Por Paulo Afonso Linhares, Professor da UERN
A vivência multissecular na região nordestina do Brasil ensina que a convivência com as secas – não o seu combate – é induvidosamente mais adequado e razoável; em suma, esse fenômeno climático que assola o Nordeste brasileiro periodicamente deve ser usado como uma vantagem múltipla para o seu desenvolvimento sustentável. Infelizmente, desde o governo do imperador D. Pedro II – que na trágica seca de 1877 prometeu doar a própria coroa para socorrer os flagelados – a briga com as secas vem sedo a tônica das ações governamentais, mormente o federal que, aliás, até instituiu há mais de cem anos o Departamento Nacional de Obras contra as Secas – DNOCS (autarquia federal criada em 21 de outubro de 1909, com o nome de Inspetoria de Obras Contra as Secas – IOCS), como sede em Fortaleza-CE, cujo dístico atual é “políticas de convivência com o semiárido”.
O Nordeste Setentrional espera há anos pela chagada das águas da Bacia do São Francisco, obra monumental já iniciada, porém, que tem sofrido inúmeras interrupções e atrasos. Uma das mais vigorosas soluções para resolver o problema das estiagens nordestinas é essa transposição de bacias hidrográficas, pensada há mais de um século, que se constitui numa técnica milenar utilizada com sucesso em várias partes do mundo, a exemplo da fertilização de vastas regiões semiáridas da Califórnia com a transposição das águas do Rio Colorado, no começo do século XX.
As águas do velho Chico ainda não chegaram por aqui e parece difícil um prognóstico de quando ou se efetivamente virão. Há poucos dias, com a passagem do “dia de São José” (19 de março), sem chuva alguma no mundo nordestino, as esperanças dos sertanejos se desvaneceram: 2013 será “um ano ruim”, a exemplo de 2010, 2011 e 2012. No entanto, ao que se afigura, se nesses anos anteriores a estiagem era preocupante, agora começa a adquirir as cores sombrias da tragédia, sobretudo diante cada vez maior escassez de água tanto para dessedentar a população e quanto os rebanhos. Fato é que os reservatórios estão cada vez mais vazios e a perspectiva era de que, ao menos, haveria uma recarga de potencial hídrico com as chuvas que cairiam na região. Nada de recarga. O grave é que, mantido esse quadro, pouca água restará por volta de setembro deste ano nos maiores reservatórios como a Barragem Armando Ribeiro Gonçalves e a Barragem Santa Cruz; os milhares de médios e pequenos açudes e barragens já estão completamente esturricado desde agora. Outras consequências: o quase aniquilamento dos rebanhos bovinos e os enormes prejuízos com o reflexo da seca na produção agrícola (estima-se que mais de 50% dos cajueiros da região, por exemplo, poderão morrer).
Para a população nordestina, especialmente aquele contingente que vive no interior, as perspectivas se mostram assustadoras; será, infelizmente o mesmo “dejá vu” de sempre, com esse desfile de horrores de reses mortas ao sol “de mil peixeiras de luz” e romarias de severinos e severinas em buscas de uns “carocinhos d’água”. As velhas elites nordestinas, sobretudo, governadores, vereadores, prefeitos, deputados e senadores, como sempre ocorre, querem tirar uma casquinha da calamidade e, sempre que possível, tirar algum proveito dos recursos que serão alocados para fazer frente à situação emergencial, aliás, algo muito sórdido. Difícil mesmo é saber quando terá um fim esse calvário da gente nordestina, tudo decorrência direta do descaso, da ausência de vontade política e da incompetência de governos que teimam em brigar com brigar com as secas, ao invés de aprender a conviver com elas. Até quando?