer desinstrumentalizado, restringido e abafado no descontentamento dos cartazes que manifestam o premente desconforto da população com a situação do país; seu confronto deve se limitar exclusivamente à tradicional repressão – daí o nada inocente entusiasmo com que adotou o confronto à PEC 37 –, alheio, portanto, à miríade de causas e origens que representam a verdadeira raiz do problema.

Enquanto não houver uma efetiva discussão acerca da implementação e, sobretudo, da instrumentalização dos meios preventivos de combate à corrupção e esta continuar sendo tratada de forma lamentavelmente abstrata e moralista, continuará campeando livre e desimpedida por todas as instituições da República. Um verdadeiro favor à manutenção deste nefasto e indesejável status quo que, aparentemente, goza do mascarado, porém irrestrito aval das Organizações Globo.