Por Angelo Magalhães Silva, Professor de sociologia da UFERSA
Avança a energia eólica no Rio Grande do Norte, novidade quase indiscutível. Isto significa, dentre outras coisas, que o capital intensifica seus ajustes espaciais e criação de fundos de ativos. Encontrou no Polo Costa Branca do RN as condições propícias. Significa, também, o avanço de uma energia renovável e cara, que requer maiores reinvestimentos de capital, geração de mercados complementares de energia, mudanças territoriais e superação de entraves jurídicos. As consequências sociais, ainda pouco explicadas para o RN, envolvem a discussão do intensivo capital que requerem os parques eólicos para a produção de energia, e os acordos, nem sempre claros, entre comunidade e empresa.
Energia eólica no RN implica em trabalho especializado, mas sazonal e orientado pela implantação ou manutenção do “sistema”. É uma produção energética que implica em terras baratas e fáceis de manter. Intervenções no meio-ambiente, ativo social produtivo apenas quando associado à qualidade dos ventos que movem as gigantescas hélices e mudam a paisagem de parte do litoral potiguar.
Ao se discutir as novas formas complexas de energia é preciso questionar os efeitos de desigualdade territorial que podem vir a realizar, traduzidas, em muitos casos, pela “despossessão” e “mercanditização”, e camufladas pelas práticas de responsabilidade social (irresponsabilidade ambiental, corporativa). No Polo Costa Branca do RN estes efeitos parecem atingir às famílias residentes na faixa litorânea. Sabemos que conflitos entre grupos e classes sociais, entre capitais, a segregação entre espaços urbanos, a influência na alteração das leis urbanísticas e do meio-ambiente, a geração continuada da pobreza e exclusão social, não são problemas resolvidos com práticas de responsabilidades social realizadas por empresas. Empresas são responsáveis apenas com a interminável acumulação de capital que precisam fazer. Nisto elas são precisas. Esses efeitos no “social” são os da despossessão e mercanditização. Empresa também são precisas nisso.
Os efeitos desse “capital alísio” preocupam, especialmente por avançar embandeirado pela ideologia do localismo e vocação regional e territorial do estado. Estamos diante da energia renovável que mais cresce no mundo, e seu surto exige mais ajustes espaciais, mais e diversos fundos de ativos integrados á sua cadeia energética mais complexa e dinamizadora de outras estruturas produtiva.
Tipos de capitais tão velozes e poderosos como são os que realizam a energia eólica no RN constrói redes de privilégios e prejuízos coletivos, e nos atravessam por novas e velhas redes de desigualdades. A dominação sutil que sua produção exige, redistribui desigual e circunstancialmente ativos sociais públicos, como o acesso a terra e serviços, sob a defesa de um mercado restrito e impopular da produção e consumo de energia renovável. Todas as redes de desigualdade possuem bases materiais ou simbólicas, e a historia da falta de controle público sobre a energia renovável aqui e no mundo contribuem para o fortalecimento da separação de grupos e classes, e uma estratificação social muita mais complexa e difícil de explica do que as existentes no sec. XIX. A fábrica da energia, o estado regulador da energia e a sociedade que a consome estavam, em grande medida, assentados em outras demandas sociais e políticas, bem diferentes em intensidade e capacidade de realizar consenso e, assim, amenizar as desigualdades produzidas pelas estruturas produtivas.
Vivemos intensamente um processo de classificação, ordenamento, hierarquização e produção de privilégios produzidos por um sistema de vantagens e desvantagens sociais, coletivas e, principalmente, privadas. O grande equívoco entre muitos cientistas sociais e os homens das ciências duras é deificar a produção de energia renovável como energia limpa e esquecer a desigualdade social, fortalecida pela despossessão e mercanditização do território, que ela promove. Todas as formas de desigualdades históricas, seja para uma marxista revisionista ou weberianos apaixonados, são reconhecidamente o produto nefasto do poder e da dominação. Mas a grande e histórica questão sobre ela é saber, ainda, que sujeitos estão no centro de sua produção e generalização, especialmente num mundo social mais consumidor de energia. É nesse sentido que a empresa, o estado e a sociedade civil encontram-se no cerne das discussões sobre os destinos sociais da energia, e da “generalização desigual da desigualdade”. Como nos lembra um contratualista como Rousseau e um humanista como Marx, a desigualdade assume formas sofisticadas e são sustentadas por estruturas políticas e econômicas reproduzidas por sistemas hegemônicos corporativos ou interestatais. É nesse sentido que as estruturas produtivas de energia, nas suas várias formas generalizadas são as expressões mais precisas da desigualdade generalizada. Lembro aos leitores os alertas de David Harvey, e enfatizo que este movimento do capital no Rio Grande do Norte exige muito mais imagens recriadas de si mesmo do que no passado.