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Conservadorismo não avança, reage: ou sobre uma esquerda que recusa suas conquistas

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A autocrítica é atitude fundamental para todo e qualquer movimento político, que tenha a intenção de não petrificar, de hipertrofiar o seu protagonismo. Mas a necessária revisão das práticas não pode servir para invalidar vitórias e pintar cenário sombrio inexistente.

imagesHá uma avaliação renitentemente feita, inclusive, por alguns bons colunistas da revista Carta Capital de que o conservadorismo avança na proporção direta do encolhimento da pauta de esquerda. Para validar a argumentação, filósofos e articulistas enfatizam o suposto incremento do debate sobre a redução da maioridade penal, recrudescimento da homofobia, retorno da ortodoxia econômica e relacionam estes e outros aspectos de direita a uma inflada apatia vivida pela gestão Dilma, que seria causada pela maneira como a presidente se rende aos limites da “governabilidade”.

Apesar do apelo um tanto quanto moralista a “evidência” (superficial) do cenário traçado, a análise atribui um vanguardismo ao conservadorismo, que não encontra paralelo com o que vem acontecendo no Brasil. Pior. Não goza com as conquistas progressistas atingidas nos últimos anos.

O fato é que não há uma união articulada – no sentido de um grande clamor popular – entre a redução da maioridade penal, neoliberalismo, homofobia e outros temas. A redução da maioridade penal segue a linha do mito do eterno retorno: sempre se faz presente em situações emocionais de comoção nacional. Sua aparição, ainda que seja aproveitada por setores conservadores, não se encontra reflexivamente colada na geração de um projeto amplificado. A correlação é no mínimo forçada.

Os outros pontos são ainda mais controversos. O neoliberalismo, por exemplo, nunca foi tão questionado. Apesar de inegavelmente hegemônico, há um incômodo crescente e cada vez a discussão se volta para a tentativa de construir outros meios. O pensamento único não é tão mais solitário assim.

O viés perceptivo, que se restringe ao sabor do momento, também ofusca ganhos incontestáveis do movimento GLBTTT. Quem se debruça sobre certo alarmismo da esquerda fica com a impressão de que o Brasil vivencia grande revés neste aspecto. Um erro glamoroso. Nunca antes… os direitos correlacionados a homoafetividade estiveram tão na ordem do dia. Vários Estados da federação já aprovaram o projeto do “nome social”, homossexuais podem se casar aqui e em outros países, enfim, tal movimento reivindicatório – peço sempre que se olhe para a história – atingiu nível de institucionalização impar. É verdade que a violência contra homossexuais ainda existe. E muito. Mas ela não é escamoteada como em outras épocas. É veiculada por jornais, às vezes, os mesmos que, em tese, estariam capitaneando o contra-ataque reacionário. Não emprestem uma força a Marcos Feliciano que, nem de longe, ele concentra.

Mais. Em que pese algumas resistências (não fiquemos emaranhados nelas), o bolsa família e outros programas sociais ganham status de irreversibilidade (algo que o boato sobre seu fim ajudou a mostrar), instituições sociais e de pesquisa reconhecem a validade da política de cotas nas universidades, a desigualdade brasileira experimentou reversão cavalar. Dilma, com toda a pressão da “mídia de direita”, segue com grandes chances de renovar seu mandato. Alias, a agenda moral(ista) perdeu nas eleições de 2002, 2006 e 2010 e, se mais uma vez mobilizada, também não levará em 2014.

O conservadorismo não avançou, ele reage com seu ressentimento direcionado contra um Brasil que combate privilégios das elites e de uma tradicional classe média, que olhava só para cima, ou invés de para “os (antigos) de baixo”. Daí sua raiva.

Seria ingênuo achar que vivemos no melhor dos mundos. Há inúmeros desafios. Mas a esquerda que não teme dizer seu nome deve mostrar o país que construiu. Lamúria não combina com quem anseia e luta por mudanças.

PS. Impressiona como o autoritarismo constitucional no quesito relação Executivo X Legislativo, que marcou as cartas passadas e a atual, gravita na cabeça, inclusive, de gente de esquerda e democrática. O ataque a “governabilidade” encadeia – no sentido de não verbalizar – um sonho de ver a presidente, atropelando o congresso nacional e aprovando projetos na marra, sem pesar a institucionalidade, o jogo de forças. Quer a gente queira ou não, a bancada evangélica, ruralistas e cia representam setores da sociedade. Foram votados e merecem respeito. É sempre bom não esquecer como já ocorreu no passado.