Publicado originalmente no No Minuto
Mal informada pela mídia, pela polícia e pelos governos, a opinião pública, principalmente no Brasil, olha para o lado na questão das drogas. Ainda mais agora que uma força conservadora, quase incontrolável, varre o debate público.
A opinião pública olha para os consumidores de crack nas craquolândias Brasil afora. Olha também para o pequeno traficante, muitas vezes funcionário subalterno da indústria das drogas. Aliás, não raro, celebra a morte desses bandidos.
Por que eu digo que olha errado?
O tráfico de drogas é o negócio mais rentável do mundo contemporâneo. Movimenta, segundo a ONU, a bagatela de US$ 400 bilhões ao ano. Somente esse dado vale a pergunta que eu ouvi, a primeira vez, ser feita pelo advogado Marcos Dionísio Medeiros Caldas: Com um negócio tão lucrativo, quem é capaz de acreditar que o dono do tráfico continue morando nas favelas? Em outras palavras: numa indústria de cifras tão bilionárias é ingenuidade acreditar que gente como Fernandinho Beira-Mar, por exemplo, ocupe posição de relevo na organização.
Os donos do tráfico moram nos endereços chiques de nossas cidades. E posam de homens de bem – possivelmente daqueles que defende a pena de morte para o pequeno criminoso que cometeu um crime contra a vida ou contra o patrimônio privado.
Inúmeros bancos sobreviveram à bancarrota da crise mundial porque são usados no maquinário de lavagem de dinheiro do crime organizado global, mostra o jornalista italiano Roberto Saviano na edição de Carta Capital desta semana.
A matéria de capa dessa edição de Carta Capital, em um texto muito bom, aborda – e defende – a descriminalização das drogas. Comprova, com muitos exemplos, que a descriminalização das drogas sufocaria, inevitavelmente, a participação do crime organizado internacional no negócio – com evidente diminuição da violência. Os números internacionais mostram, inclusive, que ao contrário do que afirma o discurso conservador, as experiências de controle e liberação de comércio e consumo de drogas leves diminuem a incidência de drogas pesadas entre os usuários. Além de reduzir os números de doenças como AIDS e, é claro, o número de presidiários.
Além disso, mostra como é muito mais eficiente, no enfrentamento da questão, as políticas de redução de danos que as posturas repressivas. Aliás, lembra bem a matéria de Willian Vieira, o tratamento do usuário deveria ser questão de saúde, não de polícia.
O governo federal lançou, ano passado, o programa “Crack, É possível vencer”. Prevê o gasto de R$ 4 bilhões – inclusive adquirindo armas de choque e treinando policiais para o seu uso.
Olhamos para o lado errado. Por isso, nos submetemos a transferir recursos para “comunidades terapêuticas” tratarem dependentes, ao invés de investirmos na capacitação e melhoria da rede de saúde, como os CAPS AD, para um tratamento adequado à questão.
Esta semana surgiu em minha timeline do twitter um apelo para que a sociedade faça algo urgente sobre o crack. Se depender de como vem sendo informada nossa opinião pública, não há futuro: qual sociedade vai se preocupar com um enfrentamento adequado da dependência química se é essa sociedade que aplaude o extermínio de usuários ou sua internação compulsória?
Não, não queremos lidar com a questão do crack ou de qualquer droga. Queremos excluir de nosso campo de visão os usuários e os problemas que causam.
P.S.: Em Goiânia, um grupo de extermínio tem executado moradores de rua. A polícia não investiga adequadamente porque já encontrou a razão das mortes: consumo de drogas e dívidas com traficantes. A polícia potiguar se comporta de igual modo: qualquer morte com sinais de execução se transforma em acerto de contas com tráfico. Desse modo, a sociedade se dá por satisfeita (afinal, em sua visão, consumidor morto é menos crime na cidade), a imprensa esquece o caso e a polícia se furta a investigar, de verdade, as mortes.
Isso prova que não estamos preocupados com o impacto negativo das drogas: queremos limpar nosso campo de visão dos usuários. Bom que estes sejam mortos ou internados compulsoriamente.