Trabalho, prazos, audiências, trânsito infernal. Teses, defesas, petições e embates. Eis o dia a dia de Antônio Toco, advogado militante no foro de Natal. Após anos nesse rojão sua mente e seu corpo suplicavam um descanso, um merecido descanso, recomendado com veemência pelos familiares e como uma imposição pelo seu médico. Divorciado e com os filhos já criados, resolveu viajar sozinho. Se desligaria dos afazeres e das aporrinhações de sua rotina e se embrenharia por algum local distante, por algo que o fizesse esquecer por alguns dias que trajava terno e gravata para trabalhar no calor de Natal.
No último dia de trabalho do ano, depois de checar e rechecar se ficara alguma pendência, de recomendar duas, três vezes seus auxiliares, sentou-se de fronte ao computador para decidir seu destino. Sua mente estava tão habituada a pensar em leis, decretos e julgamentos, que nada de criativo lhe veio quando teve que traçar seu próprio roteiro de férias. Valeu-se do Google e de sites de agências de viagens para ter alguma sugestão, mas nada lhe agradou.
São Paulo era muito frio, Rio de Janeiro muito quente, Buenos Aires tinha muito brasileiro, Miami, idem, Europa muito caro, China, muito exótico, Oriente Médio, não pode beber.
– Tenho que me habituar a tirar férias mais vezes. – pensou Antônio, quase desistindo de viajar.
Mas eis que um primo, aparentemente do nada, falou-lhe pelo MSN.
– E aí, Dr. Toco! Ainda estou esperando sua visita, meu amigo!
Antônio sorriu com o gracejo e lembrou que há alguns anos prometeu-lhe fazer uma visita. Um discreto sorriso se esboçou e foi quando encontrou seu destino. Sem pestanejar, e tomado de um entusiasmo incomum, respondeu sem demora ao amigo:
– Meu caro primo, Vinícius! Promessa é dívida e estou pronto para cumpri-la! Embarco para aí amanhã no próximo voo!
– Maravilha! Faço questão de buscá-lo no aeroporto.
No passo seguinte, Antônio acessou o site da companhia aérea e adquiriu uma passagem no próximo voo de Natal para Salvador, Bahia.
No outro dia, Antônio já desembarcava no aeroporto de Salvador de mala e cuia, pronto para suas férias na Boa Terra, com a agradável companhia do seu primo Vinícius, um bom vivant clássico e profundo conhecedor dos prazeres da vida. Abraçaram-se como amigos fraternos e tomaram o rumo do apartamento de Vinícius, onde já era esperado pelo braço baiano de sua família e estava montado um almoço de boas vindas.
Comeram e regalaram-se com a típica culinária baiana e depois Antônio foi aos seus aposentos para desarrumar a mala e tomar posse de seu quarto. Ainda não estava totalmente desligado de Natal e do escritório, e a todo momento checava no celular se recebera alguma mensagem. Irritado com essa neurose, jogou o celular num criado mudo, tomou um banho, vestiu calção e camiseta e pensou em dar um bom cochilo quando Vinícius entrou no quarto e disse:
– E então, primo? Vamos sair?
– Sair? Na verdade eu tinha pensado em dar um cochilo e mais tarde, de noite, saíamos para algum barzinho.
– É uma boa ideia, mas eu tenho uma melhor.
– E qual é?
– Vou levá-lo para um lugar aonde você pode dar esse tal cochilo e ainda desfrutar de um magnífico visual.
– O que devo vestir?
– Um velho calção de banho, primo.
– Só isso?
– Só. Mas vamos logo, pois temos um dia todo pra vadiar, um mar que não tem tamanho, e um arco-íris no ar. Ah!, e pode deixar esse telefone celular aí!
Um pouco contrariado, Antônio desligou o celular, vestiu-se e ambos saíram rumo à praia de Itapuã.
Aportaram na famosa praia soteropolitana e ficaram contemplando a paisagem por instantes a fio, protegidos pelo coqueiral, observando o mar revolto batendo nas pedras.
– Isso é fantástico, Vinícius! – disse Antônio, mais para agradar do que por apreciar o visual.
– E não é? É melhor do que dormir no quarto, ou não?
– Muito melhor. Mas diga-me, uma coisa, e espero que não se ofenda com a pergunta: e depois?
– Depois? Quando você sentir preguiça no corpo, temos a praça Caymmi, meu caro. – e apontou para o local. – Veja! Esteiras de vime. Vamos deitar por lá e pedir uma água de côco.
– É bom! – disse Antônio, colocando as mãos no bolso como que a procurar o celular.
– Sim, é bom! Passar uma tarde em Itapuã, ao sol que arde em Itapuã, ouvindo o mar de Itapuã, falar de amor em Itapuã!
Deitaram nas esteiras e tomaram um côco cada um. Depois de um rápido repouso, Vinícius chamou o garçom e pediu uma bebida. Ele anotou o pedido e foi buscar. Enquanto isso, Vinícius chamou a atenção de Antônio para a cor do mar.
– Veja, Antônio, o mar inaugurando um verde novinho em folha.
Antônio contemplou o verde escuro que cobria a face do mar de Itapuã e viu quando o garçom encostou entre ele e Vinícius uma garrafa de cachaça de rolha. Vinícius serviu duas doses, eles brindaram e bebericaram todo o conteúdo do copinho. Outro foi servido, e outro, e mais outro, logo ambos já estavam meio bêbados, mas relaxados. Antônio, que antes não estava totalmente no clima de férias, agora deixara para trás seu trabalho, as preocupações e jogou o olhar esquecido para o encontro do céu com o mar, e aos poucos foi sentido a terra toda rodar.
– É bom! Passar uma tarde em Itapuã! – disse, em meio a um sorriso de profunda satisfação.
Fechou os olhos e relaxou. Vinícius conhecia muito bem a rotina de Antônio e o deixou relaxar sem importunar. Alegrou-se por ter proporcionado ao primo aquele momento, e também fechou seus olhos.
Quando abriram os olhos já sentiam o arrepio do vento que a noite trás, e ouviam o disse-que-disse macio que vinha dos coqueirais. Naqueles espaços serenos, Antônio não pensou nem no ontem, nem no amanhã. Tomado de uma tranquilidade há muito tempo perdida pela vida atribulada de trabalho, stress e preocupações com os problemas dos outros, dormiu nos braços serenos da lua de Itapuã, que já subia amarela, desenhando no mar seu contorno brilhante.
Com os olhos fechados e a mente descansada, Antônio Toco sonhava, e naquele sonho dizia uma única coisa:
– É bom! É muito bom!
Só foi acordado quando a noite ia longa. E foi quando, pela primeira vez na vida, Antônio curtiria férias de verdade, descansando não tanto fisicamente, mas mentalmente, graças a uma tarde em Itapuã.