Publicado originalmente no Portal No Minuto
Imparcialidade e neutralidade são duas palavras muito afeitas ao campo jornalístico. Próximas a uma visão objetivada e positivista do jornalismo, surgida no contexto do desenvolvimento de um modelo norte-americano da profissão – difundido mundo afora.
Nessa visão, o jornalismo foi pensado, em seus formatos e regras, na mesma dimensão das ciências exatas em explosão no fim do século XIX. Desse modo, a atividade profissional foi imaginada como que representando fiel e objetivamente a realidade dos fatos.
O pesquisador português Nelson Traquina, uma das referências contemporâneas no estudo do jornalismo, disse certa vez em uma aula na UFRN que quem entende de “realidade dos fatos” é gastroenterologista.
Por isso mesmo, ele é um dos que contribuiu, no Brasil, para que percebêssemos que essa primeira corrente teórica do jornalismo (Teoria do Espelho) é, na verdade, um constructo ideológico. É a ideologia do jornalismo, na sua tentativa de se afirmar como importante, relevante, etc, que afirma que o campo reflete a realidade com imparcialidade e neutralidade.
Eu, no entanto, costumo dizer a meus alunos que as noções de imparcialidade e neutralidade deveriam ser jogadas no lixo do campo jornalístico. Imparcialidade e neutralidade são construções ideológicas. Ao enunciar qualquer texto ou discurso, o sujeito já se posiciona quanto a ele. Não existe, portanto, discurso neutro ou imparcial. Falar é tomar um lado, valorar um contexto ou uma posição, pondo no chão qualquer tentativa de neutralidade ou imparcialidade – que não funcionam sequer como objetivos ou utopias.
O objetivo e a utopia são o tratamento ético, coerente e de acordo com o arcabouço ferramental do jornalismo. Sem fingir incoerentemente que nem o veículo nem o jornalismo tem lado.
É por isso que logo de início também deixo claro a todos os alunos – e acredito que o fazem todos os professores de jornalismo – que a vida profissional costuma se submeter à linha editorial (ou seja, à visão de mundo e à ideologia) do jornal, da tevê ou do portal que o contrata. A não ser que o jornalista prescinda de ser empregado de alguém, o seu posicionamento emitido – parcial e ideologicamente – vai, às vezes, pouco corresponder ao que ele pensa, reafirmando as posições ideológicas e a visão do mundo do padrão.
A luta pela democratização da mídia e pela mais ampla liberdade de expressão, por isso mesmo, passa pela luta para que seja garantido um tratamento ético e dentro das regras profissionais a toda informação e toda notícia. Além disso, deve significar, também, a garantia ao direito de livre expressão individual a todo sujeito e/ou movimento social – seja no acesso ao espectro da radiodifusão seja, por exemplo, na liberdade e neutralidade da Internet.
Por isso, fundamental para democracia, a democratização da comunicação deveria ser a luta de todos.