Escamotear os elementos fundamentais de um movimento e super valorizar fatos isolados são formas retóricas primárias de tentar retirar a legitimidade de uma atuação democrática, sem apresentar reais intenções. Li nas redes sociais (facebook e twitter) algumas pessoas questionando o fato de manifestantes da #RevoltadoBusão supostamente estarem escondendo os seus rostos, através do uso de capuz. “Quem só quer protestar não esconde o rosto”, falou um internauta numa mensagem de twitter.
Antes de iniciar minha argumentação gostaria de desmontar o sofisma pela simples questão quantitativa. Estive lá e acho que eu não consegui contar 20 pessoas encapuzadas das milhares que se fizeram presente. As imagens falam por si.
Apenas cinco rapazes, estudantes secundaristas (não bandidos), podem ser vistos com os rostos cobertos.
Mas é preciso atentar para outros elementos, se, de fato, há a intenção de discutir seriamente o tema, se o objetivo não for a mera desqualificação moral(ista). Me agrada crer que os agentes querem debater pautados em reflexões fundamentadas. Portanto, gostaria de tecer algumas explicações a respeito disso.
Usar um capuz não faz de ninguém, logo de saída, um criminoso. É imprescindível compreender o contexto e o sentido que a atividade ganha num cenário específico. Pegar a camisa e enrolá-la no rosto é prática consolidada em manifestações de rua. Isto porque, desde a década de 1960, tais ações foram marcadas por forte repressão policial. Daí o costume, nesses casos, de proteger a face para não ser fotografado pelo aparato de investigação do Estado. Foi assim no passado como é no presente, sobretudo nas condições de hoje em que estamos sempre sendo vigiados por câmeras (além dessa perspectiva funcional, Alyson Freire me lembrou do significado estético da prática).
Mulheres em protesto contra a política de Putin – Rússia
Protesto em favor das vítimas da ditadura chilena
Maio 68 – França
Não há nada de criminoso na indumentária. Mas você, caro leitor, pode alegar: não havia motivo para tanto no caso da #RevoltadoBusão. Afinal, vivemos numa democracia, não numa ditadura. Muita calma nessa hora (!). É fato que a polícia civil designou três delegados para investigar manifestantes da #RevoltadoBusão de 2012. Desde os protestos do ano passado policiais são posicionados com máquinas fotográficas durante às manifestações. Imagem foi publicada na época pelo blog do Daniel Dantas Lemos. Hoje, gente que, sequer, compareceu está sendo vítima de inquérito policial e processo na justiça (às vezes, apenas pelas suas twittadas…).
Veja o texto – O que resta da ditadura no RN: http://bitly.com/14PuXqk
Agora, me pergunto. Por que não questionar sobre o uso de capuz por parte de alguns policiais, que “atuaram” na #RevoltadoBusão? Por que os fotógrafos da imprensa imparcial do RN não registraram? Eles estavam lá em frente ao midway. Seria importante porque, em protesto, policial usa capuz com sentido diverso do empregado pelo manifestante. Geralmente, o mesmo capuz que está sendo usado para fazer “peripécias” na periferia. Mas falar de morte de pobre não gera patrocínio de sindicato patronal.
Veja essa realidade ignorada por quem condena capuz… de manifestante – O baculejo da periferia, http://bitly.com/10OO3Rs
MAIS UM FATO
Os manifestantes não levaram pedras para o protesto. Empunharam faixas. Não foram os cidadãos que se armaram até os dentes. Agora, ninguém é obrigado a levar bala de borracha, bombas e choques inerte. Esse tempo já passou.
REFLEXÃO
Se a polícia faz isso com manifestante na zona sul, em plena luz dos shoppings, me pergunto sobre o que ela anda aprontando em suas abordagens no escuro das periferias.