Águas Congeladas da Inépcia
Por Ivenio Hermes
Confusão Generalizada
A situação da Segurança Pública no Brasil atingiu patamares absurdos, enquanto se prega a desmilitarização das polícias militares, alguns Estados possuem grupamentos táticos empregando técnicas e equipamentos militares nas polícias civis ao ponto de terem esse órgão, que deveria estar fazendo seu trabalho investigativo, realizando o ciclo completo de policiamento, isto é, também fazendo atividades de polícia ostensiva.
Ninguém sabe mais o que fazer com as atribuições dos policiais militares e civis, que agora integram uma força nacional quando sua área de ação seria o território de seu Estado, sendo utilizados pelo poder coercitivo da União como ferramenta de imposição de vontades políticas.
O policial militar vive sendo massacrado ao ser colocado para desempenhar funções que não suas, sendo visto como um vilão por policiais civis e de outras corporações que veem suas atribuições serem usurpadas.
A confusão generalizada de competência ocorre no âmbito interno dos órgãos que compõem o sistema de segurança. Há conflito de agentes com escrivães e destes com delegados, de praças com oficiais e destes com membros específicos do alto escalão.
Do Poder Judiciário são cobradas atitudes para resolver os problemas do Poder Executivo que irresponsavelmente não investe na capacitação policial e nem na ampliação dos efetivos para contrapor a demanda criminal que cada vez se assoberba em crescimento.
Um caos generalizado para um país que está às vésperas de sediar megaeventos.
Caos Estabelecido Cultural e Politicamente
Nesse cenário confuso ninguém sabe quem é quem. Qual polícia faz isso ou faz aquilo, a quem recorrer e quais situações. A legislação brasileira diz que ninguém pode se declarar desconhecedor das leis para alegar sua própria inocência, mas o próprio Estado causa uma confusão na mente daqueles que pouco acesso têm ao conhecimento.
Inclusive, muitos cidadãos brasileiros vivem em uma falsa certeza de que certas leis são verdadeiras, fruto da falta de investimento do Estado em uma educação de qualidade.
No que se refere às polícias, o que resta são as mentes confundidas do povo brasileiro que pensam que cenas estereotipadas dos filmes americanos são aplicáveis à realidade nacional. E a situação ainda piora quando alguns pensam serem críveis as situações ridículas envolvendo polícias criadas pela teledramaturgia brasileira nas novelas, cuja intenção é diminuir ou estigmatizar o policial.
E as novelas mexicanas contribuem para isso ao mostrar surrealismos atitudinais de policiais e personagens que de longe apresentam relação com a realidade brasileira.
A prática também promove o pandemônio. Nem mesmo os policiais sabem mais corretamente como devem agir, vítimas que são de cursos de formação desalinhados com o que é estabelecido pela matriz curricular da Secretaria Nacional de Segurança Pública – SENASP ou de longos períodos sem uma recapacitação, haja vista que a criminalidade evolui a passos largos enquanto o Poder Executivo de muitos estados está parado no tempo ou voltando ao passado, como é o caso do Rio Grande do Norte, que nada de concreto faz pela Segurança Pública.
Aliás, o Governo do Rio Grande do Norte vive na conveniência de se entrincheirar na Lei de Responsabilidade Fiscal para fugir de suas obrigações, relegando aos concursados das carreiras que compõem o sistema de segurança que busquem promover seu próprio ingresso ou ao Poder Judiciário que venha a dirimir conflitos que não existiriam em uma administração pública estadual competente e realmente preocupada com o povo e não com a manutenção de feudos políticos.
Acima da Lei
Há dez anos surgiu a Campanha Nacional do Desarmamento, prometendo redução da criminalidade e da violência. Uma promessa vazia que a despeito de todos os incentivos financeiros e recursos utilizados pelo governo somente recolheu pouco mais de meio milhão de armas, para falar com exatidão, 616.446, segundo registros oficiais.
E afirmo que foi um número insignificante diante do suposto número de armas nas mãos dos próprios agentes encarregados de aplicar a lei, como se conclui do recente episódio onde, em ações da Polícia Civil do Rio de Janeiro, policiais usaram armas de guerra de uso proibido pelas normas do Exército, como os fuzis de calibre 762 exclusivos das Forças Armadas e apenas em alguns casos permitidos para Grupos de Operações Especiais além do helicóptero de combate H1, de uso militar, que foi reciclado e cuja homologação para uso pela Agência Nacional de Aviação Civil – ANAC é questionável.
E uma piada de mau gosto e mortífera é que o número de armas de fogo legalizadas utilizadas em atos delituosos, principalmente em homicídios, é pífio. Mas quem precisa de armas legalizadas para o crime se a própria polícia dá um exemplo negativo?
Somado a isso, os índices oficiais do Ministério da Justiça mostram que nos últimos trinta anos o número de homicídios no país aumentou em 346%…
A existência de várias forças táticas nas polícias judiciárias e equipes de policiais militares exercendo função de agentes, de escrivães e de delegados, todos autorizados pelo Estado ou pelo Poder Judiciário, contribui para a ausência de uniformidade nas ações policiais. O planejamento estratégico que endossaria a realização do ciclo completo da atividade policial não tem como existir, afinal, quem o executaria com legitimidade?
Nessa anarquia de falta de responsabilidade do Poder Executivo, o Poder Judiciário recebe a carga de decidir, e o Estado se mantém confortavelmente inerte esperando que alguém faça seu trabalho. Assim é muito fácil afirmar que foi sua decisão não promover políticas públicas de segurança, e, quando sentenciado pelo mesmo Poder Judiciário a cumprir sua responsabilidade, impetra recurso como se fosse a própria vítima.
Pandemônio da Segurança
A vítima primária desse jogo de empurra-empurra, contudo, não são os gestores que sentam confortavelmente em seus ambientes refrigerados. As vítimas são os policiais e a sociedade que se vê refém dessa inação administrativa.
Ferindo o princípio da isonomia está o Estado que não cumpre as leis e nem as determinações judiciais. Se a legislação não é para todos então não há necessidade delas.
O desgastado artigo 144 da Constituição Federal de 1988 é interpretado em conformidade com a necessidade mais urgente devido ao abismo que existe entre o que o Estado deveria fazer e o que ele faz.
Enquanto a lei pesa sobre os menos favorecidos e alivia os detentores do poder, a segurança pública continua imersa nas águas congeladas da inépcia da gestão pública descomprometida com a sociedade em geral.