Pesquisa com Roberto Moura[1]
Por Ivenio Hermes
Uma Crise Hodierna
A Polícia Civil tem sido nosso objeto de estudo desde que aportamos em terras potiguares. Esse órgão sofre, em grande parte dos estados brasileiros, com o desleixo da gestão publica e que infelizmente também é praticado pelos próprios delegados, de quem a gestão interna é atribuição.
O Rio Grande do Norte além de não fugir à regra, os gestores usam seu poder da como meio de manter o status de alguns delegados em cargos de destaque.
Enquanto o cargo de gestão varia entre os delegados, cuja competência nem sempre é fator de relevância e sim seu grau de aceitação entre os outros ou sua simpatia junto ao gestor maior, as outras carreiras da Polícia Civil do RN ficam esquecidas.
O fator competência é que deveria ser utilizado e até a atual função de Delegado Geral deveria ser substituída por Superintendente, talvez, para dar a chance de membros de outras carreiras, cuja competência e nível de conhecimento superam em muito a dos delegados.
Os delegados, que já entrarem numa instituição de polícia exercendo a chefia, a maioria sem ter o menor conhecimento prático do trabalho, ficam confortáveis em sua posição e não buscam o aperfeiçoamento.
Seria a carreira única de polícia civil a solução para esse problema de gestão? Seria talvez a criação de um Conselho Superior de Polícia formado por número igual de policiais das três carreiras e todos concorrendo ao cargo de gestão como superintendente? Ou haveria uma proposta mais abrangente?
Observamos ainda, que dentre as carreiras de polícia civil no RN, atualmente a mais desgastada é a do Escrivão, que são inferiorizados pelos gestores, têm seus cargos usurpados por agentes e até policiais militares por determinação judicial e ainda sofrem com o espectro da subutilização por serem vistos como meros “escribas”, com ação policial limitada e com isso não recebem armamento, não podem participar de operações e são esquecidos na hora do reconhecimento pelos seus trabalhos.
A Voz do Escriba
Para entendermos melhor a situação do Escrivão de PC no Rio Grande do Norte, entrevistamos Roberto Moura, presidente da ASSESP/RN – Associação dos Escrivães de Polícia Civil do RN.
Ao invés de realizar perguntas e obter respostas diretas que nem sempre atendem ao objetivo de uma pesquisa, em nosso método de entrevistar, apresentamos ao Escrivão Roberto Moura situações/problema para que ele se posicionasse e assim, juntos, podermos formar um entendimento amplo do quadro demonstrado.
Situação I
No último sábado, o Juiz da Comarca de Pau dos Ferros, Dr. Rivaldo Pereira Neto, através de medida judicial, em deferimento ao pedido de liminar do Estado, determinou que o comandante do 7ª Batalhão de Polícia Militar devolvesse oitos policiais militares à Delegacia Regional de Pau dos Ferros, para exercerem a função de policiais civis.
O Juiz é enfático em reconhecer o desvio de função dos policiais militares atuando como agentes de polícia judiciária e que esta situação deveria ter sido equacionada com a convocação dos policiais civis em tempo oportuno. A decisão do Meritíssimo Juiz está embasada na violação de um direito fundamental de segunda geração, direito social à segurança e também por força do Art. 144 da CF/88 (constitui um dever do Estado e um direito de todos).
Entendimento
Temos acompanhado diuturnamente a onda de crimes que assola todo o RN, e certamente o fechamento da Delegacia Regional, neste momento seria um prejuízo e um despautério diante dessa verdadeira crise instalada na Segurança Pública. Que atitudes o Magistrado poderia tomar diante do caos? Ao menos a inércia não foi, o que não falta aos gestores estaduais. Foi uma medida polêmica? Sim, e não concordamos com a forma da determinação, pois certifica e não produz resultados em longo prazo e verdadeiramente efetivos.
PRIMEIRO: Os policiais militares não possuem qualificação para exercerem a atividade da Polícia Judiciária, fora o fato de estar ignorando o termo de acordo judicial que já existe no âmbito Estadual;
SEGUNDO: Dá margem ao Estado a continuar procrastinando a nomeação dos concursados da Polícia Civil que estão formados desde 2010, recordando que o concurso foi realizado exatamente para suprir a demanda que surgiu após a determinação da retirada de todos os PMs das Delegacias de Polícia.
De fato, houve um retrocesso. Mas pecar por omissão, isso o Magistrado não fez, numa atitude até corajosa, diante da repercussão negativa e denúncias que podem chegar até o CNJ, por parte do Sindicato. Realmente algo tinha que ser feito, o povo não merece pagar com a vida e com a falta de segurança, no entanto, acredito que a essa ação poderia ser mais eficaz se o Magistrado determinasse ao Estado, de forma EMERGENCIAL, o retorno dos Militares a Delegacia por um prazo determinado, forçando o Governo realizar a nomeação e posterior lotação dos Policiais Civis concursados para a Comarca e Regional, assim todos sairíamos ganhando, mas da forma que está, voltamos ao tempo do improviso e da “gambiarra”. O RN não merece isso.
Situação II
Nos dias atuais, onde a violência é crescente e o trabalho da Polícia Judiciária se avoluma nos cartórios das Delegacias. Contudo, existe um profissional, de competência e atribuições consideráveis que foi esquecido pelos gestores da Segurança Pública, O Escrivão de Polícia Civil.
O escrivão também é um policial civil e como tal está sujeito às intempéries da profissão. Até mesmo o ostracismo ao qual é jogado, não o considerando um verdadeiro guerreiro, torna a sua carreira pouco atrativa para os que estão do lado de fora do órgão e para ele pretendem fazer concurso.
A situação chegou a tal ponto que hoje esse servidor policial civil, procurado por muitos e relegado por todos, se transformou em material humano raro nas unidades policiais do Estado do Rio Grande do Norte.
A Polícia Militar e os agentes civis prendem em flagrante, cumprem mandados, realizam busca e apreensão, identificam testemunhas, mas o trabalho de formalizar essas ações de modo a se transformarem em provas documentais e posteriormente em Inquérito Policial é realizado pelo Escrivão.
Entendimento
O Escrivão de Polícia Civil é um profissional em extinção dentro da estrutura da Segurança Pública do RN, pois atualmente existem apenas 136 escrivães atuando em todo o Estado, e na maioria das Unidades Policiais encontramos apenas um Escrivão atuando no cartório, quando deveria existir no mínimo dois destes profissionais para formalizar os procedimentos da Polícia Judiciária.
O resultado dessa falta de profissionais do cartório é o estresse, doenças laborais, carga horária excessiva, afastamento da função, readaptação e em casos não raros, aposentadoria.
A Polícia Federal e alguns Estados da Federação têm realizado concursos exclusivamente para o preenchimento das vagas de Escrivão. Enquanto a Polícia do RN ainda espera a convocação dos concursados formados desde 2010. Nossa Polícia não tem condições de atender as demandas judiciais ou mesmo dar andamento aos milhares de inquéritos policiais nos cartórios das delegacias do Estado, sem a efetiva nomeação de todos os Escrivães, inclusive com um planejamento de um curso de formação para os suplentes do concurso, pois temos observado a evasão dos quadros da polícia daqueles que ingressam na carreira chegar a 40% ao se depararem com o grande desafio que é ser Escrivão de Polícia no RN.
Situação III
Sabemos que o cargo de Escrivão possui certa exigência em qualificação adicional, conhecimento estritamente técnico e principalmente vocação. Entretanto, num Estado como o Rio Grande do Norte onde as atribuições e competências policiais são confundidas e onde as pessoas nem fazem ideia da diferença entre polícia civil e polícia militar, o cargo de escrivão precisa de notoriedade para ser conhecido.
Reclusos às quatro paredes de uma delegacia e sem reconhecimento interno, o escrivão parece não ter suas atribuições devidamente divulgadas nem mesmo na corporação à qual pertence.
Entendimento
Para aqueles que desconhecem a carreira de servidor Policial Civil do RN, está é composta pelos seguintes cargos: Delegado, Agente e Escrivão, cujas atribuições são especificadas no Estatuto da Polícia Civil, Lei Complementar 270, de 13 de fevereiro de 2004.
Para se conhecer um pouco da responsabilidade do Escrivão, este possui 18 atribuições relacionadas no estatuto, contra 16 dos Delegados e 8 dos Agentes. Recordando que os proventos do Escrivão e Agente foram equiparados quando da promulgação do Estatuto.
Portanto, abaixo estão relacionadas as competências do Escrivão de Polícia Civil, conforme Estatuto.
Subseção I – Das Atribuições do Cargo de Escrivão da Polícia Civil
Art. 33. Compete ao Escrivão de Polícia Civil:
I – dar cumprimento às formalidades processuais, na lavratura de autos, termos, mandados e demais atos próprios do seu ofício definidos em lei;
II – lavrar autos de prisão em flagrante delito, autos de exibição e apreensão em flagrante delito e termos e boletins circunstanciados de ocorrência, quando determinado pela autoridade policial;
III – elaborar termos de entrega de objetos e valores apreendidos, de ordem da autoridade policial;
IV – reduzir a termo as declarações, os interrogatórios, os depoimentos, os autos de prisão em flagrante, as acareações, os reconhecimentos, as resistências, as reconstituições, os recolhimentos e outros procedimentos policiais assemelhados;
V – autuar, preparar e ordenar documentos e peças de inquéritos policiais e processos penais sob sua guarda, submetendo-os regularmente a despacho da autoridade policial;
VI – preparar ordens de serviço, mandados de intimação, mandados de condução coercitiva e demais documentos necessários às missões policiais de ordem da autoridade policial;
VII – ter sob a sua responsabilidade inquéritos policiais, termos circunstanciados de ocorrência, processos penais, além de quaisquer outros procedimentos policiais e penais que estejam sob a sua guarda; VIII – receber e recolher fianças, quando determinado pela autoridade policial;
IX – acondicionar, relacionar e etiquetar objetos, valores e coisas apreendidos;
X – expedir certidões, atestados e declarações, de ordem da autoridade policial;
XI – preparar ofícios, memorandos e outras espécies de documentos de comunicação administrativa, internos e externos;
XII – manter atualizada a escrituração de livros sob sua responsabilidade, procedendo às suas aberturas;
XIII – preencher mapas de controle de inquéritos, processos e boletins;
XIV – manter em perfeita ordem os arquivos, fichários e demais documentos sob sua responsabilidade;
XV – cumprir e fazer cumprir as ordens, normas e instruções emanadas de superior hierárquico;
XVI – prestar as informações requisitadas por superior hierárquico;
XVII – acompanhar, quando necessário, e em razão de sua condição funcional, a autoridade policial em diligência; e
XVIII – exercer outras atividades correlatas ao cargo.
Entendimento Final: A Extinção Iminente
Para solucionar a evasão, a falta de Escrivães, o afastamento de problemas de saúde, a não convocação dos concursados, os gestores encontraram uma solução bastante imprópria dentro das possibilidades jurídicas: a nomeação da figura do “Escrivão AD HOC”.
Observa-se, no entanto, que essa possibilidade jurídica existente no Código de Processo Penal:
Na falta ou impedimento do escrivão, qualquer pessoa designada pela Autoridade Policial lavrará o auto, depois de prestar o compromisso legal. Art. 305 do Código de Processo Penal
Essa “solução” que deveria funcionar de forma emergencial na formalização de depoimentos e interrogatórios, apenas como digitador, orientado pela Autoridade Policial, está se transformando numa prática perene e vem sendo utilizada de forma inapropriada em algumas cidades do interior, onde funcionários comissionados de municípios atuam como se Escrivão de carreira fosse.
Essa prática, que é de conhecimento público e cuja existência tem sido divulgada inclusive em diversos sites, é justificada pela falta de Escrivães de Polícia ao invés de ser solucionada com nomeações.
Para ser um Policial Escrivão é preciso ter um olhar técnico e jurídico, pois é comum este servidor policial formalizar os atos policiais sem a presença da Autoridade Policial, isto é, ele não é um mero digitador, é um agente da lei, um policial altamente qualificado.
Comparando a função do Escrivão de Polícia com a do Escrivão Judiciário, ambos têm a responsabilidade pela formalização dos procedimentos da polícia civil e judiciário, respectivamente. Daí ser notória a sobrecarga de atribuições e responsabilidades sobre os ombros do Escrivão de Polícia, uma vez que numa Vara Judicial, o Escrivão Judicial, hoje denominado Diretor de Secretaria, em sua tarefa de gerenciar o cartório e realizar suas outras competências conta com profissionais como Analista Judiciário, Técnicos Judiciários e Estagiários de Direito, além de toda uma estrutura física compatível com a dignidade e importância do cargo e do interesse público.
As atuais políticas adotadas pelos gestores da Segurança Pública no Rio Grande do Norte estão equivocadas. No caso específico do Escrivão de Polícia, um especialista de grande importância, esse erro é potencializado e faz com que o profissional de carreira viva em constante busca da sua valorização e dignidade.
Num dos polos onde se vislumbra uma Polícia Civil reerguida do limbo no qual ela foi atirada, se transformando então numa polícia eficiente, com índices aceitáveis de resolução de casos e celeridade nos Inquéritos Policiais. É urgente a adoção de ações gestoras estratégicas para resgatar o profissional Escrivão de Polícia, pois da forma como ele é tratado, o caminho será o caos já anunciado.
[1] Roberto Moura é escrivão de polícia civil do Rio Grande do Norte e presidente da Associação dos Escrivães de Polícia Civil/RN – ASSESP/RN