Construindo a Intolerância entre Manifestantes e Policiais (Parte 01)
Equilíbrio Distante
A manifestação tem a pretensão de ser pacífica, todos os que amam a democracia querem nesse dia dar uma mostra da força do povo, pelo menos aquela parcela da população que não aceita vender seu voto ou trocá-lo por favores menores ou egoístas, e nem tampouco aceita que o Governo do RN continue sua marcha irresponsável de não investir em segurança, saúde e educação, temas basilares na conquista do voto do povo nas últimas eleições pela atual Administração.
A polícia tem a pretensão de ser comedida e bem treinada para evitar excessos durante a manifestação. E considera como excesso um ou outro manifestante mais passional que direciona seu descontentamento contra os agentes encarregados de aplicar a lei. Esses policiais estão trajando seu imponente uniforme e com seu equipamento de controle de distúrbios civis à mostra, eles têm conhecimento que a população manifestante sabe que eles possuem escudos, cassetetes, tonfas, armas com munição de controle, além do gás lacrimogênio, bombas de efeito moral, tasers e uma ordem judicial que diz para não obstruírem as vias públicas.
Parece dois polos antagônicos a beira do enfrentamento, uma espécie de confronto potencial que está sendo mantido por um tênue equilíbrio de ações por parte dos dois grupos. Contudo, esses grupos não são essencialmente antagônicos, são faces da mesma malha social, que não possui o lado do avesso e sim duas estampas que se completam e são necessárias para, de um lado mostrar que o povo não está inerte diante dos desmandos políticos e de outro mostrar que a ordem precisa ser mantida.
O verdadeiro vilão está oculto e tramando formas de manter esse equilíbrio distante de ser alcançado, está torcendo e muitas vezes agindo para que quando esse equilíbrio venha a ocorrer, algo maior possa desestabilizá-lo e reine o caos.
O Vilão Oculto
Quem tem maior vantagem no desequilíbrio entre as forças policiais e a população? Seriam os manifestantes que são vitimados pela ação policial? Seriam os policias que não tem controle sobre a situação e se veem como instrumentos coercitivos do Estado? Certamente que nenhum desses dois grupos.
Contudo, a capacidade de enxergar essa situação de forma imparcial, vistas de ambos os lados, não existe na grande maioria. E essa impossibilidade existe porque não houve interesse, há vinte anos, de mudar nosso país e internamente nosso Estado, pois não houve um planejamento estratégico prevendo a adoção de políticas públicas claras para dar educação e assim preparar o povo brasileiro para fugir das ações imediatistas a base de pão e circo que apenas escravizam intelectualmente o brasileiro.
Os governos sempre buscam meios de manter a população escravizada através do brilho do futebol e dos fantasiosos enredos das telenovelas. O verdadeiro vilão surgiu há décadas, escondido no sorriso dos políticos de profissão que sabiam como manter o povo incauto sob sua batuta, sendo facilmente convencidos com políticas protecionistas e imediatistas enquanto enriqueciam e mantinham o povo longe da educação que o levaria, através das gerações futuras, a questionar o mecanismo político.
O vilão que se estabeleceu há mais de vinte anos, hoje se esconde através de manifestantes ilegítimos e policiais mal preparados, que são colocados em confronto e desta feita utilizados como bodes expiatórios dos culpados reais.
Nas ruas, a manifestação cria um verdadeiro estado de caos, defendido pelos anarquistas como meio de coação e convencimento dos governos inescrupulosos, porém, o resultado desse confronto recai sobre os policiais e sobre os manifestantes, exacerbando uma rivalidade que não mais deveria existir se há vinte anos um governo comprometido com a evolução social tivesse promovido educação, saúde e segurança, se esse governo tivesse sido compromissado com a construção de um melhor país e não com a perpetuação de seus cargos políticos através de seus filhos, netos e outros aparentados, num vergonhoso nepotismo planejado.
Os altos impostos que atingem as camadas mais honestas são uma espécie de consórcio que o cidadão brasileiro paga, há mais tempo do que se tem ideia, cujos prêmios são os programas de televisão, como as telenovelas, cujos enredos desvirtuam a ação da polícia fazendo-a motivo de piada ou objeto de temor no imaginário popular, ensinando aos futuros policiais que devem ser brutos e estúpidos para demonstrarem autoridade e aos cidadãos que devem evitar o contato com esse policial.
Matando a Semente
Sabendo que sua ação um dia seria vista de forma clara, o governo vilão tratou de frear o progresso dos órgãos componentes do sistema nacional de segurança pública, investindo parcamente em material humano, equipamentos e tecnologias, evitando capacitar o policial para uma sociedade melhor e mais esclarecida.
Para matar a semente das mudanças, o Estado em princípio evitou logo o investimento na educação, fazendo a escola se tornar pouco atrativa e mantendo os professores com baixos salários. Assim estaria garantindo a má prestação de serviços por parte de um profissional, que estando insatisfeito não procuraria dar seu melhor para que seus alunos tivessem uma educação de qualidade com os meios paupérrimos que lhe eram oferecidos. Mas isso foi um tiro no pé.
A paixão pelo magistério é até hoje o que mais mantém professores em sala de aula, é o que mais os mantém firmes no processo de construir um futuro onde seus alunos reconheçam que eles merecem mais respeito do que o Estado lhes dá. E os estudantes, pelo menos aqueles que conseguiram acesso às salas de aulas foram recebendo a orientação adequada para se tornarem seres críticos, homens e mulheres questionadores, que não aceitam a imposição de ideias sem fundamento. Os professores não puderam ser usados como agentes da vilania.
Um vilão não possui somente um plano. Já que mesmo sem bons salários os professores ainda conseguiam provocar mudanças, era preciso minguar outra força da população, a polícia.
A aproximação entre polícia e sociedade, tão sustentada que foi pelos programas de Polícia Cidadã e Polícia Comunitária, não podia evoluir. Era uma amizade perniciosa para quem pretendia se manter dentro do poder através da ações que suscitariam a indignação das massas e precisaria do poder de polícia a seu favor.
O freio no investimento nas polícias se tornou a ferramenta para transformar esses homens e mulheres, oriundos, muitas vezes da mesma camada social a qual deveriam proteger e servir, a se tornarem o braço forte e a mão bruta dos perfeitos agentes da vilania, e o melhor de tudo, ainda seriam os melhores bodes expiatórios em caso de tudo dar errado.
Assegurando a Insegurança
Para assegurar que a polícia continuasse subserviente aos seus desmandos, o Estado Vilão precisava conter seus agentes encarregados de aplicar a lei. Muitas atitudes foram tomadas, contudo, a mais contundente de todas foi o impedimento do crescimento da força efetiva.
Sem efetivo de policiais suficientes para promover a segurança pública de forma adequada, os governos foram minguando as polícias, desacreditando seu potencial em cada ramo do policiamento, levando o povo a crer que eles eram preguiçosos e incapazes, e ainda sendo vistos como corruptíveis e assim disfarçando a própria corrupção do Governo que não tinha quem o investigasse porque a polícia estava aleijada.
Os bodes expiatórios precisavam ter sua amargura alimentada e a administração se encarregou de retirar as condições de trabalho, de humilhar os agentes com a falta de salários dignos e assistência psicológica, com o preterimento de pagamento de direitos trabalhistas e por não dar condições de mostrar para a sociedade a necessidade de sua existência.
Sem ter como agir, as polícias começaram a administrar o caos para tentar fazer o mínimo, contudo, a criminalidade proliferou e não existem meios de evitar que ela continue a crescer.
A população fica insatisfeita com a prestação dos serviços de segurança pública, e esses bodes expiatórios são odiados quando não atendem uma ocorrência em tempo hábil, quando não conseguem prender um criminoso, não conseguem solucionar um crime e não dar à sociedade a satisfação de sua necessidade de justiça.
A administração, entretanto, disfarça sua culpa dizendo que está contratando policiais, adquirindo viaturas e informando números irreais, ou no mínimo, tendenciosos. Mas diante de movimentos sociais que vão às ruas para protestarem, viabilizam todas as formas possíveis de condições de trabalho para ver manifestantes e policiais em um conflito que apenas encobre os verdadeiros vilões, criminaliza os insatisfeitos manifestantes que veem no policial seu algoz histórico e estigmatiza os policiais que não recebem continuidade em sua capacitação e acompanhamento psicológico e veem nos manifestantes um criminoso em potencial.
A insegurança está assegurada, a tentativa de cometer um crime perfeito está ocorrendo bem diante dos olhares do povo, e muitos não percebem.
A Seguir…
É um tema que incomoda, mas que não pode deixar de ser discutido. Antes de criminalizar manifestantes e estigmatizar policiais, é preciso ver a ferida que se desenvolveu no tecido social. Portanto, na continuação desse tema, abordaremos como conspirações internas foram sendo geradas para aumentar o antagonismo entre o povo e a polícia, e como enxergar essa situação pode levar o cidadão, portador ou não de um distintivo, a buscar soluções pacíficas para a situação de insatisfação que atualmente predomina no país e mais especificamente no Rio Grande do Norte.
____________
SOBRE O AUTOR:
Ivenio Hermes é Escritor Especialista em Políticas e Gestão em Segurança Pública, Colaborador e Associado do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, Consultor de Segurança Pública da OAB/RN Mossoró, Conselheiro Editorial e Colunista da Carta Potiguar, Pesquisador nas áreas de Criminologia, Direitos Humanos, Direito e Ensino Policial e Ganhador de prêmio literário Tancredo Neves.
____________
REFERÊNCIAS:
DURANTE, Marcelo Ottoni; OLIVEIRA JUNIOR, Almir. Vitimização dos Policiais Militares e Civis no Brasil. Revista Brasileira de Segurança Pública, São Paulo, v. 7, n. 1, p.132-150, 01 fev. 2013. Semestral.
SOARES, Luiz Eduardo. O que eu sei e o que não sei sobre as manifestações pelo passe livre. Disponível em: <http://www.luizeduardosoares.com/?p=1098>. Acesso em: 16 jun. 2013.