— Você tem percebido ultimamente, pergunta a amiga sentada à direita, como está difícil encontrar pessoas interessantes nesse setor?
— Como conhecer alguém interessante aqui? Os mais autênticos espaços de convivência estão sendo negligenciados. Tiraram os bancos da pracinha da ADURN. Agora os espaços de convivência devem ser iluminados, vigiados, monitorados por câmeras, seguranças.
— Qual o problema? Limparam a sujeira apenas.
— Sujo está agora depois dessa higienização. Olhe para esse prédio novo com essas celas de aula e seus corredores de penitenciária, vê? O que são senão um campo de concentração do conhecimento institucionalizado. O totalitarismo técnico-burocrático dominou o setor.
— Claro, já sei amiga, não precisa falar. Você agora vai dizer que o establishment da nova ordem mundial tomou conta da universidade e precisamos ocupar a reitoria, afinal de contas, temos uma reitora neonazista cuja principal agente é a dona da cantina do setor dois. Acertei?
— Falo sério Simone, essa universidade está se tornando a queridinha do MEC no Nordeste.
— Isso é ruim Lou?
— Em certa medida sim. Interessa ao Ministério tão somente os centros de excelência, os papa editais, os que sabem jogar o joguinho. Estamos jogando bem. Tão bem que houve uma necessidade de nos livrar dos “indesejáveis“, de alguns alienígenas das humanas, aqueles que não fazem distinção entre conhecimento e vida, que encaram a universidade como um local de vivências, mais do que aprendizado. Esses não pontuam no jogo, esses são maus jogadores, por isso, estão sendo evitados por uma instituição cada vez mais ávida por recursos. Acontece que esses são os interessantes, porque são mais do que operários das ciências humanas, são humanos livres.
— Esses tipos podem até ser interessantes de início, Simone, mas depois que começam a idealizar tudo, a transformar qualquer situação em uma tragédia shakespeariana ou em um romance revolucionário, transformam-se em meninos. Tenha certeza, todos eles apresentam o mesmo lugar comum, vendem-se como heróis. O tempo todo, nas mínimas atitudes, nos pequenos gestos, sempre com aquela áurea vermelha em torno da cabeça. Sempre com um gesto previsível, um discurso decorado, uma ideologia que se confunde com moral.
— O que prefere então? Os tipos do setor um? Aqueles com ar de aristocrata de classe média. Os centauros metade liberal anglicano, metade jurista romano? Os arautos da ordem, os porta-vozes do rebanho, os que lutam pelo direito de serem previsíveis? Esses não são heróis também? Por acaso não são mais previsíveis ainda? Guardiões da mesma moralidade provinciana, sempre se julgando melhor do que são. Geralmente não são nada, quando muito são pouca coisa.