Uma nova moda surgiu recentemente no Brasil: o esquema denominado TelexFree, em atividade no Brasil desde o primeiro semestre de 2012.
O Telexfree supostamente vende planos de minutos de telefonia sobre protocolo de internet (VoIP – seria algo parecido com os sistemas Skype ou Viber), que permitem ligações ilimitadas para 41 países por US$ 49 mensais.
Ocorre que a verdadeira receita do esquema provém não da venda dos referidos planos, mas sim da técnica que ele próprio denomina de marketing multinível, em que pessoas se tornam divulgadores da empresa na internet através da aquisição de “contas” que custas milhares de dólares. A divulgação, na verdade, confere apenas baixos valores aos interessados. O que realmente é lucrativo é a hipótese de os divulgadores atraírem novos divulgadores, os quais pagarão por novas contas.
Os ganhos astronômicos prometidos pelo esquema provêm do dinheiro investido pelos divulgadores, que remuneram os investimentos dos consumidores anteriores. Não há qualquer geração de renda propriamente dita, mas uma redistribuição. Nesse jogo de soma zero, é evidente que o prejuízo virá.
O esquema do Telexfree é o que se chama de “esquema Ponzi”, em referência a Charles Ponzi, preso em 1910 nos EUA por um esquema dessa natureza. O modelo de “esquema Ponzi” continuará sustentável apenas enquanto houver novos investidores que remunerem os anteriores. Contudo, é possível notar que o aumento de investidores aumenta o valor e a abrangência do prejuízo futuro.
O Telexfree está sob investigação de diversos órgãos nacionais, incluindo Ministérios Públicos de vários estados, o Ministério Público Federal, a Polícia Federal e a Secretaria de Acompanhamento Econômico do Ministério da Fazenda – SEAE. Mas por quê?
Em tese, a conduta dos administradores do Telexfree pode configurar crime contra a ordem econômica, nos termos do art. 2o, IX, da Lei no 1.521/51 (“obter ou tentar obter ganhos ilícitos em detrimento do povo ou de número indeterminado de pessoas mediante especulações ou processos fraudulentos”), ou crime de estelionato (art. 171 do Código Penal).
No ponto em que se encontram as investigações, há até mesmo dúvidas de que haja realmente prestação de serviços de tecnologia VolP pela Telexfree.
Observe o que afirma a Nota Técnica no 25 da SEAE:
“Na oferta de serviços VolP é necessária a existência de uma rede de telecomunicações, móvel ou fixa, que dê suporte ao conjunto de tecnologias. O VolP pode ser considerado como comunicação de voz efetuada entre dois computadores pessoais e similares, utilizando programa específico e recursos de áudio do próprio equipamento e com acesso limitado a usuários que possuam tal programa, constituindo-se de Serviço de Valor Adicionado – SVA. Para a realização de ligações (DDD ou DDI), via VolP, é necessária a utilização de serviços de empresas autorizadas pela Anatel para viabilizar o curso de chamadas entre redes.
Observando os documentos apresentados nesta Secretaria, é possível concluir que a Ympactus Comercial LTDA – ME [nome de fantasia da Telexfree no Brasil], constituída em 09/03/2012, através de seu contrato social registrado na Junta Comercial, tinha por objetivo social a intermediação e agenciamento de serviços e negócios em geral – CNAE 74.90-1-04, e, portais provedores de conteúdo e outros serviços de informações na internet – CNAE 63.19-4-00, não apresentando nenhum documentos ou infraestrutura necessária para o funcionamento com alguma operadora de telefonia autorizada pela Anatel que permitisse a ela efetivamente viabilizar a prestação de serviço VolP.”
Em vídeo postado no youtube, o Telexfree afirma que o serviço VolP é prestado através de uma empresa com sede nos Estados Unidos. Contudo, não divulga o nome da empresa em virtude de segredo comercial.
A reinserção do dinheiro ilicitamente obtido no sistema financeiro através de pagamentos a divulgadores em tese também pode constituir crime autônomo de lavagem de dinheiro previsto no art. 1o, §§ 1o e 2o, da Lei de Lavagem de Capitais.
A lavagem de dinheiro ocorre em três etapas: a colocação (placement), quando o produto de crime é obtido e colocado a disposição do “lavador”; ocultação (layering), quando há inserção dos recursos produto de crime no mercado ou no sistema financeiro; e integração (integration), quando os recursos são efetivamente utilizados no sistema produtivo, dando origem a recursos supostamente lícitos.
Os esquemas de pirâmide financeira se inserem bem nesse esquema: os investidores colocam dinheiro à disposição do promovente da pirâmide (colocação); esses recursos são utilizados (supostamente) para custear a estrutura da pirâmide e aplicados em um negócio-fachada (ocultação); por fim, são pagos aos próprios investidores, após retirado o lucro do promovente (integração).
Como se vê, o Telexfree é a melhor definição possível de uma pirâmide clássica. Para os que lá vivem é um túmulo. Para os que entram, uma prisão.