Por Leonardo Alves
Cientista Social e Membro do Centro de Referência em Direitos Humanos
Ao assistir a um vídeo em que dois suspeitos de roubo foram linchados por populares da Zona Oeste de Natal, no último final de semana, me vieram duas perguntas: Quem de fato estava agindo de forma ilícita? Como explicar para uma sociedade indignada pelos males sociais, que não se pode fazer justiça com as próprias mãos?
Práticas como a do linchamento ou semelhantes ignoram o princípio da proibição da autotutela, o qual garante o direito exclusivo do Estado como garantidor da lei, da ordem social e da Justiça, além de que são classificadas como crime no art. 345 do código penal.
Art. 345 – Fazer justiça pelas próprias mãos, para satisfazer pretensão, embora legítima, salvo quando a lei o permite:
Pena – detenção, de quinze dias a um mês, ou multa, além da pena correspondente à violência.
Parágrafo único – Se não há emprego de violência, somente se procede mediante queixa.
Casos como esses acontecem com maior frequência onde a população se encontra familiarizada com a violência, descrente da eficácia dos aparelhos judiciais e da polícia como mantedora da ordem e da segurança pública.
Os linchamentos são então uma maneira de expressão da injustiça e insegurança presentes na população, a partir do sentimento de impunidade gerado pela lentidão do judiciário, inadaptabilidade das leis e deficiência na administração do sistema penitenciário que acabam exaltados através das mídias sensacionalistas.
Vale a pena ressaltarmos a influência que essas mídias exercem sobre a sociedade, quando um dos cidadãos envolvidos no linchamento faz referência ao apresentador do Programa Patrulha da Cidade, incitando o mesmo a mostrar o que acontece com aqueles que tentam roubar naquela região.
O referido programa já se tornou referência no quesito banho de sangue, onde nos contempla com as infelizes imagens de corpos baleados, esfaqueados, entre outros. O teor do programa fica claro com o seu próprio título e fundo de tela que é preenchido com a imagem de sangue escorrendo. Além da violência explícita presente no programa, vemos um claro incentivo a sua prática por parte do apresentador o qual não mede esforços ao incitar a morte aos “bandidos”, o sofrimento incondicional aqueles que cometem crimes e a zombar de maneira pejorativa dos suspeitos entrevistados.
Com a repetição diária de programas como esse, aliado a um sentimento de indignação popular que enterra a civilidade, temos um retrocesso no processo civilizatório, onde voltamos a punir em praça pública aqueles que julgamos culpados, através de um senso de justiça popular muitas vezes incitado por mentes conservadoras e motivadas por interesses próprios no ocorrido.
Concluímos aqui esclarecendo que não procuramos defender a impunidade dos dois suspeitos de roubo, apenas lutamos pelo emprego correto da lei e das forças coercitivas do Estado, bem como para que todos os cidadãos tenham a possibilidade de defesa dos seus direitos, pois ao tentarmos fazer justiça com as próprias mãos podemos acabar indo contra ela.
Abaixo, o video sobre o linchamento: