Por Paulo Afonso Linhares, Professor da UERN
Foi dramática e carregada de mistérios e especulações de toda ordem, das mais razoáveis àquelas que beiram o absurdo, a renúncia do ex-presidente Jânio Quadros, em 25 de agosto de 1961. Em meio ao já típico palavrório grandiloquente, Jânio apenas revelou que o motivo determinante de sua renúncia à presidência da República teriam sido a atuação de “forças ocultas”. No dia 25 de agosto de 1991, um Jânio já enfermo e debilitado, num quarto do Hospital Israelita Albert Einstein, confessaria ao seu neto homônimo que renunciou simplesmente porque tinha certeza de que o povo,os militares e os governadores o levariam de volta ao poder. Perdeu a aposta pois todos preferiram deixá-lo fora de Brasília, no entanto, esse gesto – segundo admitiu o ex-presidente para Jânio Quadros Neto, foi ‘’o maior fracasso político da história republicana do Pais,o maior erro que cometi’’ – desencadeou uma série de eventos que redundou no golpe militar de 1964 e eclipsou as instituições democráticas por longos vinte e um anos.
Renúncias desse porte sempre transcendem às simples suspeitas e deixam efeitos colaterais graves, principalmente quando as razões que as ensejam se mantém obscuras. A recente renúncia do papa Bento 16 surpreendeu o mundo, porquanto a tradição da Igreja Católica é no sentido de que os seus sumo pontífices morram no cargo, embora não haja qualquer proibição de renúncia. Aliás, a ultima vez que um papa deixou voluntariamente o pontificado foi Celestino V, há mais de setecentos anos, em 1294. São Celestino, após emitir um decreto que previa a possibilidade de renúncia do pontificado, simplesmente abdicou e se tornou um ermitão até o fim de seus dias. Que tem a ver o intelectual sofisticado Josep Ratzinger e o asceta frade beneditino Pietro Angeleri que em vivia em reclusão? Apenas a circunstância de serem papas abdicantes. Os motivos das renúncias de ambos são seguramente muito diversos.
O papa Bento 16, de cariz radicalmente conservador, desde o início do seu pontificado tem enfrentado o recrudescimento das questões que têm dividido a Igreja Católica nos dias atuais, além de problemas que envolvem escândalos de muitos tipos, desde os financeiros do IOR (o banco do Vaticano) aos dos mais de seis mil sacerdotes envolvidos em casos comprovados de pedofilia nos Estados Unidos da América. A despeito do seu preparo intelectual, o papa Bento 16 deu sequência à onda ultraconservadora inaugurada por seu antecessor, João Paulo II, de cujo pontificado foi a eminência parda. Certo é que esse acendrado interesse pela figura de seu antecessor marcou até agora o pontificado de Bento 16, uma marca indelevelmente conservadora e não condizente com as demandas atuais das comunidades católicas a redor do mundo. Bento 16 já imaginava as suas dificuldades de superar essas contradições quando há mais de três anos numa longa entrevista concedida ao jornalista alemão Peter Seewald, para um livro lançado em 2010, “Luz do mundo”, declarou: “Se um papa claramente percebe que não está mais física, psicológica e espiritualmente capacitado para lidar com as obrigações do seu cargo”, então ele tem o direito, e sob algumas circunstâncias a obrigação, de renunciar”. Nada mais cristalino.
A renúncia do papa Bento XVI lança a comunidade de mais de um bilhão e duzentos milhões de católicos do mundo numa zona de profundas indefinições, sobretudo diante do enorme crescimento da comunidades evangélicas divididas em múltiplas denominações. Sem dúvida que a Igreja Católica é uma instituição admirável que tem sobrevivido – com enormes erros e uns tantos acertos – a mais de dois mil anos de História, como milhares de situações muito mais graves do que a atual. Não se pode esquecer que, num mundo em que a tônica é a sobrelevação de valores como a democracia, o espírito republicano e o engrandecimento da cidadania, o Vaticano é uma monarquia absolutista. E os rumos da Igreja Católica dependerá em muito da decisão a ser tomada por pouco mais de uma centena de cardeais que a partir de 28 de fevereiro deste 2013 elegerão o novo sucessor de São Pedro no dourado trono papal. É aguardar o que revelará a próxima fumacinha branca.