Em Busca de Refúgio Para Insegurança Pública
A Fuga Para Cima
A insegurança instalada no cotidiano das vidas do povo brasileiro o tem levado a percorrer diversos caminhos em busca de provê-la por meios próprios. Ao se deparar com a ineficácia das grades em suas casas, dos ofendículos e dos meios de segurança privada tradicionais, o homem urbano buscou refúgio como seus ancestrais do campo buscaram em tempos de grandes inundações, procuram o terreno mais elevado.
Essa elevação, no entanto não é a mesma de antes. Desde a construção da Torre de Babel, o homem soube como elevar seus palácios e fortificações na previdência de se proteger não somente contra as intempéries, mas também de seus inimigos.
Em nossa era, prédios passaram a ser erguidos e a movimentação de famílias inteiras nessa fuga para o alto, foi modificando aos poucos em alguns lugares e rapidamente em outros, a paisagem das cidades.
Porém aquilo que parecia ser uma solução oportuna, não foi definitiva e nem tanto eficiente e o impacto gerado pela fuga, proporcionou o surgimento de novas modalidades de crimes e de novos exploradores da insegurança criada a partir na ineficácia das ações do Estado.
A Verticalização das Moradias
A expansão econômica que atinge a todos, uns privilegiados e a maioria não, fez surgir nessas classes mais abastadas financeiramente a capacidade de escolher onde morar, ou seja, seu investimento imobiliário.
Num processo de migração de uma região para outra dentro das cidades, famílias e comunidades desfizeram seus laços em virtude da procura por um local mais seguro para morar e criar os filhos. O velho hábito de sentar na calçada à noite para uma conversa entre vizinhos, o tão chamado parlamento dos bairros, já muito atingido pelas telenovelas, iniciou um processo final de extinção.
Os edifícios habitacionais foram expulsando os moradores de casas térreas sob a premissa da segurança pretendida pela verticalização, como por exemplo:
- Dificuldade de acesso dos perpetradores de crimes;
- Contratação de porteiros e seguranças de acordo com a renda dos moradores do prédio ou conjuntos habitacionais;
- Interação segura entre os vizinhos através das áreas comuns de convivência como salão de festas, piscinas, playgrounds e outros;
- Organização do convívio de forma mais equilibrada através dos conselhos de moradores.
O sucesso inicial da verticalização em busca de segurança logo foi substituído por frustração e falta de adaptação ao novo modus habitantus.
E os problemas de segurança persistiram.
As guaritas precisavam de porteiros, esses profissionais às vezes são confundidos como seguranças, contudo nem sempre eles acumulam essa função que amplia seu ganho salarial, porém que dificulta suas contratações. O controle de quem entra ou sai de um prédio foi dificultado pela população flutuante, que moram de aluguéis e, portanto não se fixam, pela quantidade de moradores que pioram ainda mais em conjuntos com vários prédios, cada um com mais de 3 andares e vários apartamentos por andar.
Somado ao arcabouço dessas argumentações, as ruas antes cheias de casas foram substituídas por quarteirões murados, cuja iluminação pública insuficiente deu guarida para novos crimes como pequenos assaltos, furtos, e em casos de locais privilegiados, até de sequestros, assassinatos, tráfico de drogas.
Até o policiamento de alta interação, modalidade de policiamento comunitário que agrega moradores, investidores, comerciantes e outras partes interessadas com agentes encarregados de aplicar a lei para a promoção de uma segurança mais efetiva, falhou nesse processo de verticalização, afinal, incapazes de gerir seus próprios prédios e condomínios, como os síndicos poderiam convencer os moradores à participação interativa nesse processo?
Os condomínios verticais precisaram recorrer à mesma solução dos condomínios horizontais, isto é, ofendículos em geral. Dessa vez uma marcante diferença na busca pelo habitat seguro se estabeleceu entre os locais de maior e menor poder aquisitivo: a contratação da segurança privada.
O Insucesso da Segurança Privada
O crime de oportunidade proliferou. Guaritas e porteiros menos preparados começaram a ser alvos de assaltos, pois os criminosos observam a chance dada para seu intento.
Empresas promotoras de segurança privada viram na ação do criminoso oportunista sua própria chance de lucrar através de seus serviços de proteção. Na verdade o que houve foi apenas uma evolução daquilo que os ofendículos já faziam sem sucesso, pois para cada solução adotada para conter o avanço imediato da violência e dos crimes, mais inovações são idealizadas pelos criminosos.
A solução sugerida foi:
- Contratação de segurança armada;
- Reutilização dos ofendículos como a cerca elétrica, dessa vez otimizada com sensores de movimento;
- Câmeras de monitoramento espalhadas em pontos estratégicos;
- Rigoroso treinamento e processo de seleção de funcionários para evitar quebras na segurança;
- Instalação de portões duplos;
- Centrais de monitoramento remoto;
- Blindagem de guaritas e áreas envidraçadas e outros;
Em alguns casos, os próprios envolvidos com a segurança privada começaram a mudar de lado vendo no lucro rápido do crime uma chance de melhorar seus salários. Quadrilhas especializadas foram surgindo e com elas estratégias para surpreender os trabalhadores e os moradores.
Casos clássicos como o Assalto ao Edifício Atalanta inauguram o uso de equipamento de alta tecnologia e cauteloso planejamento antecipado para invadir prédios e nele permanecer por horas até a completa pilhagem de todos os moradores.
Contrariamente ao filme “Onze Homens e Um Segredo” (Ocean’s Eleven), que mostra, em uma visão invertida de valores, muitos meios utilizados pelas quadrilhas especializadas em furtos, a ação dos assaltantes brasileiros não possui o falso glamour hollywoodiano que esconde o terror das pessoas que são mantidas presas em suas próprias casas enquanto seus bens são levados.
A despeito de todo gasto que moradores fazem em seus novos lares verticalizados, a segurança privada não garante sucesso, e as seguradoras que atuam no ramo imobiliário continuam arrecadando milhões por ano. Mas os moradores do Atalanta não possuíam seguro contra furtos que fosse capaz de restituir tudo que perderam.
Em São Paulo o mercado da segurança privada prolifera. Num dos casos mais interessantes observou-se que os moradores de um prédio investiram quase 50 mil reais na aquisição e instalação de câmeras, cercas elétricas, portões duplos e até botões de pânico instalados nos veículos. O morador, ao acionar o botão informando que estava chegando, avisava ao porteiro que verificava rapidamente a compatibilidade entre morador, veículo, placas e liberava o portão.
Os criminosos descobriram a estratégia e clonaram um veículo, adentrando no prédio e promovendo um arrastão histórico. Em outro caso, um dos moradores fora feito refém e usado para conseguirem entrar no condomínio. Ou seja, todo investimento foi em vão porque funcionários não são bem treinados, moradores são displicentes e oportunizam ao criminoso a chance de agir, há vazamento de informação por parte das prestadoras de segurança privada, enfim, embora seja uma solução acessível para muitos, a segurança privada e seus derivados estão longe de promover uma solução confortável.
Considerações sobre o tema
“Quero deixar claro que segurança é uma cadeia de serviços que começa na família/escola e termina lá na ponta no sistema penitenciário. Em toda esta rede, só temos funcionando a Polícia Militar e como se diz no ditado popular: uma andorinha só não faz verão.” Jornalista Cezar Alves
A verticalização da moradia e a segurança privada concorrem para a promoção da segurança, sua falibilidade é facilmente percebida nos argumentos acima e derrubam o mito de que elas sejam a solução.
O crime continuará existindo num país cujo governo não investe em um planejamento que vise mudar o país futuramente. Se há vinte anos, o governo tivesse levado a sério a educação, o fortalecimento da família e a promoção de serviços de segurança pública que buscassem aproximar a sociedade aos agentes encarregados de cumprir a lei, hoje não teríamos que lidar com a violência desenfreada com a qual todos convivemos.
Bem disse o Jornalista Cezar Alves na citação acima. Mas continuamos a lidar com governantes que preferem manter uma política imediatista, quando o fazem, para garantir seus votos e perpetuação da sua permanência em cargos políticos.
Afinal, nem todos tem recursos suficientes para investir na “fortificação” de suas moradias e contratar sua própria guarda pessoal, num retrocesso de civilização que nos faz retornar à era medieval da segurança.
A Seguir
No próximo artigo dessa série, será apresentado como a verticalização das moradias gerou concentração de serviços urbanos, o impacto de sua ação no desenho urbano e no fluxo de trânsito de veículos e pessoas, surgindo outras modalidades de crimes e atores perpetradores do caos na segurança pública.
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REFERÊNCIA:
ANUÁRIO DO INSTITUTO DE GEOCIÊNCIAS – UFRJ, 2000, Rio de Janeiro. Programa de Pós-Graduação em Geografia. Rio de Janeiro: Fundação Universitária José Bonifácio, 2000. 15 p.
COSTA, Ademir Araújo da. A VERTICALIZAÇÃO DE NATAL: ELEMENTO DE TRANSFORMAÇÕES SÓCIO-ESPACIAIS. 2001. 15 f. Paper (Pós-graduação) – Curso de Geografia, Departamento de Geografia – UFRN, UFRN, Natal, 2000.
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AUXILIAR DE PESQUISA:
Lídia Tayane Dério de França, graduada em Edificações Subsequente – IFRN e graduanda de Arquitetura e Urbanismo – UNP (Universidade Potiguar).