Não sei quantos dos meus leitores têm um histórico de luta pelos Direitos Humanos. Eu, pessoalmente, tenho um parco histórico a respeito, muitas vezes centrado mais em perceber falhas dos conservadores ou dos progressistas e apontá-los sem dó nem piedade, uma vez que me ponho como Libertário e Humanista, abertamente contrário a qualquer ação pública, coletiva ou individual que fira diretamente os princípios da liberdade, da justiça e do bem-estar de qualquer ser humano (ou que aja com crueldade contra outros seres não-humanos). Por isso muitos me conhecem como um crítico do conservadorismo, e muitos me conhecem como um crítico dos Movimentos Sociais. Todos sabem que não compactuo com o conceito de “minorias” proposto pelos Movimentos Sociais da mesma forma como repudio toda e qualquer manobra pelo “direito de oprimir” de uma minoria conservadora. Eu não defendo classes, defendo princípios. E um dos princípios que me proponho a defender é a Liberdade. Liberdade de opinar, liberdade de viver, liberdade de fazer sexo como bem quiser, de professar a religião que quiser, de casar-se com quem quiser. Enfim, considero a Liberdade um princípio motor do bem-estar humano.
Porém, quanto à liberdade de expressão, tenho muito o que dizer. Como afirmei antes em meu blogue, qualquer pessoa tem pleno direito de expressar qualquer opinião, seja ela qual for, por mais chocante que seja. Isso não deve ser usado como critério para tirar dela quaisquer dos direitos imputados na constituição. Obviamente, excetuam-se os casos em que consistam em dano direto contra terceiros, como Difamação e Falso Testemunho. A princípio nenhuma opinião proferida deve ser usada para respaldar a rejeição de nenhuma pessoa perante a sociedade. Porém, há casos em que o bom-senso deve falar mais alto.
Apesar de o bom-senso (ou senso-comum) ser mal visto pela academia, ele é ainda o melhor meio de julgar os casos mais complexos. Um funcionário de um setor de recursos humanos de qualquer empresa sabe disso. Vamos supor que uma empresa abra uma vaga para representante de determinada marca de produtos voltados para o público vegano. Sabendo que no Brasil todos têm total liberdade de se alimentar do que bem entenderem, a alimentação individual do vendedor não deveria ser usada como critério para selecioná-lo, correto? Não, errado! O simples fato de ele alimentar-se de carne afetará a venda do produto de tal maneira que o fará ser desacreditado como melhor opção pelos clientes. Qual será a seriedade de um produto em que seu representante curte um churrasco nos fins de semana com os amigos, adora fígado acebolado e tem uma quedinha por leite achocolatado? O problema é: por mais que tenhamos liberdade plena de nos alimentarmos como quisermos em sociedade, alguns hábitos alimentares simplesmente não cabem em determinadas situações.
A mesma lógica vale no caso da indicação de Marco Feliciano para a Comissão de Direitos Humanos. Marco Feliciano demonstra ser um profundo desconhecedor dos trinta artigos que integram a Declaração Universal dos Direitos Humanos. Não faz muito tempo, em campanha eleitoral, propunha um Projeto de Lei que obrigasse o ensino religioso nas escolas nos moldes da educação dominical cristã, ferindo diretamente a situação laica da nossa constituição. Fez também movimento contra a PL 122, além de promover o Dízimo Infantil (algo sobre o qual posso falar em outra postagem se me pedirem). Essas são AÇÕES, e somente sobre elas deve haver julgamento. Quanto à opinião, em discurso recente, Marco Feliciano afirmou que negros são amaldiçoados por Deus. A princípio, ele pode exercer qualquer opinião sem ser julgado em tribunal por nenhuma delas, mesmo esta afirmação absurda sobre os negros. Ao meu ver, a opinião é direito inalienável dele enquanto humano, e suas opiniões devem ser respeitadas e ter espaço na sociedade. Só que O PROBLEMA MAIOR NÃO É A OPINIÃO! Abertamente ele se movimenta para barrar leis que garantem direitos civis básicos a homossexuais e promove certo tipo de estelionato de crianças baseado na fé. Isso, em si, já devia ser motivo para que o mesmo não tivesse nem direito nem moral para assumir a presidência de uma Comissão de Direitos Humanos.
Mas, vamos supor que Marco Feliciano não tivesse feito nenhuma AÇÃO contra qualquer um, e que seus posicionamentos fossem apenas opiniões ditas despropositadamente por aí. Ele então mereceria um espaço na Comissão de Direitos Humanos? Também não! E por qual motivo? Coerência. Da mesma forma que uma pessoa que coma carne não daria um vendedor de produtos veganos coerente, uma pessoa que emite opiniões racistas e homofóbicas não seria um presidente de uma Comissão de Direitos Humanos coerente. Em parte porque, como presidente da comissão, pertenceria a ele o poder de vetar ou não determinadas propostas, e em parte porque ele próprio apresentaria projetos a serem passados pela comissão. Entendem agora como funciona o bom-senso?
Apesar de ninguém ser proibido de frequentar churrascarias, e de a alimentação não ser considerada critério para afirmar se alguém é um bom ou mal representante de um produto, uma pessoa que não é vegana dificilmente acreditará no produto vendido o suficiente para convencer um cliente a comprar. O cliente não é bobo, ele perceberá, principalmente se for um vegano que leva a sério sua alimentação (consistindo em cliente potencial para o produto). Da mesma forma, apesar de ninguém ser humanamente proibido de achar que negros são amaldiçoados por Deus, uma Comissão de Direitos Humanos perderá totalmente a sua seriedade se uma pessoa com tais opiniões estiver ocupando a posição de presidência dessa mesma comissão.
Porém, como demonstrado aqui, o Deputado Marco Feliciano não fica apenas na opinião. Muitos de seus impedimentos filosóficos para o cargo resultam de um conjunto de ações, e não de palavras. Para ser presidente da comissão devem ser consideradas irrelevantes a religião, a cor da pele, o partido político, o sexo, a orientação sexual e quaisquer outros aspectos do sujeitos, exceto aquelas características que possuam potencial de destruir a própria essência da coisa na qual o sujeito se insere (afinal, seria como um negro assumir a posição de presidente do Partido Nazista Alemão). Portanto, o próprio fato de ele ser evangélico não é o que motiva esta crítica, mas aquilo que ele promove na esfera pública. Tanto é que a Rede Fale, uma associação que reúne mais de quarenta denominações evangélicas, se alarmou com isso, considerando inaceitável a nomeação de Feliciano pelo PSC.