Search
Close this search box.

O ESTADO MÍNIMO E O NU

Compartilhar conteúdo:

Do Blog do lordedaniel.blogspot.com

Por Alan Lacerda, Professor do Departamento de Políticas Públicas da UFRN

 

trote1Muito se fala sobre as restrições libertárias ao papel do Estado como redistribuidor de renda. De fato, para a direita libertária, ao forçar via taxação que as pessoas paguem para ajudar outras, o Estado está efetivamente violando direitos individuais. Não é que seja indesejável que os mais ricos ajudem os mais pobres – eles podem fazê-lo e isso seria até moralmente desejável. Mas tal conduta não pode surgir da coerção estatal. Se as pessoas que em um dado momento são ricas obtiveram seus recursos sem violar os direitos de outrem, em trocas voluntárias de mercado, é imoral na visão libertária que elas sejam obrigadas a ajudar os mais pobres.

Reconhecendo que haveria grande instabilidade no cumprimento das normas informais de justiça se cada cidadão as interpretasse a seu modo, autores libertários como Robert Nozick terminam por reconhecer a necessidade do Estado. Mas o que tal entidade poderia fazer, e para que fins ela poderia cobrar impostos dos cidadãos, sem violar direitos individuais? A resposta é: para proteger as pessoas e suas propriedades da agressão externa e da predação mútua entre elas próprias. Tal entidade buscaria basicamente proteger as pessoas contra a fraude, a coerção e o roubo, salvaguardando contratos. Suas instituições compreenderiam somente a polícia, o Judiciário e as Forças Armadas – uma reduzida burocracia e parlamento limitado completariam o quadro no máximo. Ou seja, o Estado cumpriria apenas aquelas funções que a iniciativa privada não poderia em nenhuma hipótese assumir para si sem grande risco aos direitos dos cidadãos. Essa é a base para a defesa do Estado mínimo, uma das mais famosas e fascinantes invenções da filosofia política.

imagesEm alguns aspectos, o código legal do Estado mínimo seria praticamente idêntico ao de muitos Estados existentes. Ele certamente proibiria, por exemplo, o ato de fumar em locais públicos fechados, assim como a ingestão de bebidas alcoólicas antes de dirigir veículos, pois tais comportamentos afetam negativamente o direito à saúde e à vida das outras pessoas. Por outro lado, o Estado mínimo jamais interferiria na vida das pessoas com o intuito de melhorá-las (paternalismo) ou de torná-las mais virtuosas de acordo com algum padrão moral social. Seu código legal seria silente em relação ao consumo de drogas em locais privados e abertos, e a hábitos sexuais voluntários como a pornografia, a homossexualidade e a prostituição. Cidadãos poderiam, inclusive, fazer sexo nas ruas sem nenhum impedimento legal.

O Estado mínimo proibiria o nu artístico em locais públicos? Certamente não, pois essa conduta não viola os direitos dos outros e ninguém poderia impor sua própria concepção de pudor. A discussão vem muito a propósito no caso da UFRN, onde três atos deste cariz ocorreram recentemente, com motivações variando desde protestos vagamente anticapitalistas a expressões artísticas de “liberação do corpo”. Sem querer entrar no mérito de se a instituição deve ou não agir para coibir essas práticas, noto que a existência de um agente pagador público torna possível questioná-las na sua base. A UFRN só existe, afinal, por conta de recursos retirados involuntariamente dos contribuintes, a partir de demandas justificadas em nome da coletividade. Como esta coletividade possui de maneira majoritária concepções de pudor contrárias ao nu artístico em público, não seria necessariamente absurda a inferência de que a cessão dos recursos fiscais só possa ocorrer sob a condição de que tais atos sejam vedados na universidade. A mesma dificuldade, que não é meramente legal, ocorre também no caso do consumo da maconha em locais públicos.

Não deixa de ser irônico que uma utopia de direita garantiria com mais solidez o que as esquerdas antiproibicionistas da UFRN parecem tanto desejar no campo da conduta pessoal, usando outras teorias.