Era o fim de janeiro de 2011 e a prefeita Micarla de Sousa, cujo apelido de campanha era Borboleta, já não ia muito bem nas pesquisas de opinião no início de seu terceiro mandato. Afastou-se por alguns dias e em sua ausência, a prefeitura comandada por Paulinho Freire autorizou um reajuste das passagens de ônibus.
Nas redes sociais, a reação foi imediata.
Pela primeira vez a hashtag #ForaMicarla surgiu no Trending Topics do Twitter.
Alguns dias depois, foi realizado um protesto, um flashmob, no principal shopping de Natal. Dezenas de jovens e narizes de palhaço.
Ninguém podia imaginar o que estava começando ali.
Eu mesmo tinha dificuldades em considerar a relevância de tudo aquilo, ainda que tenha sempre procurado dar minha contribuição a tudo.
Lembro que na condição de coordenador do movimento dos Blogueiros Progressistas cheguei a me encontrar com pessoas interessadas em articular um movimento de redes e ruas para pensar Natal e discutir (e protestar contra) a gestão de Micarla. Naquele momento, envolto na emergência da Primavera Árabe, percebia que um tal movimento assim não pode ser articulado da maneira como eles queriam. Talvez já intuísse que era necessária uma causa imediata e concreta para catalisar o movimento.
A causa já estava dada – era o aumento da passagem.
Ainda assim foi apenas uns poucos meses depois, em maio, que a juventude se mobilizou nas ruas da cidade, para lutar para garantir o funcionamento pleno e concreto de uma Comissão de Investigação que havia sido instalada na Câmara.
O primeiro protesto foi grande. O segundo foi maior.
Era uma terça-feira e eu tinha ido à UFRN a uma aula para falar sobre os episódios da Primavera Árabe. Naquele dia, um protesto pela manhã tinha mobilizado um número bem menor de pessoas. Eu mesmo critiquei o horário em que o ato foi convocado, mas comentei em sala que havia começado uma ocupação, naquele dia
Desse pequeno ato saíram os pioneiros: os estudantes de Natal montaram as barracas e acamparam na Câmara Municipal de Natal. Dali não sairiam até onze dias depois e com uma incontestável vitória política – entre outras coisas garantiu-se que a Câmara iria efetivamente investigar a gestão municipal. Foi o Acampamento Primavera Sem Borboleta.
A ocupação da Câmara de Natal foi a pá de cal política na carreira de Micarla de Sousa. Além dela, sofreu suas consequências o então presidente da Casa Legislativa, correligionário da prefeita, Edivan Martins, que amargou a não-reeleição.
Quando todos imaginavam que os estudantes haviam aquietado suas lutas, em agosto de 2012 os protestos retornaram – mais uma vez devido ao aumento das tarifas de ônibus.
Como em São Paulo em 2013, o primeiro grande ato do que foi batizado de #RevoltadoBusao foi barbaramente reprimido pela PM.
Finalmente, a passagem retornou aos patamares anteriores.
Não foi a prefeitura que baixou o valor, mas um decreto legislativo que revogou o aumento.
Como ninguém cessará até que tudo cesse, os estudantes voltaram às ruas em maio passado. E no dia 15 de maio, a máquina repressora do Estado se voltou violentamente contra os estudantes. Questionado por um vereador do PSOL, o coronel que comandava a repressão disse que passaria até por cima da governadora.
Quando olho os protestos desta semana me emociono pela perspectiva de perceber que Natal mais uma vez foi pioneira. Que foi aqui que estudantes mobilizados pelas redes sociais, como twitter e facebook, se levantaram com uma clara bandeira política e, por isso mesmo, toda uma geração de militantes digitais foi chamada de vândalos, incendiários e baderneiros. De forma vanguardista.
Se há uma primavera emergindo no Brasil, tenho orgulho de ter participado de suas primeiras flores nas ruas de Natal mais de dois anos atrás.
“Quem não pula quer aumento!”