Tersiversar sobre se o povo soberano pode ou não fazer protesto numa democracia é como questionar se o dono de uma casa pode pintar as paredes de azul. Não é possível chamar isso de debate porque não há, verdadeiramente, uma questão minimamente coerente que permita, sequer, o início da discussão.
Porém, mais uma vez, os empresários do setor de transporte público, alimentados por uma visão coronelesca e não aprendendo com os próprios erros, cometem suas imposturas geradoras de um ambiente bisonho, que era evitável. O seturn entrou na justiça, para conseguir liminar contra a efetivação do protesto de hoje, que vai acontecer às 17 horas, na parada do circular da UFRN, vizinho ao Shopping Via Direta.
Não achando pouco, ainda solicitou o envio de força policial para o local.
É óbvio – evidente e escancarado – que a medida vai acirrar os ânimos e desencadear uma onda de questionamentos nas redes sociais, durante o protesto e deslegitimar órgãos envolvidos.
A história ensina bastante e é sempre relevante analisar o presente à luz do passado. Durante o #ForaMicarla, uma jornalista de credibilidade questionável alegou que haveria uma briga entre torcidas no momento do protesto. Aquela manifestação foi a que atingiu a maior quantidade de participantes.
Mais. O Seturn coloca a Prefeitura numa saia justa, pois os estudantes alegam que há movimentação conjunta e o fato será gerador de pauta para a oposição, que não quer nem um pé para começar a falar.
Enfim, Seturn tenta apagar incêndio com gasolina.
Acho que vai dar certo.
CASCATA
A liminar pede para que a polícia rodoviária federal e federal impeçam o fechamento da BR 101 e garantam a integridade dos funcionários das empresas de ônibus, como se alguém fosse atentar contra a condição física e psicológica de alguém.
Estudantes, me desculpe a redudância, estudam e sabem que funcionário não tem nada a ver com a elevação de uma tarifa.
Para que, então, pedir que a polícia proteja os trabalhadores? Ora, só para alegar que se trata de protesto ilegítimo e violento (o que os envolvidos ressaltam é que será uma manifestação pacífica).
Mas cabe lembrar: nos protestos anteriores, saíram feridos os estudantes, que também são cidadãos e que a polícia deve proteger e não bater.
Trabalhadores, sindicatos e associações se farão presentes, mas para criticar o aumento e não para defender o Seturn.
O tempo das ditaduras já passou.
SISTEMA
Enquanto não existir um sistema claro que justifique a concessão dos aumentos, tais crises irão ocorrer com frequência.
Daí a importância da licitação para “zerar” tudo, estabelecer critérios objetivos de acompanhamento da regulação de um serviço público que é explorado com permissão da prefeitura pelas empresas do ramo e gerar controle social e por parte do poder público – conselho gestor de fato representativo e construção mais transparente e constante da planilha.
Enquanto isso não ocorrer, o usuário de ônibus não se sentirá contemplado pelo transporte oferecido e pela regulação feita pela Prefeitura e conselho de mobilidade.
No fim, estão complicando algo que poderia ser resolvido de uma outra forma, reconhecendo o movimento e chamando-o para um amplo debate sobre o que significa transporte público de qualidade. A prefeitura, a cidade e, se brincar, até o Seturn sairiam fortalecidos.
Mas a linha adotada de (falta de) conversação é insustentável.
Falta estratégia política para tornar o contexto adverso numa situação positiva de maior legitimidade. Melhor. Há uma carência de ações de diálogo fundadas numa visão mais participativa e democrática.
O tempo do conformismo em Natal já passou e todo mundo precisa entender, de uma vez por todas, o que está estampado nos nossos rostos.
AVISO
Organizadores do evento e simpatizantes lembram que, se alguém estiver com a intenção de tomar qualquer atitude de violência, nem compareça: protesto será pacífico.