No meio da multidão não somos ninguém. Nem eu, nem você. Fazemos parte de uma massa. Não temos uma identidade, gênero, raça, classe social, partido político ou grau escolar. O que nos tornarmos na massa é parte de um desejo coletivo que, movido pelas sensações e ímpetos em comum, busca o possível e o impensado, aquilo que não aguentamos mais. Por algum tempo achamos que estávamos sozinhos em nossos quartos, conectados a outros corações solitários que se comunicavam conosco para tornar suportável a vida cotidiana, televisiva, onde o trabalho ou estudo consomem nossas horas. Individualizados em nossos cubículos, aprendemos a pensar de forma egoísta, a sermos narcisos, a falar de si como se o mundo girasse ao nosso redor. A publicidade nos vende mundos ao qual podemos habitar com segurança, por mais que imaginários; a mídia nos mostra aquilo que interessa a alguns, mostrando um mundo que – na maioria das vezes – não faz parte de nossa realidade.
Porém, em nossos cubículos construímos novos laços através de uma rede social que não está nas esquinas e nas praças. Em nosso quarto ou sala, conectamo-nos a outros seres, geralmente amigos, e portais de informações (e por que não contrainformação?). Combinamos de ir a bares, shows, teatros, casas de colegas e criamos grupos virtuais de discussão. Eis que, paradoxalmente, sozinhos não estamos sós. A noção de massa, de estar junto ganha um outro tom e a capacidade de afetar um número maior de gente ganha uma nova dimensão. Um dia alguém se indigna de sua condição no bairro, na cidade, no estado, no país, no mundo em que vive e percebe que não está só. Outros também insurgem, vários pensamentos em comum são compartilhados e o virtual ganha as ruas. 1 mil, 100 mil e 1 milhão. Todos conectados descobrem que não estão sozinhos; outros mudam de ideia, criam formas de exacerbar seu ego, seu partido e outros carregam apenas a esperança de que tudo um dia fique bem para as próximas gerações. Descobrimos que cada um tem sua maneira de pensar, de reclamar, de vestir – ora, nossa condição social e histórica nos tornou isso. Mas, o mais importante: descobrimos que – independente de qualquer coisa – quando nos tornamos multidão, com seus múltiplos desejos e insatisfações, criamos um possível mundo ao qual podemos habitar.
O que nos move enquanto multidão (quando somos multidão) não é a redução de uma tarifa, não é a legalização de algo que é proibido pelo Estado, não é a luta que cessará quando conquistarmos aquilo que reivindicamos. O que nos move é o desejo de viver em um outro mundo possível; seja o do nosso quarto, do nosso bairro ou do nosso país. E o conflito de ideias e perspectivas nos fará pensar em alternativas para viver no mundo, para habitar e criar talvez um povo que ainda nos falta, uma comunidade que está por vir, é o devir que importa e, para isso, o conflito é absolutamente necessário. A história está aí para nos ensinar.
Ana Beatriz vai ao protesto pra sentir-se segura; João, para abraçar seus amigos; Pedro vai porque é uma forma de mostrar aos pais que o mundo não é como eles pensam; Joaquim, depois de muito tempo criticando ações e protestos em prol do povo, muda de ideia e, com lágrimas nos olhos, vai às ruas gritar por melhorias. Márcio percebeu que não precisa ser gay pra defender a causa; Gisele apenas sonha em encontrar seu amor no meio da multidão. Quantos nomes e vontades eu poderia citar aqui? Múltiplas vontades, muitos desejos. E eu, quero estar nas ruas, junto com todos esses, participando do processo, com essa vontade de vontade, esse desejo real que me move pra um lugar que, espero, seja diferente deste em que vivo.
E, apesar da vontade de muitos dentro dessa vontade de mudança, o que move é muito mais que isso: é uma pauta que foi concretizada pela multidão, uma pauta que será reivindicada e conquistada!