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#RevoltadoBusao: O mais interessante movimento político de Natal nas últimas décadas

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Publicado originalmente no No Minuto

Qual o grande movimento popular nascido em Natal após a Ditadura Militar?

Não lembro de nenhum até que no início de 2011 mais um movimento de estudantes contra o aumento das passagens de ônibus eclodiu nas redes sociais e, rapidamente, emergiu nas ruas da cidade.

Do grito de #AumentoNao ao #ForaMicarla foi rápido.

Depois disso, onze dias de vitoriosa ocupação da Câmara de Vereadores em que o poder popular representado pelos estudantes dobraram a intransigência da dupla Edivan Martins e Micarla de Sousa.

Ali nascia um movimento popular inédito nas últimas décadas.

A referência imediata havia sido a ocupação da reitoria da UFRN trinta anos antes, mas poderíamos nos lembrar da história de lutas da cidade – desde o Levante de 35, passando pelo governo popular de Djalma Maranhão.

Quando todos acreditavam que tudo havia cessado, o grito dos estudantes – “até que tudo cesse, nós não cessaremos” – voltou a ser ouvido em agosto de 2012.  E em uns poucos protestos, alguns com violenta repressão policial, os estudantes na rua conseguirão reverter o aumento das passagens de ônibus.

No centro do processo que resultou no esvaziamento político e, posterior, afastamento judicial da prefeita Micarla de Sousa (PV), estava a luta dos estudantes.

Quando se mudou o governo alguém pode ter acreditado que os protestos se encerrariam.

Acontece que 2013 provou que aquilo se tratava mais do que protestos esporádicos.  Havia sido gestado um novo momento e movimento político na cidade.  E esse movimento, então, precisa ser sufocado porque, caso cresça como ameaça crescer, colocará em xeque as convencionais estruturas de manutenção de poder político na cidade.  Como Micarla foi esvaziada nas ruas, qualquer governante poderia ser.  E se aproximam eleições que podem ser devastadoras a partir do efeito dos movimentos para quem quer que seja.  2012 provou isso.

Não é à toa, por exemplo, que na próxima quarta-feira, dia 12, estarei prestando depoimento na DENARC no inquérito que investiga, exatamente, a #RevoltadoBusao.

Também não é à toa que tenho a sensação de que existem muitos interesses querendo desmobilizar o movimento político mais interessante surgido em Natal desde dentro.

Uma das ações mais evidentes nesse sentido foi a de gerar facções dentro da unidade.

A unidade é a coisa mais rica gerada na #RevoltadoBusao porque, mesmo precariamente, tendências de ação política que normalmente não estariam juntas na luta se uniram por uma causa comum.  E as decisões são sempre coletivizadas.

Desse modo, uniram laços com o MST há algumas semanas, entendendo que a mudança só se faz quando o campo e a cidade são capazes de fortalecer mutuamente as suas lutas.

A desmobilização não vem de fora nem da antipatia da sociedade, como disse um amigo do Facebook.  Ele terminou afirmando sua própria antipatia ao movimento devido às pichações de áreas públicas, chamando os manifestantes de “marginais”.

Por isso lembrei de um desses “marginais” mais famosos – apesar de seu anonimato – para ilustrar esse texto.   Ou será que pichar em protesto “Abaixo a ditadura” é diferente de pichar “2,40 é roubo”?

Ditadura-Abaixo-a-ditadura

Estamos desacostumados a lidar com o protesto – e o agendamento e enquadramento midiático contribui para isso.

Afinal protesto só existe se provocar desordem.

Quando falo em desmobilização intencional estou falando de forças internas que podem ter percebido o que pode vir a significar a emergência de um movimento popular e social autêntico e autônomo na cidade nesse início de século XXI.

Não têm nada a ver nem com a visão que mídia repercute do movimento, nem com a impressão que essa visão enquadrada provoca.

Até porque se o movimento político é o mais interessante surgido em Natal depois da redemocratização é claro que a mídia hegemônica vai tratar de desqualificá-lo o mais que puder – não é do interesse da classe política ou dos detentores do poder que surja uma força política fora do seu controle para disputar justamente essas formas de organização e poder.

E se faz trinta anos que não surge nada politicamente interessante em Natal é sinal e causa de que a sociedade tenha estado em tal grau de letargia que tenha se esquecido que protesto se faz assim mesmo: perturbando a ordem, movimentando a cidade e até marcando muros.

Até porque sempre achamos bonito vermos as imagens dos estudantes pichando muros contra a Ditadura Militar, mas aí quando a #RevoltadoBusao picha é um absurdo.

Isso, para mim, denota um processo de desmobilização política e social que sofremos desde então como sociedade.

A #RevoltadoBusao é mais interessante ainda porque nos mostra o tamanho da letargia em que nos encontramos no que se refere a lutar por nossos direitos. Não por acaso, todos os que lutam, sejam trabalhadores sem terra, grevistas, índios, são qualificados como bandidos e vândalos. A mídia enquadra e uma sociedade despolitizada aceita.

Por isso mesmo não são poucos os que surgem defendendo o cassetete para os estudantes e a morte para os índios que retomam terras que já lhes foram dadas pela União em Mato Grosso do Sul.

Mas isso é uma outra conversa…