A pergunta é retórica, naturalmente. Pra quem me conhece, ou pra quem já leu outros textos (este, este, este outro – mas este aqui é decisivo, creio), já sabe a resposta – uma boa e velha suspensão do juízo (ainda vou escrever sobre isso aqui). É indiferente que a iniciativa seja de fulano ou de sicrano, de uma mulher ou de um homem. Melhor dizendo – EU acho indiferente que a iniciativa seja de fulano ou de sicrano, de uma mulher ou de um homem. Falo por mim, friso por mim, não porque minha opinião seja isolada (tá, digamos que uns 0,5% das pessoas com quem travo contato partilhem dela), mas porque admito, infeliz mas honestamente, o quanto é difícil lutar pela igualdade de sexos. De sexos – não estou falando de gênero propositalmente, pois aí a coisa se torna beeeeeeeeeeem mais complexa. Em todo caso, é simplesmente difícil pro ser humano aceitar que QUALQUER UM possa ter o direito à iniciativa (seja lá o que for que esteja no alvo dessa iniciativa). Alguém tem que mandar, alguém tem que obedecer, ninguém tem que ceder. NINGUÉM!
Lindo e maravilhoso, numa aula de zouk, uma aluna vem e me chama pra dançar, alegando que o fazia porque não chamei ela primeiro. Olhei espantado – espantado, gente, calma que a coisa vai piorar – e disse que tudo bem; elogiei e disse que adorava mulheres com iniciativa (1). Entre cética e escarninha, ela simplesmente disse que eu estava sendo FALSO – e aí foi a vez de meu olhar assumir aquele assombro de quem sente sua sensibilidade (!) ofendida. Ela ajuntou que homens mentem quando dizem que a mulher pode ter iniciativa, coisa e tal, e que não era verdade o que eu tava dizendo. Pediu ainda a opinião da professora, que concordou. Tinha uma terceira pessoa, que não lembro quem é (não vem ao caso também), mas anuiu com as duas. Quer dizer, o papai aqui engoliu em seco e continuou na aula (que foi boa, mesmo com esse incidente chocante). Logicamente, iria sentar a bunda na primeira oportunidade e escrever a respeito.
Pois bem: façamos um breve incurso em dois pontos, antes de eu reafirmar minha opinião sobre a suspensão do juízo.
(a) Quando fiz intercâmbio acadêmico no Rio, em 2009, conheci uma mulher lá na Lapa, através duma amiga. Ela olhou um cara, ficou a fim dele, mas não sabia o que fazer. Eu e minha amiga, então, dissemos que ela podia chegar junto; replicando, disse que ia parecer oferecida, ao que treplicamos afirmando que não tinha nada a ver, e que ela devia tentar assim mesmo. Não deu quinze ou vinte minutos, os dois tavam se beijando. Lindo isso, né? Nada como um empurrãozinho moral!
(b) Me considero um cara tímido pra chegar junto das mulé, apesar de muitos acreditarem o contrário, pelo motivo simples de eu ser comunicativo. Acredito que uma coisa não invalide a outra, já que, em geral, não sou tímido, só em circunstâncias como essa. Invalidando ou não, eu sempre fui frouxo pra dizer pruma garota que tava a fim, parará, parará. Aquele medo básico dum não. A situação até que tá mudando, menos pela diminuição da timidez do que pelo fato de eu ser preciso (o que também contradiz a primeira impressão de quem me vê por aí). Pra paquerar pesadamente com uma garota, é necessário que ela me interesse bastante – que seja inteligente, comunicativa, goste de sexo e de ampliar os horizontes existenciais, e não seja exatamente bonita (tenho uma tendência a escolher aquelas menos aquinhoadas nos atributos físicos) (2). Quando aparece uma sujeita assim, sou capaz de passar um tempo bombardeando ela com diretas; sou péssimo com cantadas, e estas só aparecem em raros momentos de inspiração divina (3).
O primeiro ponto é bem ilustrativo do grande preconceito que é chamar uma mulher de oferecida, simplesmente porque ela toma a dianteira num início de relação (quando não na relação já constituída). Qualquer que seja a relação (profissional, afetiva, existencial, familiar, religiosa, política, cultural, escambal a sete), se uma mulher vai lá e chega primeiro no cara, é oferecida. Se ela oferece o corpo, a atenção, a gentileza pura e simples, ela é oferecida. É vulgar, não merece respeito. Se ela estuda, trampa, se sustenta sozinha com o que ganha, mas ainda assim não hesita em pegar caras em toda festa que vai, é piriguete, é rodada, é vagabunda, não serve pra casar. É reprovável. Tão reprovável quanto o cara que espera, se não pela iniciativa alheia, pelo menos espera que a mulé dê um sinal claro de que tá interessada, ou de que não quer nem conversa. O cara precisa ser persistente, porque tem mulé que faz charme (infelizmente, tem mesmo – e como tem! Que saco) e tá só testando a persistência dele (já vi uma mulé fazendo isso). A mulé tem que se dar valor, não pode dar na pinta de primeira, senão fica fácil. Muito fácil.
Voltemos, então, ao que interessa. Já disse a vocês que já sabem minha resposta. Ou melhor, não sabem. Porque, meus caros, a resposta é muito simples: a iniciativa é daquele que toma a iniciativa primeiro. É o homem que toma? Parabéns pra ele! É a mulher que toma? Parabéns pra ela! Que porcaria de prescrição social e doentia é essa, segundo a qual um dos pólos deve ser privilegiado em detrimento do outro? Por que diabos preciso obedecer a essa prescrição e fazer meu papel de homem? De que me serve ser homem nessas circunstâncias, quando o que desejo me é censurado (quando não proibido)? Se eu disse inicialmente que se tratava de uma suspensão do juízo, é porque se trata de um momento apenas. É indiferente se dou o primeiro passo, ou se é ela que me convoca primeiro; o que me importa, realmente, é que ambos estejamos de comum acordo sobre o que seja (uma dança, um beijo, uma trepada ou uma entrevista profissional). Tá já na hora de parar com esse lero-lero de homem canalha (o supremo ideal inconsciente de figura com iniciativa) e de mulher galinha (a Lilith demonizada só porque não quis que Adão ficasse por cima na hora agá).
(1) Adoro!
(2) Garotas que se encaixam nesse perfil, querendo entrar em contato comigo, já podem, tá?
(3) A isso (entre outras coisas) os gregos chamavam “kairós”.