O jornal da globo fez ontem (14) uma defesa rasgada do Papa diante dos muitos indícios de sua relação com a extrema direita (a quem chama de modo eufemizador de “oposição”), conivência com os seqüestros de filhos de presos políticos e a ditadura, ocultando, inclusive, às críticas do sério e combativo movimento argentino denominado “mães da praça de maio”, composto por mulheres que lutam por mais informação sobre entes queridos desaparecidos durante o regime de exceção. O periódico televisivo resumiu todos os pesquisadores e críticos do “santo padre” como pessoas ligadas a Cristina Kirchner, desafeto político do hoje principal líder da igreja católica. Um meio de jogar a sujeira para debaixo do tapete, de desqualificar o discurso considerado inconveniente.
Lembrei do jornal nacional, que dois dias atrás (13), falou que o papa argentino se opôs ao “incentivo” feito pela presidente do seu país no que tange a questão do casamento entre pessoas do mesmo sexo. Ora, não existiu nenhum “incentivo”, mas apenas o reconhecimento de um direito liberal privado – as pessoas podem e devem se relacionar com quem desejam em sua plenitude cidadã.
O fato é que os conservadores na América Latina sabem do óbvio – o Papa não irá produzir grandes mudanças na pauta tradicionalmente defendida pela igreja. Ele continuará se opondo aos direitos dos homossexuais, das mulheres, em resumo, das bandeiras históricas da esquerda e dos que lutam por posições laicas, secularizadas. Alias, já manteve tal postura na época em que ocupava o cargo de bispo em Buenos Aires e municiou a oposição com elementos para a estruturação de um discurso intolerante, o mesmo utilizado pelo PSDB do José Serra durante a campanha presidencial de 2010 no Brasil. Uma agenda obscurantista, pois que depreciativa e alienadora, contra o aborto, casamento entre cidadãos do mesmo sexo, pesquisas com células-tronco, etc.
A emissora de TV finaliza as suas reportagens, exaltando a preocupação do Papa com o “social”, que vira sinônimo na matéria exibida de caridade. O padre de descendência italiana é descrito como São Francisco, e assim como o Santo medieval, é um amante dos pobres, da caridade e da simplicidade.
Alavancar a caridade à condição por excelência de combate a pobreza faz todo o sentido nesse contexto conservador que procura legitimar uma instituição que teima em resistir às mudanças dos tempos. Afinal, a caridade defendida pelo jesuíta não mexe nas relações de dominação e de hierarquia sociais. Não produz nenhuma mobilidade de classe nem muito menos transforma o pobre num agente capaz de tocar a sua própria vida, de falar sobre o que lhe angustia, de construir seus sonhos. Pelo contrário. A direita quer a caridade papal geradora de corpos dóceis e subcidadãos sem a capacidade política de por as elites em xeque.
A entronização da figura do papa representa o sinal visível de que a extrema direita reconhece nele um grande arrebanhador de ovelhas para o seu projeto de retorno ao poder na América Latina. Enxergam no religioso aquele com a possibilidade de mudar a consciência dos novos agentes que entraram em cena, a partir das ações de redistribuição de renda e crescimento da economia menos concentrador de riqueza. Será mais um a tentar vencer a insistente teimosia dos sujeitos que já deram os sinais de que não vão mais votar nas antigas elites que nos governaram durante décadas. Se vai dar certo? Uma oposição sem discurso como é a brasileira deve pagar para ver. Até porque não há muitas escolhas disponíveis.