Por Girlane Machado
Professora, estudante de Pedagogia.
“Carro é coisa de menino!”, disse Carla ao ser indagada pelo motivo dela não querer brincar com o colega de carrinho. Carros em miniaturas, assim como as bolas, motos, brinquedos de encaixe/montagem e todos os outros brinquedos de tons azuis são os preferidos dos pupilos.
A bola corre solta pelo pátio, correm os Emílios de Rousseau, privilegiados divinamente por serem machinhos aprendizes, suando e sentindo o vento em suas faces. Para as meninas, as “pink dolls” são as melhores opções nos armários dos centros e escolas de educação infantil, também há os objetos domésticos, como a cozinha e materiais de limpeza, que são o sucesso e preferência das cinderellas e raponzéis, assim é como querem que sejam apresentadas seus pais e mães ao adorná-las de lacinhos, trancinhas, badulaques e florzinhas dengosas.
O mais assustador é perceber que elxs não precisam ser estimuladas diretamente pelxs envolvidxs no ambiente escolar a brincar com objetos destinados ao sexo feminimo e ao sexo masculino, assim como ditam as orientações da escolarização sexista.
Não necessariamente necessitam vivenciar um histórico educacional para apontar o dedo e debochar de outrxs coleguinhas: “essa sua roupa é de menino, haha” São muitas as demonstrações de que as crianças já reproduzem estereótipos de gênero e preconceitos, expressam normatizações e bombardeiam qualquer desvio e vivências mais livres justamente porque são integralmente bombardeadas com preconceitos e padronizações severas desde seus nascimentos. “Você é menina, não pode!” Suas famílias aprenderam muito bem como customizar identidades, através dos vários meios normalizadores, seja na publicidade, nos meios de comunicação e especialmente nas relações familiares.
“Vamos trazer balé para as meninas e o que para os meninos? Ah, judô! Judô vai ser ótimo”. Mas é claro que uma escola perfeita nos moldes desiguais de gêneros e sexualidades pensa numa formação adequada para meninos e meninas. Com predominância da liberdade, virilidade, bravura para o que chamam de ser masculino e da docilidade e submissão para as futuras damas de seus senhores.
“Agora vamos fazer o desfile, meninas com mãos na cintura, rebolando, soltando beijinho, meninos mostrando o muque, mas não pode rebolar, vamos lá!”
De que seres humanos estamos falando? De máquinas controladas por engrenagens machistas, cruéis e repressoras ou de crianças com potencialidade para vivenciar experiências criativas, aprendizados sobre si mesmas e sobre seus corpos, liberdade para agir e ser quem queiram ser.
Onde o câncer normótico escolar vai parar? Se alastra por todas as células sociais, resistir é preciso. Encontrar as fronteiras onde os dogmas se diluem, buscar o inimaginável, abrir as feridas, fazer com que se encontrem e se reconheçam enquanto seres plenos em suas tenras existências.