Confronto na Revolta do Busão

Elucubrações Sobre os Reais Culpados

Por Ivenio Hermes

Elucubração I

A manifestação promovida pelos estudantes indignados com o aumento do preço do transporte está sendo vista exatamente como os verdadeiros algozes da sociedade a querem: numa enxurrada de críticas aos participantes do movimento.

Todos se voltam para criticar e poucos se detêm em buscar entender o problema que está acontecendo por trás da cortina de fumaça gerada pelo gás lacrimogênio.

Uma manifestação que pretendia ser pacífica se torna teatro de horrores e é bombardeada por críticos que não conhecem ou fingem não conhecer os fundamentos da falta de insegurança que se promove no Rio Grande do Norte. E não conhecem porque não querem, não leem e nem buscam conversar com quem entende, ou pelo menos, se despirem de seus orgulhos pseudo intelectuais que incitam ao invés de promover a paz.

É fácil mentir apontando as falhas dos estudantes que foram conduzidos (induzidos) por pessoas mais influentes a agir contra a ordem pública imediata, é mais fácil ainda vilanizar a imagem do policial que já é historicamente desgastada, mas não é fácil apontar aqueles que ensejaram o conflito.

Elucubração II

Manifestações pacíficas não demandam qualquer reação policial. Contudo, é preciso lembrar que o direito de ir e vir precisa ser respeitado e para isso uma ordem judicial foi expedida para que esse direito fosse garantido. Ordem é coisa séria e só quem descumpre e sai ileso é o Governo do RN, se os policias a descumprissem, seriam certamente submetidos à corregedoria, que não os aliviaria.

Por isso, policiais federais e estaduais foram requisitados, pois poderia haver a obstrução de uma rodovia federal, a BR-101. Habituados com isso, os PRF’s inclusive buscaram agir da forma mais tranquila possível, nesse caso, aos manifestantes foi até franqueada a marginal da rodovia e parte dela.

O afunilamento da marcha ao chegar ao túnel era inevitável. A interdição da via, mesmo que temporária, pois os manifestantes pretendiam continuar a marcha, foi interpretada como ato prolongado e os policiais militares decidiram agir.

Seria uma hipocrisia dizer que os policiais não cometeram excessos, mas criticá-los somente é errado também. A partir do momento que eles sentiram a urgência em agir, uma reação moderada e proporcional foi esboçada, porém, habituados com a representação de vilões que os policias possuem e a de desordeiros que aos estudantes é atribuída, os limites legais foram extrapolados em ambos os lados e o conflito ocorreu.

Elucubração III

O fato merece uma análise sobre os aspecto do poder de polícia que o Estado possui, e nesse mister, o ditado popular já nos exorta: “dê poder para alguém e você conhecerá seu verdadeiro caráter”. Pois foi o verdadeiro caráter desses homens que foram investidos de poder que provocou todo esse distúrbio civil.

E não me refiro aos policiais e sim ao Conselho de Mobilidade Urbana de Natal que aprovou um reajuste de 9,09% no preço das passagens de ônibus e a prefeitura que acatou a decisão.

Observem que o conselho é formado por membros da sociedade civil com representantes estudantis, e foram eles que definiram o aumento alegando que estavam praticando um valor menor que a inflação de 15,54% acumulada nos últimos 28 meses sem levar em consideração que a maioria da população amarga no dissabor da diminuição gradual de seu poder aquisitivo. Vinte centavos pode parecer pouco para eles, mas é muito para a maioria.

Foi a maioria dos vereadores de Natal que autorizou o aumento e o prefeito quem sancionou o ato. Esses representantes do povo que aumentam seus próprios salários e o de prefeito:

• Vereadores passam a ganhar R$ 18 mil na próxima legislatura.

• O subsídio do prefeito foi fixado em R$ 25 mil. O salário atual é de R$ 14 mil.

• Para o vice-prefeito R$ 20 mil.

Vinte centavos não fazem diferença para eles.

Comparado com outras capitais, é o segundo maior salário, fica perdendo somente por apenas R$ 13,00 para os parlamentares cariocas, entretanto, Natal possui quase oito vezes menos habitantes do que o Rio de Janeiro.

O custo anual do vereador em Natal é de R$ 2.209.286,00, contra R$ 7.817.269,00 do legislador do Rio de Janeiro, segundo levantamento feito pela ONG Transparência Brasil.

Muito confortável nessa posição, esquecer quem os colocou no poder e depois ficar de longe observando o conflito entre policiais e manifestantes. É o poder manifestando o caráter adormecido.

Elucubração IV

Agora fica fácil culpar policiais e manifestantes. Os algozes e as vítimas.
O poder deles é diminuto diante do poder daquele que autoriza o aumento das passagens quando há tempos ninguém recebe aumento nesse país.

Esses sim são perigosos, da atitude deles derivam-se ações:

1- O Poder Judiciário determina que as polícias não permitam a interrupção do trânsito nas rodovias e garantam o direito de ir e vir;

2- A Polícia monta seu aparato para fazer cumprir a lei;

3- Os manifestantes veem na polícia a representação do poder daqueles que os oprimem em primeiro lugar (os que assinaram a autorização do aumento);

4- Existe uma rivalidade histórica entre policiais e o povo que nessa hora se exacerba;

5- Resultado previsível: desentendimento e confronto.

Elucubração V

Chega de apontar somente culpados imediatos, chega de execrar as polícias e aumentar o antagonismo que já existe entre elas e a população, chega de estigmatizar jovens e estudantes ou quaisquer outros manifestantes como baderneiros e incitadores da desordem.

Presume-se que as polícias envolvidas, mais propriamente a Polícia Militar, sejam treinadas para atuar em operações de controle de distúrbio civil, assim como também se presume que os manifestantes estão cientes de que devem agir com respeito ao direito de todos. O desequilíbrio gerado pelo equívoco nessas alegações é desastroso.

O Conselho de Mobilidade Urbana de Natal, os vereadores que pactuaram com esse aumento na tarifa do transporte e a prefeitura que o sancionou, esses sim são os verdadeiros vilões que agem na medida de sua conveniência para aprovar leis que desrespeitam aqueles que os elegeram.

Virem o foco da acusação para os lobistas dos governos que fazem todo tipo de conchavo para que seus interesses sejam atendidos, como aprovar o absurdo do próprio aumento de salário. São eles que aprovam a todo custo interdição das vias para o Carnatal, enviando inclusive a polícia para garantir o evento e proíbem uma passeata usando a policia para garantir a proibição.

Eles merecem as bordoadas dos policiais e os impropérios dos manifestantes.