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Poder de Vida e de Morte

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Poder de Vida e de Morte 00Crimes de Gaveta: O Ciclo da Impunidade (Parte 03)

Por Ivenio Hermes

O Poder Divino

Em todo o Estado Mamute pessoas são assassinadas em nome de um poder maior, aquele capaz de decidir sobre a vida e a morte das pessoas, aquele que seleciona quem pode permanecer na terra e que decide quem deve ter sua existência cessada pelo poder de fogo daqueles que portam armas “a serviço da lei.”

Os grupos de extermínio se desenvolvem alicerçados na mesma pedra fundamental que motiva os criminosos e causa descrédito nos órgãos policiais: a impunidade alarmante.

As vítimas desse ato de um Poder Divino estão distribuídas em todas as camadas sociais, predominantemente jovens e que tem geralmente uma única linha tangente nos círculos da vida, o fato de terem teoricamente desobedecido às ordens emanadas dos agentes da autoridade policial! Contudo, mesmo sendo reduzidas ao singelo grupo, outras vítimas são geradas pela falta de justiça e pelo medo da morte, pois sendo presas da falta de objetividade das investigações de uma polícia judiciária enfraquecida, se veem à mercê de seus próprios meios de defesa e de promoção da justiça.

É o perigo da insegurança e da percepção da falta de justiça, levando o homem de volta à barbárie, alguns buscando lutar contra o poder divino de vida e morte falsamente atribuído a outros humanos, que cometem mais crimes cheios da sensação de impunidade que parece lhes conceder tal poder.

O estado mais básico de sobrevivência está de volta: a lei do mais forte.

Poder de Vida e de Morte 02As Ações de Extermínio

Em vários estados brasileiros existe a presença de outra modalidade de crime conhecida pela ação de grupos de extermínio, geralmente atribuído a policiais militares impelidos por uma falsa sensação de estar impondo a justiça que não decorre dos meios normais.

As ações desses grupos vitimam jovens de baixa renda pertencentes às minorias estigmatizadas pela falta de recursos, contudo, sua ação vai além desses grupos.

Embora a realidade brasileira contemporânea fuja do modus operandis que formou os grupos de extermínio, pois os antigos Esquadrões da Morte eram legitimados pelo poder político vigente, hoje, a motivação se origina nas seguintes bases:

  1. Controle de proliferação: declaração de morte aos grupos socioeconômicos indesejáveis, a morte como meio de acabar com os pobres e miseráveis, que uma vez marginalizados pela sociedade e pela falta de políticas públicas visando à condição futura de cidadão mais bem formados culturalmente. Essa ação excludente fomenta uma visão distorcida do tecido social, geradora de potenciais marginais e criminosos que precisam ser exterminados antes que venham a existir;

  2. Recurso de poderosos: membros honrados da sociedade (comerciantes, políticos, detentores do poder judiciário, atores do poder executivo e outros) que financiam com recursos, a impunidade e a defesa dos membros desses grupos, pois eles são seu recurso para defender seus interesses, mascarados pela alegação de que estariam agindo em defesa da sociedade;

  3. Ação desviante dos Encarregados de Aplicar a Lei: motivados pelo poder que lhes é atribuído, os atores policiais agem em busca de aplicar a justiça, pois deixaram de acreditar nas instituições judiciais e se intitulam portadores do estandarte da justiça rápida e propagadora do medo entre os denominados criminosos.

Qualquer que seja a motivação inicial, o “animus puniendis” desses grupos de justiceiros, sua ação criminosa, motivada pela impunidade ou pelo mimetismo de estar entre a força do bem, os leva ao ganho próprio, ou seja, a utilização da mesma ferramenta antes usada para destruir o marginal potencial, agora visando recompensas financeiras às quais logo se habituam.

São as ações do extermínio se voltando para lucro e levando o antes aplicador da lei, a se tornar um falso aplicador de justiça, prontos para serem usados pelas mãos dos detentores de um poder ainda maior.

Poder de Vida e de Morte 03O Palco Potiguar

No Rio Grande do Norte, como em alguns outros estados, existe ainda a parcela de conivência da Administração Pública em não adotar o planejamento estratégico para criar políticas públicas de segurança que visem o fortalecimento do aparato investigativo, cuja lacuna é preenchida pela ação de investigação do Ministério Público.

Essa fragilização dos seguimentos investigativos (polícia judiciária e polícia científica) é basilar na propagação das ações dos esquadrões da morte hodiernos, que é o real motivador da impunidade.

O círculo interminável da impunidade nas terras potiguares se apresenta da seguinte forma:

  1. A vítima busca sua própria proteção quando a polícia falha em prender seus agressores, e numa constante convivência com novas ameaças, adquire meios (armas) de se defender. Numa situação de confronto, ela mata o agressor e como o faz de forma “desajeitada e amadora”, é logo presa e se torna parte da população carcerária;

  2. Os familiares das vítimas buscam satisfazer sua justiça através da “vendeta”, cujo sentimento de hostilidade semelhante ao existente entre famílias inimigas, inicia atos de vingança recíproca, num levante de aniquilação que se torna até tradicional e marca data para o fim deste ou daquele membro da família;

  3. Instada a testemunhar contra seus algozes, a vítima ou aqueles que ousaram enxergar algum crime e foram arroladas como testemunhas, veem-se desprotegidas pela falta de celeridade no andamento do processo, seja ele derivado da demora da conclusão da fase inquisitorial da polícia investigativa ou, seja ele decorrente da lenta apuração ocorrida do julgamento ou da sentença. (ver artigo As Operações Estagnadas)

É claro que a generalização deixa de apresentar casos mais individualizados, mas os três exemplos acima são o suficiente para o entendimento do flagelo potiguar.

Em face do cotejo dos tipos de crimes que ocorrerem no Rio Grande do Norte, qualquer indivíduo inserido nos grupos acima apresenta a desculpa perfeita para o extermínio. Cada corpo encontrado, cada homicídio sem culpado e sem a arma do crime, é logo parcializado em algumas “classificações”. Observe algumas:

  1. Vítima era traficante ou viciada em drogas (na verdade ela foi aliciada pelo tráfico que proporcionou a ela os meios para conquistar a justiça);

  2. Vítima era um criminoso contumaz (de fato, a vítima apenas buscou se defender de seus perseguidores e acabou por cometer um crime de igual ou maior potencial penal);

  3. Vítima em fuga imediata de uma ação policial (o medo de uma polícia que pode ser a face do próprio criminoso, exagera o temor de ser parado numa blitz, de ser fiscalizado durante a noite ou de temer repercussões exacerbadas de uma infração de trânsito, faz de qualquer pessoa uma vítima potencial de uma ação de extermínio);

  4. Vítima era fugitivo da polícia (ocorre que alguns estavam apenas se escondendo da ação policial desviante).

Seja qual for a classificação, mesma as não elencadas acima, nenhuma atitude policial que vise a aplicação direta da justiça, fazendo do encarregado de aplicar lei se confunda com o papel de perseguidor, julgador e aplicador de pena (ainda mais a pena de morte) é motivo suficiente para a prática de um crime.

Poder de Vida e de Morte 01A Navalha na Carne

Embora seja uma ação dolorida, principalmente entre os dignos agentes da lei que andam pelos caminhos corretos de suas competência, a ação de extirpar esse mal do seio das instituições é muito necessária.

Retirar um policial criminoso do seio da instituição é como um golpe de navalha na carne, que fere e sangra, contudo, é melhor do que a sensação de insegurança cada vez maior, que faz o próprio policial temer a outro, daí se conclui que o medo sentido pela população é substancialmente maior. Esse medo traz prejuízos enormes para a sociedade, pois ele descaracteriza a nobre missão de “proteger e servir” inerente da atividade policial.

Essa ação de proteção e de servir não pode discriminar fatores socioeconômicos, culturais, étnicos, religiosos, nem qualquer outro que estigmatize as minorias hipossuficientes.

Forças Tarefas contra os grupos de extermínio devem ser profundamente implantadas e disseminadas em todo Brasil e no Estado do Rio Grande do Norte, deve penetrar mais fundo na zona norte de Natal e na região do Seridó, onde características da atuação desses grupos são muito comuns.

A sociedade potiguar aguarda melhores políticas públicas de segurança em todas as esferas de competência, enquanto isso não ocorre, somente resta ao cidadão à fuga, ou a religião, ou a conformação ou a revolta ao ver seu direito fundamental subestimado pelos gestores que deveriam ser os primeiros a mantê-los em contínua promoção.

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CONSULTORES ESPECIAIS DESSE ARTIGO:

Henrique Baltazar Vilar dos Santos. Exmo. Sr. Juiz de Direito, especialista em direito processual civil e penal e MBA em gestão judiciária.

Marcos Dionísio Medeiros Caldas. Advogado, Presidente do Conselho Estadual de Direitos Humanos (RN) e da Coordenação do Comitê Popular Copa 2014 – Natal.

Cezar Alves de Lima. Jornalista e fotojornalista do Jornal O Dia, com atuação no Oeste do Rio Grande do Norte.

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REFERÊNCIAS:

CRUZ-NETO, O. & MINAYO, M. C. S. Extermination of Humans: Violation and Vulgarization of Life. Cad. Saúde Públ., Rio de Janeiro, 10 (supplement 1): 199-212, 1994.

LIMA, Cezar Alves de; HERMES, Ivenio; SANTOS, Henrique Baltazar Vilar. Compêndio de Anotações e Entrevistas. Natal – RN: Não publicadas, 2012/2013. 40 p.

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ASSISTENTE DE PESQUISA:

Sáskia Sandrinelli. Graduada em Sociologia e Ciência Política, com atuação em pesquisa e divulgação de tendências em redes sociais.