Por Thadeu Brandão
Como já discuti neste espaço por várias vezes, são os jovens as principais vítimas da violência homicida que impera no Brasil. Verdadeiro Holocausto juvenil, os jovens são mais de dois terços das vítimas de homicídios. Chegam, em algumas regiões a constituir perto de 85%. Inegável e brutalizante, a barbárie da violência homicida é hoje, para a juventude pobre e negra do Brasil o seu maior problema e perigo.
As políticas públicas para prevenção de homicídios no Brasil são relativamente raras, por várias razões. Uma delas é que o homicídio, diferentemente de outros crimes, não tem uma etiologia nem um local específicos que possam ser abordados facilmente através de, por exemplo, prevenção situacional. Ele apresenta etiologias diversas, acontece em locais distantes – mas também de forma concentrada territorialmente – e não pode ser prevenido através de um único programa universal. Assim, qualquer política pública de prevenção de homicídios deve partir de um diagnóstico local levando em conta os tipos de homicídio praticados, onde eles acontecem e qual é o perfil das vítimas.
Um segundo e poderoso fator que ajuda a explicar por que o homicídio nunca foi prioridade para as políticas públicas é que ele atinge sobretudo os setores mais desfavorecidos da população, que não têm voz ativa nem capacidade de pressão como as classes altas. A prioridade tradicional na segurança pública foi reservada aos crimes contra a propriedade e ao sequestro – este, aliás, chegou a induzir mudanças drásticas na legislação penal, como a lei dos crimes hediondos.
Lembrando que:
“A dinâmica da criminalidade no Brasil nas últimas décadas tem um componente fortemente estrutural. De um lado, está associado às enormes vulnerabilidades e desigualdades socioeconômicas; de outro, é condicionado pela falência do sistema de justiça criminal, fonte primária da impunidade. (…) cinco elementos-chave (…). (…) [1º] crescimento da população urbana (…) gerou uma enorme demanda por políticas nas áreas de habitação, educação, emprego, saúde e segurança pública, demanda que não pôde ser adequadamente atendida pelo Estado, seja pela escassez de recursos, seja pela rigidez do modelo da burocracia governamental vigente, que privilegia a prestação do serviço em detrimento da prevenção e solução do problema. (…) [2º] exclusão conjugada à desigualdade socioeconômica. (…) os homicídios eram explicados pelo contingente populacional, pela desigualdade da renda, pela renda domiciliar per capita e pelas despesas com segurança pública. (…) enquanto o crescimento populacional e a desigualdade da renda contribuem para o aumento dos homicídios, o crescimento da renda domiciliar per capita e dos gastos com segurança pública levam a um decréscimo dos homicídios” 2007, (p. 153-154).
Dito isso, não há como equacionar a questão da criminalidade na região enquanto não forem superados os grandes problemas socioeconômicos, particularmente aqueles relacionados à desigualdade da renda e ao adensamento populacional, que criam um campo fértil para os desajustes sociais; e as políticas baseadas simplesmente em aportes de recursos financeiros à polícia estão fadadas a resultados pífios, a menos que se reformule a estrutura da segurança pública em vigor no Brasil.
Um exemplo cruel é a atração do tráfico de drogas a jovens de periferias. O tráfico de drogas atrai crianças de espírito independente, que se recusam a aceitar as migalhas oferecidas pela sociedade “oficial”, ou a pobreza e o sofrimento vivenciados diariamente pela maioria deles na favela. Essa busca de identidade, mobilidade social e ganhos materiais, algo comum a todos os jovens de qualquer classe social, leva ao comércio de drogas como uma rota perigosa mas acessível para mudar sua situação.
“Historicamente, a presença bastante limitada do Estado na favela e o fracasso do governo em realizar a sua parte do contrato social (…) facilitaram o desenvolvimento de estruturas do contrato social tipicamente instituídas por atores não-governamentais armados, principalmente facções do tráfico de drogas nas duas últimas décadas. A pobreza e as dificuldades de entrar para o mercado de trabalho enfrentadas pelos moradores de favelas de baixa escolaridade e que se sentem socialmente excluídos significam que, para muitos deles, são poucas as alternativas econômicas, a não ser o envolvimento com o comércio de drogas. A atuação de uma polícia repressiva, corrupta e violenta só fez acentuar a falência do Estado como protetor dos direitos do cidadão nas favelas, com suas populações ficando cada vez mais alienadas, e estimulou a militarização das facções do tráfico e seus métodos cada vez mais violentos.” (2002, p.123).
Políticas públicas devem centrar nos jovens para serem eficaz. Não adianta se pautar em políticas generalistas. O foco nas áreas e no segmento é fundamental. Investimentos em educação são o norte, mas esses devem vir acompanhados na capacidade da escola de atrair e tornar-se atrativa para os jovens: arte, esporte, cultura, música, entre outras modalidades. Além da oferta de uma perspectiva futura de carreira e de felicidade. De pão e água nossos jovens já vivem. O foco é retomá-los de volta.
Eis minha provocação.
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CITAÇÕES:
CRUZ, Marcus Vinicius Gonçalves da, BATITUCCI, Eduardo Cerqueira (Orgs.). Homicídios no Brasil. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2007.
OLIVEIRA, Nilson Vieira (Org.). Insegurança Pública: reflexões sobre a criminalidade e a violência urbana.São Paulo: Nova Alexandria, 2002.
REFERÊNCIA:
BRANDÃO, Thadeu de Sousa. Políticas para a juventude: o caso da violência homicida. Blog do GEDEV – Grupo de Estudos Desenvolvimento e Violência – UFERSA. Disponível em: < http://gedev.blogspot.com.br/2013/06/politicas-para-juventude-o-caso-da.html >. Publicado em: 13 jun. 2013.
SOBRE O AUTOR:
Thadeu de Sousa Brandão, Sociólogo, Doutor em Ciências Sociais, Consultor de Segurança Pública da OAB/RN e Professor de Sociologia da Universidade Federal Rural do Semi-Árido. Mossoró/RN