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Malafaia e a liberdade de pensamento: Cuidado para não confundir Melão com Melancia

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O que as reações à entrevista de Malafaia revelam sobre a liberdade de pensamento?

 Eu assisti à entrevista de Marília Gabriela com Silas Malafaia no domingo. E, pelo jeito, todos os que conheço assistiram também, visto estarem doentiamente colocando trechos da entrevista, seja defendendo-o, seja atacando-o. Mas as defesas e os ataques parecem ser tomados mais de partidarismo que de racionalidade. De um lado do meu “bolo de amigos” estão os ateus, os membros de outras religiões e os gays destruindo seus argumentos como se não houvesse amanhã. Do outro, amigos evangélicos de várias linhas tomados de um espírito reacionário nunca antes visto na história.

 Claro que a entrevista foi um verdadeiro show de horrores, que começou quando Gabi citou a Forbes (descontemos as imprecisões do próprio Silas aqui):

 

“Então, o que a Forbes está falando, primeiro é mentira. O jornalista, o correspondente, acho que ele vai perder o emprego. Porque eu vou processar a Forbes nos Estados Unidos, eu não vou processar aqui. Aqui não tem graça. Eu vou fazer doer lá. Porque eu acho uma safadeza você denegrir, porque se eu tivesse eu também diria. Porque há 25 anos eu não tenho salário de pastor. Eu sou pastor há 30 anos, tive salário por cinco anos, não que seja pecado e errado, é bíblico. A Bíblia fala até que o pastor tem que ganhar muito bem, pela Bíblia. Que tem ser muito bem tratado, mas há 25 anos eu não tenho salário de pastor. Há 25 anos eu vivo de que? Como conferencista, eu talvez seja o pastor que mais oferta ganho quando prego fora, porque tô na televisão, essa coisa toda e da minha editora. Pra você ter uma idéia, nos últimos cinco anos eu vendi mais de um milhão de livros meus por ano. Mais de um milhão. Eu sou o pastor que mais vendo livros. Eu sou o pastor que mais vendo palestras em DVD e em Cd.”

 

Mas, no decorrer da entrevista, justificando a Forbes, Marília Gabriela acabou cometendo pelo menos quatro erros. Primeiro, ela confundiu Teologia da Prosperidade com Doutrina da Prosperidade. Segundo, confundiu o Direito à Crença com Ações Públicas. Terceiro, tentou rebater argumentos de Malafaia sem se preparar antes acerca dos temas mais discutidos nas igrejas. Quarto, generalizou o “todos sabem que pastores” para todos os pastores. Silas Malafaia cometeu outros erros, mas os dela foram gritantes para alguém que se diz jornalista, tanto que o pastor assembleano saiu ganhando na conversa.

 Porém, ultimamente venho acompanhando fatos e opiniões que eu, que sou ateu, comecei a achar injustos e preconceituosos. Os dois lados da conversa, criticando ou defendendo o discurso de Malafaia, acabam sem querer cometendo os mesmos erros. Por um lado, os que o atacam demonstram puro e total desconhecimento sobre a religião evangélica e as bases de sua fé. Do outro, os defensores do pastorzão internalizaram toda a ignorância dele acerca da biologia e da antropologia. No fim, terminam sendo dois cães brigando por um osso, ninguém com razão. Só latidos e dentes, e nenhum argumento que preste.

 Primeiro, as pessoas confundiram muito algo que é autoevidente para qualquer evangélico que se ponha a pensar, a de que há uma diferença entre a Prosperidade pregada por Católicos, por Reformados, por Calvinistas, por Arminianos, por Pentecostais e por Neopentecostais. É isso mesmo que vocês viram: há várias linhas no Protestantismo! Não é tudo Edir Macedo e Silas Malafaia! A Prosperidade pregada por Católicos e Reformados é totalmente espiritual. A Prosperidade Calvinista e Arminiana centra-se mais na promessa de que o crente, se se mantiver fiel, terá bênçãos no futuro. A Prosperidade é entendida como qualquer coisa que faça o crente feliz: saúde, boa família, dinheiro, um bom emprego, satisfação com a vida, fé na promessa espiritual etc. Assim, a Prosperidade é somente uma forma de “reprogramação” mental, para que as bênçãos que se têm em mãos já sejam consideradas um produto da crença. No caso Calvinista, há maior ênfase no trabalho, em que a Prosperidade seria produto de um crente não-preguiçoso e virtuoso. A Prosperidade Pentecostal é um pouco diferente. Os sinais da fé são mais físicos, mais empíricos, considerados sinais de uma vida virtuosa voltada ao trabalho, mas não são o foco. A Prosperidade Pentecostal está intimamente ligada ao Pentecostes, tanto que, doutrinariamente, para um Pentecostal, vale mais falar em línguas que ser rico. A Prosperidade Neopentecostal é que é essa tão criticada e apontada por Marília Gabriela, aquela em que o crente tem de exigir de Deus o seu prêmio pela fé, é o cristianismo consumista, da fogueira santa, das curas dos enfermos, dos microfones e das televisões. Silas Malafaia representa tão somente uma transição entre o Modo Pentecostal para o Modo Neopentecostal, mas isso não significa que “todos sabem que pastores enriquecem”. Neopentecostais nem mesmo correspondem à maioria dos evangélicos.

 Quanto à confusão entre Direito de Crença e Ações Públicas, Marília Gabriela cometeu o mesmo erro de Jean Wyllys ao criticar o discurso de Malafaia. Nos discursos deles, o modo de pensar de Silas Malafaia deveria ser cerceado ou, no caso do deputado, reprimido. É outra falha gritante. Silas Malafaia deve ser julgado pelo que promove na esfera pública, e as ações contra a PL 122 é uma delas. Mas o que ele acredita e prega que a Bíblia diga sobre o homossexualismo (não entrarei em méritos de discussão de nomeclatura aqui!) não deve ser levado em conta em uma ação. Não existe crime de opinião em um país livre, e o simples fato de eu ter de lembrar isso já é um sintoma perturbador de que nossa liberdade está por um fio. Se Silas Malafaia fosse de uma religião que dissesse que ser cabeludo é um sinal de Satã, e que os cabelos devem ser raspados, e que os cabeludos não iriam para o Paraíso, mas que queimariam no Inferno eternamente por causa de seus cabelos, ele estaria em posse de seu direito inalienável de crer nisso, pregar isso e de raspar seu cabelo como quisesse. Seria um contra-senso em uma religião dessas aparecer um dos líderes com o cabelo pela cintura, como um hippie, por isso eles teriam todo o direito de expulsá-lo. Se um cabeludo entrasse em seus cultos, eles teriam o direito de pô-lo para fora. O espaço do culto, o horário do culto, o direito ao culto, a forma do culto e as crenças advindas daí não são um direito dado somente pela Constituição Brasileira, como também pela Declaração Universal dos Direitos Humanos que, em seu Artigo II, afirma:

 

“Toda pessoa tem capacidade para gozar os direitos e as liberdades estabelecidos nesta Declaração, sem distinção de qualquer espécie, seja de raça, cor, sexo, língua,  religião, opinião política ou de outra natureza, origem nacional ou social, riqueza, nascimento, ou qualquer outra condição”.

 

Ou seja, ele tem o direito a ter opiniões políticas, como a ter opiniões qualquer outra natureza. Se ele for da opinião de que o Feminismo é burro, ou que homossexualismo é pecado, está gozando de seus plenos direitos. O que ele não pode, e aí sim é ondem entrariam as críticas legítimas à sua conduta, é promover surras públicas a feministas ou tirar um direito civil de um homossexual. A reação que o discurso dele causará em terceiros não é mais responsabilidade dele, afinal, ninguém pode, por lei, se responsabilizar pelo que outro fez. Cada qual deve se responsabilizar pura e simplesmente por aquilo que FEZ. Como a função da lei é julgar AÇÕES e não OPINIÕES, acredito que o direito à crença de Malafaia, e o direito da Assembleia de Deus estabelecer suas próprias normas internas, deva ser preservado.

 Assim, como eu, que sou ateu, pretendo ter assegurados meus direitos, se defendo a repressão da opinião de Malafaia de dizer a asneira que quiser? Em nenhum momento achei estúpida nenhuma das respostas minimamente inteligentes que foram dadas a ele, como esta aqui, de um colega evangélico:

 

“Caro Pastor Silas Malafaia,

é estranho que o senhor, que se diz Ministro de Deuz, não tenha notado que a mentira é um pecado, e que ela vem do diabo! […] Afirmar que Deus te ungiu pastor, e que vive de ser conferencista, é mentira! Você ainda assume uma igreja, lembra?”

 

Ou essa aqui, de um colega homossexual:

 

“País livre e democrático tem uma desvantagem e uma vantagem. É a desvantagem de viver num país livre ter de aguentar os discursos de Silas Malafaia, mas é a vantagem de viver num país livre poder fazer ele me ouvir dizer como isso é chato”.

 

Enfim, se em um país livre pensamos duas vezes em relação ao direito do outro de dizer e pensar livremente, mesmo suas maiores asneiras, então começo a achar que o país não é assim tão livre quanto pensei. Em um país realmente livre, ele está no direito dele de dizer suas opiniões, e estou no meu direito de me ofender, e de manifestar que me ofendi. Silas Malafaia tem todo o direito de dizer coisas estúpidas, assim como tenho o meu de não gostar, de responder à altura, de usar meu direito de resposta, de contra-argumentar, mas não pertence a mim o tirar o direito do outro de dizê-lo. Por fim, fica aqui a resposta do escritor Philip Pullman, autor da série Fronteiras do Universo, a um repórter cristão que afirmou que o título de um de seus livros era ofensivo por chamar Jesus de Salafrário.

 

“Sim, é uma coisa chocante a se dizer e eu sabia que era, mas ninguém tem o direito de viver sem ser chocado. Ninguém tem o direito de viver a vida sem ser ofendido. Ninguém é obrigado a ler este livro. Ninguém é obrigado a pegá-lo, abri-lo, e se alguém abrir e o ler, não será obrigado a gostar dele. Se você ler e não gostar, não é obrigado a ficar calado. Pode me escrever, reclamar, pode também escrever para a Editora. Pode escrever para os jornais, pode escrever seu próprio livro. Você pode fazer todas essas coisas, mas seus direitos terminam aí. Ninguém tem o direito de me impedir de escrever este livro. Ninguém tem o direito de impedi-lo de ser publicado, vendido, comprado ou lido, e isso é tudo o que tenho a dizer a respeito desse assunto”.