Por Jussasra Galhardo
(Antropóloga e Coordenadora do Grupo Paraupaba – Museu Câmara Cascudo/UFRN)
Nesses últimos dias acompanhamos pela televisão cenas protagonizadas pelos povos indígenas do Brasil ao entrarem com suas danças e cantos rituais pelo meio do plenário no Congresso Nacional, assustando e colocando em pânico homens que deveriam estar representando os interesses do povo, mas que correram de medo. Por quê? Há um ditado que diz: “quem não deve, não teme”. Mas, nesse caso, os covardes devem e muito, e eles sabem disso.
Os homens do poder correram ao verem os representantes indígenas avançarem no salão do plenário, enfrentando a forte barreira de segurança para poderem falar e serem ouvidos. Será mesmo a “casa do povo”? Tudo indica que não!
A questão territorial dos povos indígenas tem longa data. Iniciou com a invasão dos primeiros europeus nas Américas há mais de 500 anos e hoje esse legado continua por seus sucessores como maldição contra os povos originários. Se antes precisavam de armas e canhões para dizimar milhares de vidas e roubar-lhes as terras, hoje existe a lei e seus dispositivos que podem favorecer esses algozes, pois são eles que estão no poder.
Os ataques partem do governo e do Congresso Nacional e a nova ameaça tem nome: PEC 215, que é uma proposta de emenda constitucional, que na verdade é anticonstitucional. Caso seja aprovada, se transfere do poder executivo para o legislativo o poder de aprovar e demarcar terras indígenas, unidades de conservação e de expedir títulos de terras de quilombolas. Se antes estava mal, agora são cenas de filme de terror a que assistimos indignados e estupefatos. Como se permite a violação de direitos constitucionais dessa forma tão absurda?! Como se entrega assim, aos lobos, a missão de cuidar dos cordeiros? Inenarrável.
Como se não bastasse, a Portaria 303 da AGU (Advocacia Geral da União) vem coroar o anticonstitucionalismo autorizado, permitindo que até terras já demarcadas possam ser revistas, bastando para isso que essa cambada de ambiciosos possa explorar algo que considere importante para o seu próprio “desenvolvimento”, mesmo que signifique a morte e destruição de povos, culturas e o fim de extensões ínfimas de reservas naturais, para as quais os indígenas têm um papel importante como guardiões da natureza e de todo o ecossistema.
Ainda para completar, a mídia, em geral, não ajuda. Noticia sobre “pedágios” que os indígenas estariam cobrando para motoristas que passam por dentro de suas terras, como um pequeno detalhe que ganha magnitude e, assim, possa justificar à população todo o mal perpetrado contra os povos indígenas há séculos. Um absurdo!
No Rio Grande do Norte, a situação não é diferente. Grupos indígenas ignorados e silenciados pelos discursos oficiais das elites políticas hoje superam as barreiras da indiferença e do descaso, protagonizando suas reivindicações, exigindo seus direitos diferenciados e o respeito à sua identidade indígena perante as instituições governamentais e à sociedade civil.
A questão de terras também é motivo de conflitos e de revolta, a exemplo da demanda dos Potyguara de Sagi-Baía Formosa, cuja terra – Aldeia Trabanda – está sendo alvo de especulação imobiliária. Terra tradicionalmente ocupada e responsável pela sustentação de inúmeras famílias com seus roçados, árvores frutíferas e até um cemitério onde estão seus parentes. Agora tudo está ameaçado por interesses particulares que encontram amparo na lei estadual. Mas, graças ao movimento de resistência indígena e de instituições parceiras, a questão está tramitando na alçada federal. Resta esperar os novos desdobramentos dessa batalha.
A lição como sempre parte dos guerreiros indígenas. Suas lutas e modo de vida foram, inclusive, inspiração dos ideais que levantaram a bandeira da Revolução Francesa. Já está na hora de a cambada de corruptos e enganadores correrem amedrontados, pois se não representam os anseios e os interesses do povo, para que ainda estão lá?